A primeira presidenta do Brasil: Dilma Rousseff e a violência política

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A passagem de Dilma Rousseff pela presidência foi apenas uma de suas atuações políticas. Sabemos que seu governo foi marcado por apoiadores e críticos, passando por crises, até findar em seu impeachment.

No entanto, hoje vamos discutir a atuação de Dilma sob outra perspectiva: enquanto mulher na política e, em especial, na presidência da República. Você sabe o que ela enfrentou por causa da sua condição de gênero?

As violências contra as mulheres

Ilustração de fotografia da Dilma Rousseff usando a faixa presidencial
Dilma Rousseff. Imagem: Pixabay.

Em nossa sociedade, as mulheres fazem parte de um grupo historicamente violentado. Com a colonização, mulheres, em sua maioria indígenas e negras, foram expostas a estupros e violências que se estendem até hoje. Essas e outras formas de opressão ocorrem porque as mulheres são submetidas ao sistema patriarcal.

O crime de feminicídio é reconhecido por entender-se que mulheres são assassinadas pela sua condição de gênero. Isso ocorre especialmente quando envolve violência doméstica e discriminação. Cada anuário de segurança pública brasileira revela dados alarmantes sobre a situação das mulheres. O último, publicado em 2024, mostrou aumento em todas as modalidades de violência contra elas.

Quando as mulheres saem da esfera privada e entram no cenário público, enfrentam inúmeros obstáculos. Dilma foi a primeira mulher a ocupar a presidência do país, sofrendo diversos ataques que tentavam reprimir sua atuação.

Panorama das mulheres no poder

A participação de mulheres na esfera pública e na política institucional é uma conquista recente no mundo e no Brasil. Vale lembrar que por aqui, o voto feminino foi garantido apenas em 1932, há menos de 100 anos. Porém, o direito à presença feminina na decisão política ainda é insuficiente para que consigam de fato ocupar esses espaços.

Desde que o Brasil tornou-se uma República, tivemos 39 presidentes, destes apenas uma era mulher, Dilma Rousseff. No parlamento, elas representavam apenas 17,7% das cadeiras no pleito de 2022, segundo o Portal da Câmara dos Deputados. No Senado são 4 mulheres em um total de 81, conforme o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (RESEAM – 2024). Dentre todas as 26 capitais brasileiras, apenas uma conta com uma prefeita, segundo levantamento divulgado pelo Portal G1.

O que é a violência política contra as mulheres que Dilma sofreu?

No mundo todo, as mulheres ainda estão longe de alcançar a paridade de gênero na política. Esse seria um cenário onde mulheres e homens ocupam o parlamento de maneira igualitária. Segundo o portal G1, em 2020, as mulheres representavam cerca de 25% das cadeiras nos parlamentos mundiais. Essa realidade impulsiona a luta por maior participação política feminina.

Veja também nosso vídeo sobre a história do governo de Dilma Rousseff!

Nesse sentido, o campo de estudos feministas, na Ciência Política, tem investigado a Violência Política Contra as Mulheres (VPCM). Esse fênomeno tem por objetivo afastar ainda mais as mulheres da política, segundo KROOK e SANÍN (2016), pesquisadoras do tema. Esse foco de pesquisa é crucial para entender as barreiras específicas enfrentadas pelas mulheres na política e propor soluções efetivas para promover a participação igualitária.

Sob esse entendimento, a cientista política Matos (2023) define a VPCM como qualquer ato, ameaça ou omissão que cause dano físico, sexual, moral, psicológico ou econômico às mulheres. Isto é, ações que visam impedir seu exercício pleno da cidadania política. Essa tipificação ajuda as mulheres a identificar tais situações e busca que o Estado atue de maneira efetiva sobre o assunto.

Considerando essa temática, é fundamental refletir sobre as mulheres usando a perspectiva da diversidade. Para isso, Matos (2023) apresenta a expressão Violência Política Contra as Mulheres em perspectiva Interseccional (VPCMI). Essa abordagem considera múltiplos marcadores sociais envolvidos, como raça, etnia, identidade de gênero, sexualidade, idade.

A violência política contra as mulheres mostrou-se um fenômeno capilarizado na pesquisa do Instituto Marielle Franco, em 2021. No estudo, foi observado que 98,5% das candidatas entrevistadas relataram ter sofrido pelo menos um tipo de violência política. Também, destacam que a violência contra mulheres negras não começa com o exercício de seus mandatos, mas está presente em suas vidas cotidianas, por conta da existência de um sistema racista-patriarcal-capitalista. Isso indica que a vulnerabilidade das mulheres negras é uma questão estrutural que se agrava quando elas entram na política.

Veremos adiante os casos de violência contra Dilma e os impactos políticos desses ataques em sua atuação.

Dilma e sua caminhada política

No colegial, Dilma já era engajada politicamente nos movimentos sociais, influenciada pela própria família que já tinha um histórico de militância. Durante a ditadura militar, ela fez parte de movimentos de resistência e luta contra o regime até ser presa pelos militares em 1970.

Esse período foi marcado por violências e torturas aos perseguidos políticos que lutavam pela democracia no país. Tais repressões apresentavam caráter misógino, uma vez que mulheres eram estupradas e torturadas de maneiras específicas, justamente por sua condição de gênero.

Até esse momento de sua vida, a ex-presidenta já havia vivenciado muitas violências políticas e sua entrada na institucionalidade intensificou novas ocorrências. Esse fato evidencia como as mulheres estão desprotegidas mesmo dentro de uma instituição, que em tese as trariam mais segurança e garantia de sua efetiva participação.

Dilma e as violências sofridas como presidenta

Matos (2022) listou as violências políticas sofridas por Dilma Rousseff:

1. Desqualificação de sua atuação pela associação a uma figura masculina Neste caso, associavam a sua figura a do político Luiz Inácio Lula da Silva de forma pejorativa. Além disso, narrativas foram construídas a fim de transparecer que Dilma não havia controle sob seu próprio governo, sendo sempre influenciada pelo seu antecessor.

2. Associação ao estereótipo de figura materna

Por várias vezes, Dilma era retratada pela mídia e pela população como uma figura materna. Tal fenômeno mostra a dificuldade que uma sociedade patriarcal tem de desvincular a mulher dos estigmas da esfera privada, quando esta encontra-se na esfera pública, especialmente, na presidência do país.

3. Classificação como “histérica” e “louca A atribuição de histeria e loucura às mulheres e, no caso, à Dilma, é mais uma estratégia de desqualificar a atuação feminina. A intenção era mostrar despreparo da ex-presidenta para exercer tal função que exige neutralidade e racionalidade, características consideradas masculinas em uma ótica social machista.

4. Imposição de estereótipos estigmatizantes ligados a sua expressão física e corporal, como sexualidade, estética de beleza ou feiura Dilma teve seu trabalho julgado a partir de suas características pessoais, físicas e padrões de estética. Muitos opositores utilizavam-se de características pessoais da então presidenta para atacá-la.

5. Apologia ao crime de estupro e outras violências sexuais A misoginia é pilar de todas as violências citadas até aqui. Durante sua gestão, Dilma Rousseff foi vítima de uma montagem que continha conotação sexual e era colocada em forma de adesivos no tanque de automóveis.

6. Silenciamento de sua voz pública

Em diversos momentos, Dilma foi retratada com elementos simbólicos que simulavam sua boca amordaçada, sendo impedida de falar. Essas atitudes mostram o desinteresse pelo que Dilma tinha a dizer, servindo como um desincentivo à atuação da ex-presidenta. Isto é, se ela falasse não seria ouvida e se ela desejasse falar não seria motivada a fazê-lo.

7. Táticas de desumanização por meio da animalização e da violência verbal Dilma foi associada a animais por meio de charges, montagens e xingamentos, como Marlise Matos mostra na página 218 do livro “Sempre foi sobre nós”. A ideia era usar a violência verbal para desgastar sua imagem.

8. Insinuações de violência física e de execução Foram veiculadas imagens não reais de Dilma sendo executada publicamente por enforcamento e decapitação. Além disso, ela também sofria ameaças diretas de violência física.

Conclusão

A Violência Política em perspectiva Interseccional (VPCMI) contraria os princípios democráticos por não estabelecer a garantia de igualdade na participação política. Isso prejudica a diversidade na ocupação dos cargos públicos.

As violências direcionadas à Dilma ascenderam o debate sobre o tema. No entanto, foi só com o feminicídio político de Marielle Franco que a questão ganhou grandes proporções. Além disso, a impunidade no caso revela como Estado brasileiro negligencia a situação das mulheres. Afinal, levou seis anos para que os supostos mandantes do crime fossem presos, como mostra o Portal G1.

Em 2021, foi sancionada nacionalmente a Lei 14.192 que visa estabelecer normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher. No entanto, essa lei identifica esse crime somente em casos que a mulher é uma mandatária ou candidata. Portanto, não considera ativistas e lideranças que também passam por essa situação, como ocorreu com a Mãe Bernadete, líder quilombola assassinda em 2023 por sua atuação.

No segundo semestre de 2023, segundo o G1, parlamentares mineiras foram alvo de uma onda de ameças de morte e estupro, revelando a persistência do fênomeno e necessidade urgente de enfrentamento. Estamos às vesperas de um novo período eleitoral que expõem mulheres candidatas à violência crescente.

Quer saber mais sobre o tema? O Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (NEPEM-UFMG) elaborou uma cartilha que auxilia mulheres no entendimento da temática: CARTILHA.

Você conhecia a Violência Política contra as mulheres? Já tinha pensado sobre a atuação de Dilma nessa perspectiva? Deixe seus comentários!

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Conteúdo escrito por:
Mulher, jovem e professora feminista engajada por um mundo melhor, graduanda em Ciências Sociais pela UFMG. Apaixonada por política e educação, concentra-se nos estudos sobre mulheres em perspectiva interseccional. Adora fazer conexões entre teoria e produções culturais!

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15 set. 2024

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