Desde 2016, uma das palavras de ordem das manifestações contra o governo de Michel Temer é “diretas já“. A expressão é usada por manifestantes que demandam a realização antecipada de eleições diretas para presidente. As circunstâncias da chegada de Temer ao poder – o processo de impeachment de Dilma e as investigações da Lava Jato, que atingem o PMDB, partido do presidente – faz com que muitos não o reconheçam como legítimo ocupante do cargo.
Agora, com o estouro de um escândalo de corrupção envolvendo diretamente o presidente da República, o anseio por eleições diretas volta a tomar conta. Para parte da população, escolher ainda em 2017 um novo governante por eleições diretas seria a melhor saída.
Mas a expressão diretas já tem um peso histórico no Brasil. Foi este o nome de um dos movimentos populares mais marcantes da política nacional. Vamos relembrar?
O QUE FOI O MOVIMENTO DIRETAS JÁ?
O ano era 1983. O Brasil entrava no décimo nono ano de ditadura militar. Fazia 23 anos que o país não elegia um presidente pelo voto direto – Jânio Quadros havia sido o último agraciado, em 1960. O AI-5, documento que aumentou a repressão na ditadura, havia sido revogado em 1978, portanto cinco anos antes. O pluripartidarismo (ou seja, a liberdade de existência de mais de dois partidos políticos) já estava restabelecido há quatro anos. E mesmo assim, um presidente militar continuava no poder. A população estava insatisfeita com o regime ditatorial. O país, além disso, enfrentava grave crise econômica. A hiperinflação corroía o valor do cruzeiro. Havia um anseio pela democracia.
Foi nesse contexto que, em março de 1983, o deputado Dante de Oliveira, do PMDB, fez uma Proposta de Emenda à Constituição que propunha eleições diretas para presidente em dezembro do ano seguinte. Ao longo de 1983 e dos primeiros meses de 1984, o povo tomou as ruas em várias cidades do país, gritando por “Diretas Já!”. As maiores manifestações ocorreram na Candelária, no Rio de Janeiro, onde se reuniram mais de 1 milhão de pessoas, e na Praça da Sé, em São Paulo, com a presença de 1,5 milhão.
À frente do movimento Diretas Já estavam algumas das mais importantes lideranças políticas do país, como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso, Pedro Simon e Luís Inácio Lula da Silva. A classe artística também se fez presente, com o apoio de Fafá de Belém, Chico Buarque, Martinho da Vila e outros.
Mesmo assim, a Emenda Dante de Oliveira foi rejeitada pela Câmara dos Deputados, em abril de 1984. Apenas 298 foram favoráveis, de modo que faltaram 22 votos. O número de abstenções foi alto, 112, o que foi atribuído a uma manobra do governo militar.
Assim, as eleições presidenciais de 1985, mesmo tendo sido as primeiras a elegerem um civil em mais de duas décadas, foram realizadas pela via indireta, através de um colégio eleitoral. Foi eleito Tancredo Neves, que faleceu antes de assumir, deixando o cargo para José Sarney. As primeiras eleições populares para presidente após a ditadura ocorreram apenas em 1989.
Apesar do insucesso das Diretas Já, o movimento marcou a história brasileira com algumas de nossas maiores manifestações de rua. As lideranças do movimento estiveram presentes na transição para a democracia, na promulgação da Constituição de 1988 e chegaram aos mais altos cargos da república.
DIRETAS JÁ 1983/1984 E 2016/2017: COMPARAÇÕES
O contexto político brasileiro de 1983 era diferente de 2016 em vários aspectos. Enquanto hoje vivemos em uma democracia representativa, naquela época a ditadura militar ainda tinha alguma sobrevida (mesmo que com ajuda de aparelhos). O presidente brasileiro não era eleito pelo voto direto e universal, algo que nos é garantido hoje em dia. Se na década de 80 não havia perspectiva de quando o povo voltaria a escolher o presidente, hoje temos previsão clara de novas eleições em 2018.
Tendo esses fatos em vista, existe razão para que grupos contra Temer emprestem a expressão do movimento popular de meados da década de 80? Para os que apoiam a medida, o grito por Diretas Já de 2016 e 2017 teria semelhança com o de 1983, por causa da falta de legitimidade do governo Temer. Segundo os defensores de eleições diretas antecipadas, o atual presidente teria sido alçado ao cargo por meio de um golpe (impeachment de Dilma), assim como o golpe de 1964 colocou cinco presidentes militares no poder, ao longo dos 21 anos seguintes. A gravação feita pelo dono da JBS, Joesley Batista, em que Temer concorda com a compra do silêncio de Eduardo Cunha seria apenas a gota d’água para o fim de um governo ilegítimo.
A solução para o impasse político criado com o impeachment de Dilma e a eventual queda de Temer seria novas eleições diretas para presidente, ainda em 2017. Pesquisa de 2016 do instituto Datafolha revelou que essa era a opção preferida da maioria dos brasileiros para dar um fim à crise política.
MAS SERIA POSSÍVEL ANTECIPAR AS ELEIÇÕES PARA 2017?
Em 2016, durante a crise criada por conta do processo de impeachment de Dilma Rousseff, muito se discutiu sobre a possibilidade de realizar novas eleições ainda naquele ano. Do ponto de vista constitucional, isso só seria possível se Temer também tivesse saído da presidência, por renúncia, cassação eleitoral ou impeachment. Nesse caso, a Constituição garantiria a realização de novas eleições diretas, uma vez que ficariam vagas a presidência e a vice-presidência nos dois anos iniciais do mandato presidencial.
Agora, em 2017, o cenário mudou: como é o terceiro ano de mandato presidencial, uma eventual queda de Temer levaria a eleições indiretas – ou seja, o Congresso escolheria um novo presidente até 2018. Por isso, a única esperança para as diretas já seria a aprovação de uma PEC que prevê eleições diretas se os cargos de presidente e vice ficarem vagos antes dos seis meses finais do mandato (antes de julho de 2018).
E você? Acredita que existe paralelo entre os movimentos de 1983 e 2017? Seria positivo convocar eleições diretas ainda neste ano? Deixe seu comentário!