Imagem de uma mesa escolar com livros empilhados, um pote com lápis de cores e um globo terrestre

A disputa entre progressistas e conservadores na educação brasileira

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Embora seja praticamente consenso que a educação seja responsabilidade do Estado, há profundas divergências sobre como cumpri-lo da melhor forma.

Pensando nisso, a Politize! preparou este conteúdo para explicar as principais diferenças entre posições progressistas e conservadoras na área educacional, bem como o impacto de cada visão de mundo sobre as propostas de políticas públicas para o ensino.

O foco deste texto é a discussão em torno da formação cidadã, especialmente no seu aspecto pedagógico.

Siga conosco para conhecer melhor esse instigante debate sobre a educação brasileira!

Durkheim, Weber e a educação

A educação pública como a conhecemos é uma instituição relativamente recente em termos históricos. Havia sistemas públicos de ensino em sociedades antigas, como Egito e Roma, mas o modelo educacional contemporâneo consolidou-se apenas entre o fim do século XIX e o início do século XX.

Desde então, discute-se sobre o papel da educação e sua relação com a política e a sociedade. À época, dois dos principais teóricos da Sociologia, Émile Durkheim e Max Weber, apresentaram visões distintas sobre o tema.

Em seu livro Educação e Sociologia, Durkheim argumentou que a educação é uma maneira metódica de ensinar às novas gerações aspectos centrais da socialização, como as ideias, hábitos e práticas daquela sociedade. Logo, trata-se de uma ferramenta indispensável à manutenção da coesão social, devendo promover valores comuns e fortalecer a consciência coletiva.

Como a educação possui uma finalidade essencialmente coletiva, o Estado não deve delegá-la à família – ambiente privado e individual – ou limitar-se a suplementar o ensino doméstico. Ao invés disso, é necessário que ele cumpra um papel ativo, estabelecendo uma comunhão de ideias e sentimentos entre os cidadãos.

Weber, nas conferências A Ciência como Vocação e A Política como Vocação, defendeu uma separação entre os campos científico e político. Para ele, a educação deveria ser neutra politicamente e manifestações políticas de estudantes ou professores são inadequadas em ambientes como as universidades, apropriadas para a investigação científica.

Assim, a análise weberiana parte de uma perspectiva individualista, já que a educação é enxergada como uma instituição técnica, voltada para fornecer habilidades objetivas para o desenvolvimento pessoal.

Como esses pensamentos se relacionam com o debate atual?

Embora seja necessária alguma cautela para não deslocar as ideias de seu contexto histórico, as visões de Durkheim se aproximam mais daquilo que seria considerado um pensamento progressista. O principal ponto de alinhamento a essa vertente seria a busca por uma formação voltada à integração social e à promoção da cidadania.

Por outro lado, a análise de Weber tende a ecoar alguns posicionamentos conservadores contemporâneos, a exemplo do foco no indivíduo e em sua capacitação técnica, bem como a neutralidade política.

A seguir, veremos em mais detalhes como cada campo se posiciona nos dias atuais.

O progressismo e a pedagogia crítica

Em linhas gerais, o progressismo tende a defender uma formação inclusiva, voltada não apenas à aquisição de conhecimento técnico, mas sim humanizada e abrangente, envolvendo diferentes saberes.

Os integrantes dessa vertente política consideram que a educação deve promover reflexões sobre o sistema vigente e as suas injustiças econômicas e sociais. Ao mesmo tempo, cabe a ela formar cidadãos responsáveis e promover práticas que levem a uma sociedade mais justa, democrática e sustentável.

Paulo Freire: educação crítica e aprendizado ativo

Imagem em preto e branco de Paulo Freire. Texto: A disputa entre progressistas e conservadores na educação brasileira
Paulo Freire, educador brasileiro considerado um dos mais importantes pensadores da pedagogia. Imagem: Wikimedia Commons.

No Brasil, uma das vozes mais ativas na defesa dessa visão foi a do pedagogo pernambucano Paulo Freire. De orientação marxista e crítico ao capitalismo, o intelectual teve uma grande influência na área, sendo reconhecido pela criação de um método eficaz para a alfabetização de adultos.

Além disso, sua obra Pedagogia do Oprimido é a terceira mais citada em trabalhos acadêmicos de Ciências Humanas. No livro, o autor enfatiza o papel político e libertador da educação, por meio do desenvolvimento de uma consciência crítica e transformadora.

Outro aspecto importante da filosofia de Freire é a defesa de um aprendizado ativo do aluno. Para ele, a chamada “educação bancária”, na qual o professor é visto como detentor do saber e simplesmente deposita informações sobre o estudante, é nociva para a construção do conhecimento. Ao invés disso, esse processo deve ter como base o diálogo e a interação entre o educador e os alunos.

Para saber mais sobre o pensador, leia também: Paulo Freire: o que diz a filosofia do educador brasileiro?

bell hooks: educação feminista e antirracista

bell hooks segurando um microfone em uma palestra. Texto: A disputa entre progressistas e conservadores na educação brasileira
bell hooks, ícone da pedagogia crítica e das lutas feminista e antirracista. Imagem: Wikimedia Commons.

Uma segunda figura central da pedagogia crítica é a americana Gloria Jean Watkins, mais conhecida pelo pseudônimo bell hooks. Nascida em uma família humilde no sul dos Estados Unidos em pleno período da segregação racial legalmente amparada, ela é considerada um ícone das lutas feminista e antirracista.

Influenciada por Paulo Freire, ela se destaca por abordar com maior ênfase a chamada interseccionalidade. Trata-se da interação de marcadores como raça, gênero, orientação sexual, capacidade física e localização geográfica, que podem se sobrepor, influenciando a discriminação e a exclusão de indivíduos ou grupos minoritários.

Assim, bell hooks aponta a importância da educação como ato político. Para ela, é necessária uma pedagogia engajada que se oponha a todas as formas de opressão.

A autora discute ainda o conceito de amor, não em seu sentido romântico, mas enquanto prática de afeto, respeito, reconhecimento, honestidade e confiança, fundamentais para o enfrentamento da dominação política.

O conservadorismo na educação: currículo robusto, disciplina e valores tradicionais

A abordagem do campo conservador, por sua vez, tende a valorizar outros aspectos do ensino, entre eles a aquisição de conhecimento técnico e a aquisição de habilidades objetivas, com base no conhecimento socialmente compartilhado.

Além disso, muitas vozes conservadoras se insurgem contra a prática de militância política em escolas ou universidades, pois consideram esses ambientes inadequados para tanto. Os representantes dessa vertente costumam também enxergar na disciplina e no respeito à hierarquia, valores importantes a serem cultivados nas salas de aula.

Para aqueles cuja ideologia está ainda mais à direita, a discussão de temas como sexualidade deveria restringir-se ao âmbito doméstico, ficando de fora do currículo escolar. Alguns chegam a defender a prática do homeschooling, ou ensino domiciliar, como alternativa às escolas tradicionais.

E. D. Hirsch: letramento cultural e base curricular sólida

Professor E. D. Hirsch em conferência acadêmica. Texto: A disputa entre progressistas e conservadores na educação brasileira
E.D. Hirsch, defensor do letramento cultural e fundador da Core Knowledge Foundation. Imagem: Wikimedia Commons.

Um importante teórico da educação com ideias mais conservadoras é Eric Donald Hirsch Jr., professor emérito da Universidade da Virgínia. Para ele, grande parte dos estudantes americanos não detém conhecimentos básicos sobre termos e conceitos culturais essenciais para o desenvolvimento acadêmico e para uma boa noção de mundo.

Pensando nisso, E. D. Hirsch escreveu o livro Cultural Literacy: What Every American Needs to Know (Letramento Cultural: o que todo americano precisa saber). Na obra, o autor apresenta um conjunto de aproximadamente 5000 nomes, datas, conceitos e frases que acredita que todos deveriam conhecer.

Além de destacar a importância de um currículo robusto e culturalmente rico, o teórico critica duramente os métodos progressistas. Ele argumenta, a partir de estudos, que fatores como um ambiente bem organizado e um maior grau de exigência curricular foram responsáveis pelo melhor desempenho de colégios católicos em índices de qualidade e equidade educacional, se comparados a outras escolas.

As ideias de E. D. Hirsch influenciaram uma reforma educacional em Portugal durante o governo de centro-direita do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho (PSD). Seu ministro da Educação, Nuno Crato, reorganizou o currículo e introduziu as chamadas metas curriculares, o que contribuiu para um aumento significativo da nota do país no exame do PISA.

Olavo de Carvalho: combate à esquerda e defesa de valores tradicionais

À esquerda, Olavo de Carvalho. À direita, Jair Bolsonaro.
Olavo de Carvalho ao lado do então presidente Jair Bolsonaro em 2019. Imagem: Wikimedia Commons.

Embora não tenha prestígio no campo acadêmico como E. D. Hirsch e esteja localizado bem mais à direita no espectro político, é inegável que o escritor e influenciador Olavo de Carvalho teve um papel relevante na ascensão do bolsonarismo no Brasil.

Uma das principais bandeiras do conservador no campo da educação foi a oposição ao que ele considerava ser uma doutrinação de viés marxista nas escolas e universidades – na sua visão, tomadas de professores esquerdistas. Além disso, Olavo propunha um combate à chamada “ideologia de gênero” no ensino escolar.

Principais políticas públicas para a educação nos últimos anos

Boa parte dos projetos na área da educação nos últimos anos possui um viés mais conservador e, naturalmente, as principais críticas a eles vêm do campo progressista.

Serão apresentadas a seguir algumas dessas propostas de políticas públicas, bem como os principais argumentos favoráveis e contrários a cada uma.

Novo Ensino Médio

O Novo Ensino Médio foi uma reforma nas diretrizes da educação básica e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Aprovado em 2017, durante a gestão Temer, ele entrou em vigor apenas em 2022 e trouxe como principais mudanças:

  • Ampliação da carga horária de 2400 para 3000 horas;
  • Desse total, 1800 devem ser utilizadas para a aprendizagem comum e 1200 para um itinerário formativo;
  • A BNCC passa a contar com 4 áreas: matemática, linguagens, ciências humanas e ciências da natureza. Os conhecimentos específicos de cada uma são disponibilizados de forma diferenciada, mas segue havendo uma base comum;
  • Os estudantes passam a escolher um itinerário com componentes curriculares eletivos, oficinas e projetos, podendo aprofundar-se em uma ou mais áreas do conhecimento.

O principal argumento favorável às mudanças é a possibilidade de escolha dos alunos com base em seus interesses e projetos de vida, o que lhes garante maior autonomia. Além disso, o novo currículo fornece uma formação mais completa, permitindo também articulação com o ensino técnico.

Já quem se posiciona contra a reforma, aponta a falta de estrutura das escolas e de qualificação dos professores para aplicar as alterações curriculares. É possível ainda que elas acentuem as desigualdades, já que alguns estudantes têm maior facilidade de acesso a uma formação diversificada, enquanto outros, mais vulneráveis, podem ser prejudicados.

Escola sem Partido

O movimento Escola sem Partido existe desde 2004, mas passou a ganhar força a partir de 2015, com a ascensão de uma nova direita no país. Ele inspirou projetos de lei de mesmo nome, que tramitaram em diversas câmaras municipais, assembleias legislativas e até mesmo no Congresso Nacional.

Seu principal objetivo é impedir que professores promovam convicções pessoais em sala de aula. Os defensores da proposta entendem que, nesse ambiente, os profissionais de ensino se encontram em uma posição de poder diante dos alunos, a qual pode ser utilizada para promover uma doutrinação ideológica. A educação, ao invés disso, deveria ser politicamente neutra.

Já os críticos apontam que a desejada neutralidade seria impossível, pois nenhum discurso é completamente isento e imparcial. Além disso, o projeto poderia colocar os professores sob vigilância e desincentivar a discussão de temas polêmicos. Isso violaria a liberdade de ensino e prejudicaria uma formação crítica, minando seu potencial de combate à discriminação e ao preconceito.

Escolas cívico-militares

Diferentemente dos famosos colégios militares de corporações ligadas às Forças Armadas, as chamadas escolas cívico-militares são escolas civis da rede pública que passam a compartilhar sua gestão com quadros militares.

Em maio de 2024, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), sancionou um projeto de lei que permite a implementação do modelo no estado. Propostas semelhantes existem em outros estados da federação.

Seus defensores argumentam que o ensino público tem falhado em garantir a ordem, considerando as altas taxas de violência contra alunos e professores. Para eles, a presença militar poderia garantir um ambiente mais pacífico e promover a disciplina em sala de aula, além de outros valores que julgam importantes, como o civismo e o patriotismo.

Os opositores, por outro lado, alegam que uma disciplina militar vai na contramão dos princípios plurais e democráticos estabelecidos pela Constituição. Eles defendem também que a gestão escolar exige uma formação e conhecimentos específicos, os quais estão fora da alçada dos militares.

Educação, cultura política e democracia no Brasil

O debate apresentado neste texto vai além das salas de aula, pois contribui para a construção de uma cultura política no Brasil. Ao moldar valores, atitudes e visões de mundo, a educação exerce um papel fundamental na formação de cidadãos capazes de participar ativamente das discussões que impactam a vida em sociedade.

Um ensino que promova a pluralidade e o diálogo pode fortalecer a confiança na democracia, em que as divergências são bem-vindas e devem ser debatidas de forma civilizada. Por outro lado, uma abordagem excludente ou polarizadora corre o risco de aprofundar as divisões sociais já existentes.

Assim, o modo como essa disputa ideológica é enfrentada pode influenciar o tipo de sociedade e de democracia que desejamos construir.

E aí, sua visão sobre a educação brasileira se aproxima mais da progressista ou da conservadora? Deixe sua opinião nos comentários!

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Bianco, Ricardo. A disputa entre progressistas e conservadores na educação brasileira. Politize!, 3 de dezembro, 2024
Disponível em: https://www.politize.com.br/disputa-na-educacao-brasileira/.
Acesso em: 3 de dez, 2024.

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