Com a crise de saúde pública e econômica gerada pelo Covid-19, a discussão em torno da taxação de dividendos voltou à pauta. O Ministro da Economia, Paulo Guedes, disse a seguinte frase sobre o assunto:
“Queremos que a empresa acumule capital e que, quando esse capital seja transformado em dividendos para uma pessoa, essa pessoa pague mais”
Além disso, existe um projeto de lei, proposto pelo senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP), que também trata sobre a tributação de dividendos. Mas, antes de falar sobre a tributação em si, é necessário entender mais sobre dividendos.
O que são dividendos?
Dividendos são parcelas do lucro apurado que serão distribuídos entre os acionistas da empresa. Para entender melhor, vamos imaginar o seguinte: você compra ações de uma empresa, ou seja, você está comprando um pedaço de uma companhia, e isso significa que você passa a ser sócio dela. Por isso, você passa a ter direitos sobre parte dos lucros dela, que podem ser recebidos na forma de dinheiro, ações ou direitos de propriedades.
Vale lembrar que o valor recebido leva em conta o percentual de ações que você tiver, e a forma com que a empresa vai emitir os dividendos será definido seguindo o regulamento interno de cada companhia.
Por que as empresas pagam dividendos?
Desde 1976, a Lei das Sociedades Anônimas obriga que as empresas de capital aberto, cujo o capital social é formado por ações livremente negociadas no mercado, destinem parte de seu lucro líquido na forma de dividendos para seus acionistas. Por causa disso, essa é uma forma bastante comum de remuneração no país.
Ficou convencionado, entre as empresas, que o mínimo pago aos acionistas seria de 25% do lucro líquido (a diferença entre a receita total e o custo total). Entretanto, mesmo com esse patamar mínimo, existem companhias que pagam percentuais superiores de seus lucros em dividendos, como forma de atrair investidores.
A distribuição dessa remuneração varia de empresa para empresa, podendo ser de maneira anual, semestral, trimestral ou mensal. Por exemplo, a Petrobras costuma pagar trimestralmente, enquanto que o Itaú paga mensalmente os seus dividendos.
Como é feito a tributação de dividendos pelo mundo?
Primeiramente, cabe ressaltar que cada país tem as suas regras para a tributação de dividendos, mas de forma geral, essa taxação ocorre após a constatação do lucro ou prejuízo. Caso haja lucro, e a empresa destine parte desse lucro para os seus acionistas, o governo trataria de tributar esse recurso.
Um estudo elaborado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre a tributação de dividendos, dentre os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mostrou que apenas a Estônia, um pequeno país europeu, ainda não aderiu a essa taxação, e que a média das taxas entre esses países chega a 25%.
Nesse ano, a Tax Foundation fez um levantamento sobre as alíquotas de tributação de dividendos nos países europeus. E, esse mapeamento nos mostrou uma grande diferença entre os países, indo de 51% na Irlanda para 5% na Grécia. Países como a França, Espanha e Alemanha, cobravam próximos da média, 34%, 23% e 26,4%, respectivamente.
Saindo da Europa, podemos citar outros exemplos, como o Canadá (39,34%), Estados Unidos (29,23%), Chile (20%), México (17,14%) e Austrália (24,28%) [2].
Por que o Brasil não tributa?
Até 1995, o Brasil tributava os dividendos com uma alíquota de 15%. Todavia, essa tributação era bastante questionada pelos empresários, alegando que ocorria uma bitributação, ou seja, a cobrança de dois tributos sobre o mesmo recurso, que é, no caso, o lucro da empresa.
Com a publicação da Lei N° 9.249/1995, que alterou a legislação do IRPJ e da CSLL, a tributação de dividendos foi extinta. Como pode ser visto no artigo 10 da lei:
“Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.”
Desde janeiro de 1996, portanto, o Brasil não tributa dividendos.
Quais são as propostas que envolvem essa tributação?
Basicamente, existem 3 propostas sobre as tributações dos dividendos. Então, vamos a elas:
1) Não tributação
A primeira, e mais óbvia, é a manutenção da situação atual. Quem defende essa tese, alega que o Brasil já conta com uma carga tributária muito elevada, e não precisa de mais impostos. Segundo a receita federal, a carga tributária brasileira chegou a 32,4% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2017, ficando muito próximo da média de tributação dos países da OCDE. Entretanto, quando se é comparado com outros países da América Latina e Caribe, o Brasil se destaca negativamente, pois a média desses países se aproximam dos 23%, evidenciando uma diferença de quase 10%.
Outro ponto importante para ser mencionado, é que essa nova taxação entraria na mesma questão jurídica de 1995, pelo fato de que esse imposto poderia ser configurado como bitributação, ou seja, o mesmo valor é tributado duas vezes. Como diz Arilton Teixeira, Phd em Economia pela University of Minnesota.
“No Brasil, dois impostos já taxam os lucros das empresas: o IRPJ e a CSLL. Ainda há outros que incidem sobre a receita: PIS/COFINS. Após apurado o lucro, as companhias o distribuem na forma de dividendos. É exatamente aqui que os projetos querem atuar. Alguns congressistas pensam que, ao distribuir dividendos aos investidores, este deveria ser novamente taxado”.
Ele ainda ressalta que a bitributação pode desincentivar os investidores, que tomam risco ao investirem nas empresas, prejudicando, assim, a produção e geração de empregos no país.
2) Tributação, SEM contrapartida para as empresas
Uma segunda linha de pensamento segue a lógica da proposta do senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP). O Projeito de Lei (PL) 766/2020 institui o Sistema Solidário de Proteção à Renda, ampliando os benefícios aos inscritos no programa Bolsa Família e aos cadastrados no CadÚnico durante a pandemia da Covid-19. E, para financiar isso, o senador propõe a tributação de lucros e dividendos, já valendo para este ano.
A proposta não apresenta uma alíquota, deixando essa responsabilidade para a receita federal. Mas, o PL prevê que poderá ser estabelecido uma tabela progressiva – alíquotas aumentam com a quantidade -, assim como definir um prazo extraordinário para a declaração e exigir a retificação daqueles que já declararam em 2020, com o objetivo de já se utilizar dos recursos oriundos dessa tributação neste ano. Sobre o projeto, o senador disse:
“São centenas de bilhões todos os anos que não recolhem imposto de renda, em benefício da elite econômica do país. Como a revogação de isenção não exige anterioridade, essa medida poderá arrecadar bilhões de reais para transferir aos mais pobres já este ano”
Corroborando a sua tese, um estudo feito pelo Ipea, estimou que a criação de um tributo sobre dividendos poderia levar a um aumento de R$22 bilhões a R$39 bilhões na arrecadação pública, que poderia ser destinado para as áreas sociais.
3) Tributação, COM contrapartida para as empresas
Por fim, a ideia defendida por Paulo Guedes, assim como pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, reflete uma terceira linha de pensamento sobre esse assunto. Como fora antecipado, o Ministro da Economia também defende a tributação de dividendos, entretanto, ao contrário do projeto de Randolfe, o governo visa fazer um rearranjo dos impostos e tributos pagos pelas empresas, com a intenção de não aumentar a carga tributária brasileira.
De acordo com Guedes, a proposta seria tributar os dividendos, mas diminuir o imposto de renda pago pelas empresas, com o objetivo de estimular as companhias a reinvestirem os seus lucros.
A proposta se baseia na tese de que as empresas brasileiras já são muito tributadas. Para se ter uma ideia, em 2020, o Brasil apresentou a quarta maior cobrança de imposto sobre as empresas entre 109 países, com taxação de 34%, segundo a OCDE. No relatório, a entidade mostra que a taxa média global sobre a renda das companhias fica em 20%, ou seja, 14 pontos percentuais a menos que no Brasil.
Além disso, a classe empresarial brasileira já arca com vários custos extras, como por exemplo, sobre a tributação da folha e a complexidade tributária.
Em relação a tributação da folha, o economista Bernard Appy, deu o seguinte depoimento:
“A tributação da folha de salários no Brasil varia de 34% a 45%, sendo que a alíquota média da tributação da folha de salários nos países da OCDE está entre 18% e 22%.”
No tocante a complexidade tributária, as nossas empresas também enfrentam dificuldades. Pois, segundo o Banco Mundial, o Brasil gasta 2600 horas para com o cumprimento das leis tributárias em uma empresa de manufatura de referência, ficando assim, em um dos últimos lugares dentre as 290 jurisdições analisadas. Para ressaltar essa discrepância, o tempo médio gasto por países latino-americanos são de 356 horas, e o dos países pertencentes a OCDE são de 184 horas. Logo, as empresas acabam perdendo produtividade e tendo que alocar mais pessoas para essas áreas, elevando assim seu custo de funcionamento.
Por fim, pode-se concluir que a tributação sobre dividendos não é tão simples quanto parece, e será necessário muito debate em nossa sociedade para se chegar a uma solução que agrade a maior parte da sociedade e não gere grandes prejuízos para nenhuma classe.
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