Pode ser que você já tenha ouvido falar sobre ecologia, mas e ecologia política?
Em especial, no ensino básico na disciplina de Ciências, aprendemos sobre as dinâmicas na natureza. Entretanto, desde a década de 1970, há um debate global no qual aproxima a perspectiva socioeconômica do campo dos estudos ecológicos. Mudanças climáticas, desastres e crimes ambientais evocam o debate acerca do meio ambiente para além da sua dimensão natural, e trazem à tona dinâmicas políticas, econômicas e sociais. Quer saber mais? Vem com a gente!
O que é ecologia política?
O campo de estudos da ecologia pode ser definido como a ciência que investiga as relações entre meio biótico e abiótico. Ao passo que a sociedade tem seu desenvolvimento calcado nas potencialidades e limites da natureza, este campo tem sido complexificado e ganha novas perspectivas, como a ecologia política.
Antes de avançarmos, faz-se necessário alinhar a compreensão acerca do que denominamos ambiente, sendo a natureza primária impactada pela ação humana. Por isso, seria redundante escrevermos “dinâmicas socioambientais”, ao passo que o social está incorporado dentro do próprio conceito de ambiente.
De acordo com o professor e pesquisador da UFRJ, Marcelo Lopes, a construção do campo de debate da ecologia política no exterior é encabeçado por antropólogos e geógrafos. No Brasil, esta realidade vem sendo construída a passos lentos. Como consequência, é pouco difundido nas pautas, agendas e decisões políticas.
A partir do mesmo autor, entendemos a ecologia política como um campo multidisciplinar de análise da nossa realidade, na busca por contextualizar os fatores econômicos, sociais e políticos dentro das dinâmicas ambientais e dos seus impactos na vida das pessoas, em especial de uma parcela específica da nossa sociedade.
O pesquisador e indígena Ailton Krenak aponta que ecologia para os povos das florestas significa a mata viva respirando e inspirando, sendo a base para a vida material e espiritual das diversas formas de existências e culturas, sendo o descolamento da terra marcado pelos avanços dos processos e dinâmicas capitalistas.
No Brasil, um dos precursores acadêmicos é Orlando Valverde, e no movimento social, o seringueiro Chico Mendes. Ademais, a perspectiva do povo Krenak já traz como pressuposto a relação política com a ecologia e acrescenta a dimensão subjetiva conectada ao espiritual.
Justiça social e mudanças climáticas: como a perspectiva da ecologia política pode contribuir nesta articulação?
À primeira vista, todos os seres humanos sofrem igualmente com os impactos das mudanças ambientais e climáticas, porém um olhar mais cuidadoso e baseado em dados demonstra que determinadas parcelas da população são atingidas mais que outras.
A noção de justiça, de forma ampla, se refere à relação de equidade entre indivíduos. A partir desta ideia, podemos pensar os seus desdobramentos, como a justiça social e a justiça ambiental. Esta primeira, de acordo com o pesquisador Marcelo Lopes, significa a relação entre os indivíduos e o todo social, ou seja, a cultura e a sociedade da qual fazem parte.
Já a justiça ambiental se refere à distribuição social e espacial dos contaminantes e impactos ambientais. No caso do rompimento das barragens da Samarco em 2015, no município de Mariana (MG), de acordo com pesquisa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 84% das vítimas eram pessoas negras.
As mudanças climáticas são consequências de um grande processo de exploração da Terra e suas potencialidades, podemos dizer que é uma resposta a ação humana, ou melhor, ação das grandes indústrias e capitalistas, na qual vem se complexificando e mudando de roupagem desde a 1ª Revolução Industrial na Inglaterra.
Compreender essas transformações a partir da visão ecossistêmica nos permite analisar as causas destas e não apenas propor ações que mitiguem ou tratem as suas consequências, nas quais vem se aprofundando ao longo do tempo histórico.
Desastres e crimes ambientais: um olhar a partir da ecologia política
Em 2015, os brasileiros se chocaram com o rompimento da barragem da Mina de Fundão da Empresa Samarco em Mariana e Brumadinho (MG) e novamente em 2019, com a Barragem do Córrego do Feijão da Empresa Vale S.A., no qual impactou direta e indiretamente inúmeras pessoas.
Um caminho para pensar estes casos é a partir do conceito de ecoestresse, definido pelo Marcelo Lopes como o processo de exportação e importação de resíduos e subprodutos tóxicos derivados das mais diferentes indústrias, nas quais afetam um espaço segregado e uma população mais vulnerável, tal como os eventos aqui citados.
Estes foram frequentemente noticiados como tragédias, desastres ou crimes ambientais, entretanto, relatórios divulgados pela Agência Brasil, afirmam que a Samarco havia avaliado os riscos antes do ocorrido, sendo assim, enquanto uma empresa, possui responsabilidade sobre os danos gerados, apesar de que as 19 mortes causadas são irreparáveis, além dos impactos ao longo de toda bacia do Rio Doce.
Diferenciar desastres e crimes ambientais é uma reflexão contextualizada a partir das análises de riscos e dos responsáveis envolvidos, sendo eles o Estado e o capital. A ecologia política propõe ações concretas nas quais visam construir uma outra perspectiva acerca das potencialidades da Terra.
Poder público e a gestão de riscos ambientais
O Estado, enquanto agente regulador e mediador, tem responsabilidade direta pela proteção do bem estar coletivo. Porém, a depender do projeto político em voga, esta regulação e mediação não atende a agenda do governo e é tratada como pauta de baixo interesse público.
Em países do Sul global, destacamos dois exemplos: Brasil e Índia. Em maio de 2024, vivenciamos – e seguimos vivendo os impactos – as enchentes na região sul brasileira e há três anos, as ondas de calor extremas afetam o Norte e a região central indianas.
O governador do estado do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, declarou em entrevista à BBC News Brasil que a ciência não terá palavra final em suas ações políticas, no qual é baseada na flexibilização da legislação ambiental estadual.
Nesse sentido, este evento extremo é resultado de uma combinação de fatores, dentre eles a ação política que apenas enxerga as necessidades da Terra até que ocorra um evento climático extremo, ou um desastre e crime ambiental que afetem os lucros do capital a curto ou a longo prazo.
Pensar e propor saídas que atendam as necessidades da população é pensar agir em sintonia com o bem viver, de forma a considerar os rios, formas da Terra, solo, minerais para além da perspectiva de recurso e sim de base essencial para a existência da vida humana neste planeta.
“Ecologia sem luta de classes é jardinagem”
A frase que dá título a este tópico é do seringueiro e ambientalista Chico Mendes. Ele é reconhecido por sua atuação na reforma agrária e proteção do ambiente e a construção de reservas extrativistas não predatórias no Acre, sua terra natal.
Em 1988, ano da Constituição Cidadã, foi assassinado a mando de um fazendeiro da região, no qual o seu filho foi acusado e condenado por homicídio. Neste ano, ele retomou a mídia, ao assumir o comando do gabinete do Partido Liberal (PL) na cidade. Darcy Alves da Silva, hoje segue o legado da sua família.
Em contrapartida, a atual Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, pode ser considerada uma representante da luta dos seringueiros ao continuar com o legado de Chico Mendes e fomentar a construção de um projeto de sociedade que leve em consideração as relações ecológicas.
Pensar e analisar o ambiente a partir das relações ecossistêmicas em seu sentido mais amplo é um caminho para construir políticas públicas, ações pedagógicas e projetos que atendam às necessidades dos seres humanos acima das necessidades do capital, e é uma agenda urgente para que a humanidade possa continuar existindo.
E aí, gostou de saber mais sobre ecologia política? Restou alguma dúvida? Se sim, deixe-a nos comentários!
Referências:
- SOUZA, Marcelo Lopes: Proteção ambiental para quem? A instrumentalização da ecologia contra o direito à moradia. Mercator, volume 14, número 4, pp. 25-44, 2015
- SOUZA, Marcelo Lopes: Ambientes e territórios: Uma introdução à Ecologia Política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2019.
- Souza, Marcelo Lopes. (2019b): O que é a Geografia Ambiental? AMBIEN T ES: Revista de Geografia e Ecologia Políti ca , 1(1), pp. 14-37.
- Krizek, J. P. O., & Muller, M. V. D. V..Desafios e potencialidades no ensino de ecologia na educação básica. Revista De Ensino De Biologia Da SBEnBio, 2021
- Krenak, A. Ecologia Política. Revista Ethnoscentia, V.3, n.2 especial, 2018.
- WANDERLEY, L. J. M. Indícios de racismo ambiental na tragédia de Mariana: resultados preliminares e nota técnica. [S.l.: s.n.], 2015.
- BBC – ‘Não houve demora’, diz Leite sobre evacuações em enchentes no Rio Grande do Sul
- CNN – Saiba quem foi Chico Mendes
- Nature India- India reels under a third straight year of severe heatwaves
- Agência Brasil – Caso Samarco: e-mail revelado em Londres indica que BHP avaliou risco
- Politize! – Políticas Públicas: o que são e para que servem?
- Politize! –A história do PV: um instrumento de ecologia política
- Politize! – O que são crimes ambientais?