Este texto é um artigo de opinião que foi escrito por uma redatora voluntária do Politize!, a Isabella Rozzino.
Já faz um tempo que as instituições políticas brasileiras vêm perdendo crédito frente à população. Antes do início da Operação Lava Jato, 52% da população dizia não confiar em partidos políticos. Atualmente, já são 69% da população, segundo pesquisa do Datafolha.
Desde então, vivemos um declínio na relação de confiança entre a sociedade e os políticos, processo no qual se começa a depositar esperança em figuras que não pertençam à classe política, para justamente poder transformá-la. Além disso, quando perguntados qual é a primeira coisa que vem à mente quando se pensa em Brasil, 23% dos entrevistados pelo Datafolha responderam: Lava Jato. Nesse contexto de enorme negação da política, é preciso pensar fora da caixa sobre aspectos que influenciam essa transformação.
Desde a Constituição de 1988, municípios vêm ganhando cada vez mais autonomia. Foi quando eles receberam o status de ente federativo e adquiriram especial importância por estarem próximos da população, assumindo um papel central na formulação e execução de políticas públicas e impactando diretamente a qualidade de vida de seus munícipes. O Brasil possui 5570 municípios e 70% deles são pequenos, isto é, com até 20 mil habitantes.
Além das questões gerenciais nos municípios, é importante pensar no papel dos pequenos municípios, que têm baixa capacidade administrativa, baixa arrecadação, forte dependência de transferências estaduais e federais, mas que são a maioria no país, também para a mudança do processo político.
OS PEQUENOS MUNICÍPIOS E A POLÍTICA NACIONAL
Para uma gestão municipal eficiente, um dos obstáculos é a manutenção da chamada velha política, onde predominam práticas coronelistas e uma política personificada em figuras. Ao mesmo tempo, quem ocupa cargos na esfera federal detém poder orçamentário, o que pode influenciar diretamente as eleições municipais. Esse é um apoio que o governo precisa para se manter e governar quando acontecem as eleições parlamentares, que definem os 81 senadores e 513 deputados do Congresso Nacional.
Vale lembrar que a trajetória de grandes políticos geralmente não começa em Brasília, mas em municípios e estados, onde as primeiras alianças são estabelecidas. Quando esses mesmos políticos passam a ocupar cargos na esfera federal, continuam favorecendo seus aliados locais por medo das consequências que um rompimento com o modo vigente traria para as próximas eleições para cada partido, segundo a obra “Barões da Federação”, do cientista político Fernando Abrucio.
Para combater essa realidade pouco adianta – sem diminuir a importância desses mecanismos – criar legislações eleitorais mais rígidas ou burocracias nos processos de prestação de contas de campanhas políticas, se pequenos municípios não têm capacidade de executar ou fiscalizar esses aspectos. Dar um passo para trás e considerar a realidade local dessa parcela da população é fundamental.
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UMA CAMPANHA NO INTERIOR DE PERNAMBUCO
Com esse contexto em mente, vamos abordar a coordenação, nas últimas eleições municipais, de uma campanha para prefeito em Primavera, cidade localizada na Zona da Mata Sul de Pernambuco, com 14 mil habitantes. Foram quatro importantes aprendizados para entender a dinâmica do jogo político em pequenos municípios e a importância deles para a política nacional:
1. Coalizão partidária
O primeiro desafio ao chegar na cidade foi a formação de um grupo. Na tentativa de formar coalizões partidárias, eram oferecidos à campanha alguns acordos financeiros. A lógica de propostas como essa, se mantida ao longo do sistema político em diferentes esferas, pode comprometer o sentido e as funções da máquina pública.
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2. Compra de votos
Em aspecto curioso é a existência da “ajuda” como uma variante da compra de votos. Os moradores da cidade não entendem como compra de votos, mas a Justiça Eleitoral, sim. De 4 em 4 anos, os políticos aparecem e seu dever é ajudar a população com uma carona, um remédio, um refrigerante para a festa dos filhos ou qualquer outra coisa que possa ser revertida em pedido. Quem ajuda mais, tem uma maior credibilidade na cidade, pois cumpre melhor a sua função política. Existiam até publicações em páginas de candidatos nas redes sociais dando geladeiras a moradores. Sem ser a “ajuda”, a compra de votos acontece também no dia da eleição.
Nesse contexto de interior do país, a Prefeitura serve principalmente para empregar (ou ajudar) a população. Assim, o período eleitoral carrega uma tensão porque é a chance de manter o emprego ou garantir um no início do próximo mandato. Funciona como uma importante fonte de renda para os moradores. Em uma realidade na qual a visibilidade em carreatas ou comícios é importante, a Prefeitura tem um papel relevante nesse processo.
3. Campanha limpa
Fazer uma campanha em uma cidade do interior, obedecendo aos critérios estabelecidos pelo TSE, é uma missão difícil. Primavera não tem agência bancária, os serviços são informais e o comércio aceita principalmente dinheiro em espécie. Tendo apenas cheque (devido à greve bancária que durou praticamente a campanha inteira), fazer qualquer ação eleitoral se tornava um desafio, pois era necessário convencer as pessoas a ir para outra cidade trocar seus pagamentos. Ademais, quando contratado um serviço, raramente era de uma empresa registrada com CNPJ e pessoas físicas dificilmente tinham documentos como CPF e RG.
Esses dados são importantes na hora de prestar contas e o tempo foi gasto mais nessas demandas do que desenvolvendo ações eleitorais, aspecto que deixou a campanha para trás em relação aos outros candidatos. É por isso que mecanismos com atuação fora da lei se apresentam como uma solução mais fácil. No entanto, se não oferecem resultados positivos para o sistema eleitoral, as regras do jogo poderiam ser revistas.
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4. Juventude na política
Um aspecto interessante foi o envolvimento de grande parte da população jovem na campanha. A militância era composta por muitos jovens, que passaram a ver a política como ferramenta para ter mais oportunidades, principalmente relacionadas à educação. Para aqueles primaverenses, a mudança de perspectiva em relação à política foi algo novo, marcando o início de um processo que deve ser mantido e multiplicado para outras cidades. Com mais atenção aos pequenos municípios, a participação de jovens na política se fortalece e inicia uma mudança política na base.
Entenda o assunto: 5 vezes em que a juventude brasileira marcou a história do país.
ELEIÇÃO NO INTERIOR INFLUENCIA A POLÍTICA NACIONAL?
Mesmo com desafios, o contato que Primavera teve com uma nova política – e a forma como respondeu a ela – é o primeiro passo para uma transformação local: conhecer uma política baseada no diálogo e não na troca de favores, entendendo que a Prefeitura é fator fundamental para serviços públicos de qualidade, foi o ganho mais valioso da campanha. A velha política ainda está profunda e culturalmente enraizada a ponto de uma campanha ser considerada inovadora simplesmente por ser feita dentro da lei. A experiência representa problemas do sistema político brasileiro que acontecem também a nível nacional e pequenas transformações locais tem força para gerar impacto em escala.
Por isso, é extremamente importante superar o divórcio das instituições políticas com a sociedade, trabalhar em um processo de educação e renovação na base, onde as relações políticas começam a ser construídas, e olhar para os pequenos municípios como parte importante do processo. Existem diversas Primaveras pelo Brasil e pensar a política através dessas realidades pode ser fundamental para alcançar as mudanças que o país deseja.
Veja também: o trailer do documentário que retrata a experiência da campanha.
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Outras fontes: O que significa manter Temer; Municípios no Brasil.