Você sabe o que foi a teoria do embranquecimento no Brasil?

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O embranquecimento ou branqueamento é uma teoria que, como o próprio nome sugere, visava “branquear” a população brasileira. Esse processo embora tenha sido criado durante o Brasil Colonial repercute até hoje em nossa cultura e nesse texto pretendemos refletir o porquê.

O branqueamento no Brasil foi um projeto apresentado à comunidade mundial no primeiro Congresso Universal das Raças em 1911, em que o país foi representado por João Baptista de Lacerda e apoiado por outros cientistas e estudiosos da época.

Nesse texto, a Politize! explica como o projeto foi colocado em prática, a partir das políticas de eugenia, ou seja, “limpeza” das pessoas que não correspondessem ao padrão branco europeu, tal proposta inclusive, previa a extinção da população negra em um período de 100 anos. Veremos mais detalhamente como se deram e quais foram as principais medidas adotadas para executar o embranquecimento que Abdias do Nascimento definiu tratar-se de uma das políticas de genocídio em sua obra “Genocídio do povo negro brasileiro. Processo de um racismo mascarado (1978).”

Veja também: O que é genocídio?

Teoria do embranquecimento

A teoria do embranquecimento ou branqueamento no Brasil fez parte desse projeto criado pela elite brasileira no século XIX e meados do XX ao perceber que, devido à grande parte da população brasileira ser composta de negros e indígenas, isso enegreceria a sociedade, o que para eles seria algo tido como negativo, já que os colonizadores só consideravam “normais” somente as pessoas de origem europeia.

Nesse cenário, aconteceu o primeiro Congresso Universal das Raças em 1911 em Londres, Inglaterra. Esse evento reuniu representantes de diversos países para discutir sobre o futuro dos países recém colonizados. Entretanto, a reunião não pretendia discutir a descoberta da diversidade dos povos, mas visou debater acerca das relações dos países imperialistas com os povos originários dos países oficialmente colonizados por eles.

Veja também nosso vídeo sobre direitos étnico-raciais!

Deste modo, o médico e diretor do museu Nacional, João Baptista de Lacerda, que participou representando o Brasil, propôs a tese, Sur le métis au Brésil, a qual sugeria que, dentro do perído de três década, o Brasil seria um país totalmente branco.

A redenção de Cã, de Modesto Brocos (1852-1936), e o modelo de embranquecimento

O antropólogo João Baptista de Lacerda se baseou em estudos do chamado darwinismo racial que imaginava ser possível dividir os seres em classes superiores e inferiores. Além disso, o então diretor do museu nacional para fundamentar seu modelo de branqueamento usou a obra de arte “A redenção de Cã (1895)“, de Modesto Brocos, como representação do Brasil do futuro.

Na tela, vemos no canto esquerdo a mãe negra de pele retinta e possivelmente avó da criança representada ao centro com as mãos voltadas para cima como se agradecesse algo. Ao centro, a filha negra, porém essa já representada em tom de pele menos retinto do que a mãe, logo, branqueada. Ela estava ao lado direito de um homem branco sentado com ar de satisfação ao olhar para a criança que a mulher no meio da tela tem em seu colo.

Tal criança era um bebê branco de cabelo liso e olhos azuis que segura uma laranja em suas mãos, ou seja, ela é o fruto da miscigenação que “livraria” o Brasil de seu destino, fruto de mais de séculos de escravidão africana.

Assim, o bebê branco era o motivo do louvor da avó descalça que pisa no chão batido contrastando com o pai da criança que com sapatos pisa o chão pavimentado e dá as costas para uma casa. Desse modo, temos os polos da natureza vs a cultura da civilização e o progresso, os quais representariam o movimento de branqueamento brasileiro.

De acordo com Alessandra Devulsky, “a força coerciva dos códigos culturais e as imposições de políticas públicas de branqueamento fizeram com que o colorismo também fosse adotado dentro das comunidades negras.” (2021, p. 9) explicaria a própria avó negra exaltar o fato de seu neto ter nascido branco como presente divino.

Figura 1: A redenção de Cã, de Modesto Brocos

Imagem: Google Arts and Culture

A redenção de Cã (1895) de Modesto Brocos no ENEM 2014

A tela foi tema de uma questão do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), em 2014:

ENEM 2014: No I Congresso Mundial das Raças, ocorrido em Londres em 1911, o médico João Baptista de Lacerda ilustrou suas reflexões sobre a sociedade brasileira analisando a tela “A redenção de Cã”, que retrata três gerações de uma família.

Essa pintura foi utilizada na época para indicar a seguinte tendência demográfica no Brasil:

A. controle de natalidade

B. branqueamento da população (Resposta correta!)

C. equilíbrio entre faixas etárias

D. segregação dos grupos étnicos

E agora você já sabe porque essa era a resposta tida como correta.

Embraquecimento e colorismo são a mesma coisa?

O embranquecimento fez parte de um projeto que visava eliminar a população negra do Brasil. Para isso foram desenvolvidas noções como a antropologia criminal de Nina Rodrigues (1862-1906), esta influenciada pelas ideias do criminólogo italiano Cesare Lombroso, o qual se dedicou a traçar os perfis de criminosos a partir da cor da pele. Para o legislata, as pessoas negras possuiam uma tendência maior a cometerem crimes, não eram pessoas aptas para o trabalho intelectual, bem como não eram indivíduos tido como confiáveis.

Outros exemplos seriam a lei da vadiagem de 1941 e a lei de proibição da capoeira, expressão cultural vinda dos povos africanos. E tudo que era advindo dos povos africanos passou a ser proibido, ignorado ou criminalizado.

De modo semelhante, o colorismo é entendido como “a maneira pela qual compreendemos a condição negra, inferiorizada e subjugada ao branco; mas também tem como solução a compreensão dessa mesma condição negra, desde que liberta de sua grade racista.” (DEVULSKY, 2021, p. 12). Assim, ainda segundo ela, ”a mestiçagem, de origem violenta, fez parte de um projeto colonial que pretendia diluir a negritude até o ponto em que ela desaparecesse.” (2021, p. 9) da mesma forma como o embranquecimento previu eliminar os negros do Brasil.

O embranquecimento como política de genocídio no Brasil

O embranquecimento no Brasil, além de ter sido uma estratégia, também foi um processo político, segundo Abdias do Nascimento, “o processo de mulatização, apoiado na exploração sexual da negra, retrata um fenômeno de puro e simples genocídio. Com o crescimento da população mulata a raça negra está desaparecendo sob a coação do progressivo clareamento da população do país. (1978, p. 69).

Para Abdias do Nascimento, a “Lei de Segurança Nacional e da omissão censitária- manipulando todos esses métodos e recursos – a história não oficial do Brasil registra o longo e antigo genocídio que se vem perpetrando contra o afro-brasileiro. Monstruosa máquina ironicamente designada “democracia racial” que só concede aos negros um único “privilégio”: aquele de se tornarem brancos, por dentro e por fora.” (1978, p. 93)

Para o autor, esse processo foi visto como um “fato inquestionável que as leis de imigração nos tempos pós abolicionistas foram concebidas dentro da estratégia maior: a erradicação da “mancha negra” na população brasileira. (NASCIMENTO, 1978, p. 71). Para compreensão do tópico, observe o que dizem os dados do IBGE quanto à evolução da população brasileira em relação à cor:

A partir dos dados apresentados, é possível perceber que a política de embraquecimento no Brasil fez com o que o número de brancos aumentasse drasticamente em relação a população negra ao longo das décadas de 80 e 90. Além disso, é importante mencionar o fator da omissão censitária que também contribuiu para o projeto de embranquecimento em curso na época:

Desde 1950, o Brasil vem excluindo todas as informações sobre a origem racial dos brasileiros nos censos tanto demográficos como outros, tais como emprego, participação na indústria e agricultura, casamentos, crime, participação na renda nacional, etc. Isto impede aos negros a obtenção dos indispensáveis elementos esclarecedores da própria situação no contexto do país, o que não só impede que eles ganhem uma consciência histórica, como ainda lhes nega o instrumento estatístico indispensável aos seus esforços em melhorar suas atuais condições de vida. (NASCIMENTO, 1978, p. 154)

Como resultado, observamos no gráfico, sobretudo, na década de 80 e 90, um aumento do número de pessoas negras que passaram a se considerar pardas.

O embranquecimento foi composto pelo processo forçado de miscenagenação baseado no abuso e exploração sexual de mulheres negras e indígenas no encorajamento de casamentos interraciais, ou seja, de pessoas brancas com pretas, apesar das leis de abolição da escravatura não incluírem os negros como parte da sociedade e as leis imigratórias. As leis imigratórias forneciam benefícios como terra e auxílios financeiros aos imigrantes, porém, elas incentivavam a vinda de europeus e deixava claro em seus decretos que a entrada de imigrantes africanos era proibida.

Saiba mais: Imigração Ilegal: causas e consequências

Por fim, as políticas de embranquecimento tinham como objetivo “o desaparecimento do negro através da “salvação” do branco sangue europeu, e este alvo permaneceu como ponto central da política nacional durante o século XX. (NASCIMENTO, 1978, p. 71).

Whitewashing vs embranquecimento

Entretanto, apesar dos elementos abordados no decorrer desse texto, não se engane, o conceito de embranquecimento não quer dizer o mesmo que whitewashing. O conceito whitewashing que, embora traduzido para o português, também signifique branqueamento, esse termo é utilizado para designar mais especificamente o embranquecimento em produções culturais, por exemplo, ao trocar a representação de personagens de diferentes etnias por atores brancos em filmes e séries.

Segundo o dicionário de Cambridge, o termo é definido como “a prática de usar apenas brancos atores, modelos e performistas especialmente quando o papel do personagem não é branco”. Em suma, seja whitewashing, embranquecimento ou branqueamento, o fato é que houve e ainda lidamos com as nuances desse passado não tão distante de um processo que previa dizimar a população negra.

E para você a teoria do embranquecimento deu certo? Deixa aqui pra gente a sua opinião nos comentários!

Referências

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Conteúdo escrito por:
Graduada em Letras – Português – Inglês e suas respectivas literaturas. Mestra em Linguística. Doutoranda em Linguística. Interessa-se pelos temas violência de gênero, violência racial, feminismo negro e literatura brasileira contemporânea à luz da semiótica da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris.

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07 set. 2024

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