A vida como fenômeno possui inevitavelmente um começo. Para nós, humanos, esse período inicial é chamado de infância e, logo após, de adolescência. Dessa forma, todos os seres humanos que existem ou já existiram, obrigatoriamente foram crianças em um determinado momento.
Isso torna a fase infantil como a mais importante para o desenvolvimento humano, visto que os aspectos psicológicos, emocionais e sociais das crianças têm a capacidade de moldar a pessoa adulta que elas virão a ser. Ou seja, a forma como as crianças são tratadas e vivem possuem um efeito direto em como a sociedade se comporta e progride em seus mais diversos âmbitos.
Dessa forma, destaca-se a necessidade da proteção das crianças e dos adolescentes, para que tenham a plena capacidade de se desenvolverem individualmente e coletivamente, tendo a sua dignidade e os seus direitos humanos respeitados. Para isso, existem os direitos das crianças e dos adolescentes, e é sobre isso que vamos abordar neste texto do Equidade.
O projeto Equidade é uma parceria entre o Politize!, a Civicus e o Instituto Mattos Filho voltada a apresentar, de forma simples e didática, os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado(a) para entender quais são os direitos das crianças e dos adolescentes? Segue com a gente!
Se quiser, escute nosso podcast complementar ao assunto do texto:
O que significa ser criança e adolescente?
Antes de tratarmos sobre os direitos das crianças e dos adolescentes, é importante sabermos o que significa ser uma criança ou um adolescente, tanto em termos legislativos quanto sociológicos. De maneira direta, no âmbito jurídico e legislativo, ser criança ou adolescente está vinculado com a faixa etária do indivíduo.
Assim, em nível internacional, por meio da Convenção sobre os Direitos da Criança (1990), adotada pela Organização das Nações Unidas, ser criança é ter menos de 18 anos de idade, exceto quando a maioridade (idade determinada por lei que define quando um indivíduo é reconhecido como capaz e responsável por seus atos) é alcançada antes.
Já no Brasil, a legislação nacional considera como criança a pessoa que tem até 12 anos incompletos, sendo o adolescente aquele que tem entre 12 e 18 anos de idade, conforme o artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Contudo, esse período da vida de uma pessoa pode ser caracterizado por aspectos mais amplos do que apenas a sua idade. Se olharmos para o contexto social e psicológico, a criança e o adolescente são compreendidos a partir dos seus modos de se comportar, sentir e agir, com base na relação que possuem com os adultos à sua volta.
Sendo assim, ao levar esses pontos em consideração, é possível considerar que ser criança ou adolescente no século XXI não é necessariamente igual a ser criança ou adolescente em séculos passados. Isso porque o tratamento e as atitudes tidas pela sociedade em relação às crianças foram sofrendo variações com o passar do tempo.
Nesse sentido, pode-se dizer que não há um conceito único e fechado do ponto de vista social que consiga definir o que é ser criança. Como ressaltam os sociólogos Allison James e Alan Prout (1990), o período da infância não é um fenômeno singular e universal, pois o ser criança não pode ser completamente separado de variáveis sociais e culturais como classe, gênero e etnia.
Quer entender mais sobre Lei Henry Borel e ODS 16? Confira o conteúdo do Projeto Direito ao Desenvolvimento: Lei Henry Borel e o ODS 16: proteção de crianças e adolescentes no Brasil!
E quais são os direitos das crianças e dos adolescentes?
Agora que compreendemos um pouco melhor sobre o que é ser criança e adolescente, podemos tratar sobre os direitos que lhes são garantidos, tanto em nível internacional, quanto nacional.
De forma específica, os direitos das crianças e dos adolescentes são normas e princípios que visam garantir a proteção e as condições dignas de crescimento e formação das crianças e adolescentes.
Sendo assim, esses direitos preveem garantias fundamentais como o direito à vida, à saúde, à liberdade, à alimentação, à educação, ao lazer, à dignidade, além de proteger as crianças e adolescentes de toda forma de negligência, discriminação, exploração e violência.
Essas garantias foram conquistadas e consolidadas de modo internacional no século XX, especialmente com o estabelecimento da Doutrina da Proteção Integral, que surgiu de maneira implícita com a Declaração de Genebra dos Direitos da Criança, em 1924, e foi consagrada pela Convenção sobre os Direitos da Criança, em 1990.
A Doutrina reconhece toda criança e todo adolescente como indivíduo detentor de direitos específicos, que devem receber atenção especial de toda a sociedade, visto que correspondem a um período de intenso desenvolvimento psicológico, físico, moral e social.
Nesse sentido, os direitos das crianças e adolescentes previstos hoje mundialmente pela Convenção sobre os Direitos das Crianças, representam um grande avanço na forma como a comunidade internacional trata o tema no âmbito dos direitos humanos.
Isso porque reconhecem os direitos civis, econômicos, sociais e culturais das crianças e adolescentes, estando baseados no princípio da prioridade absoluta da criança e do seu interesse superior. Referida diretriz deve ser aplicada visando a adoção de medidas que efetivem os direitos assegurados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ou seja, contra concepções discriminatórias e intolerantes.
Isto é, o Estado, a sociedade e a família devem priorizar a sua proteção por meio de auxílios e cuidados especiais. Assim, busca-se a total proteção desses indivíduos contra abusos e agressões, como o trabalho infantil, o abuso sexual, psicológico e emocional e qualquer forma de exploração.
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Esses direitos são garantidos no Brasil?
O Brasil, além de ser signatário do principal tratado internacional dos direitos das crianças e adolescentes (a Convenção mencionada anteriormente), também possui uma legislação nacional própria sobre o tema.
A formalização desses direitos no país ocorreu especialmente no momento após a redemocratização, em que houve a promulgação da Constituição Federal de 1988. O documento destaca a necessidade de proteção desses indivíduos e introduz a Doutrina da Proteção Integral na legislação nacional, por meio do seu artigo 227, que declara:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Sendo assim, antes da Constituição Federal, os direitos das crianças e adolescentes eram regidos pelo Código de Menores, que tratava majoritariamente sobre questões de carência, abandono e repressão, não reconhecendo esses indivíduos como sujeitos portadores de direitos particulares.
Vamos falar de modo mais aprofundado sobre isso em nosso texto específico sobre os direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil. Mas por hora, ressalta-se que com essa mudança na abordagem jurídica e legislativa, surgiu a necessidade da implementação de uma lei específica que tratasse sobre as crianças e adolescentes em conformidade com a Constituição e a Convenção sobre os Direitos das Crianças.
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Assim, no ano de 1990 foi elaborado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que revogou o Código de Menores e representou um avanço na proteção desses indivíduos no país, sendo hoje a principal lei nacional sobre o tema.
Dentre os direitos previstos pelo ECA, destaca-se o seu artigo 4º, que estabelece a obrigação do poder público, da família e de toda a sociedade em garantir, com prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária para toda criança e adolescente.
A importância dos direitos das crianças e dos adolescentes
Esses direitos, além de reconhecerem que toda e qualquer criança deve ter uma vida digna, assumem a vulnerabilidade desse grupo e, com isso, a indispensabilidade da sua defesa e amparo.
Nesse sentido, a importância dos direitos das crianças e dos adolescentes está justamente na responsabilização da sociedade em resguardar esses indivíduos para que se desenvolvam de maneira plena.
Contudo, mesmo com os avanços legislativos alcançados, a realidade de milhares de crianças ao redor do mundo ainda é de abandono, exclusão e desrespeito aos seus direitos fundamentais.
Em relação à fome e à miséria, por exemplo, de acordo com o relatório A Situação Mundial da Infância 2019: Crianças, alimentação e nutrição, do UNICEF, estima-se que cerca de 250 milhões de crianças menores de 5 anos no mundo sofrem com desnutrição ou sobrepeso. Além disso, o estudo aponta que metade das crianças do planeta possuem carência de vitaminas e minerais.
Essa situação ainda foi agravada por conta da pandemia de Covid-19, visto que segundo o estudo Covid-19: Missing More Than a Classroom, da ONU, houve o corte de aproximadamente 39 bilhões de merendas escolares no mundo durante o ano de 2020.
No âmbito da educação, de acordo com o relatório Pandemic Classroom, mais de 168 milhões de crianças ficaram sem 1 dia sequer de ensino durante o período de março de 2020 a fevereiro de 2021, devido à pandemia.
Esses dados indicam que muitos dos direitos das crianças e dos adolescentes ainda são violados no mundo, dificultando a completa integração desses indivíduos na sociedade. No infográfico a seguir, é possível ter uma melhor noção sobre a real situação das crianças e dos adolescentes no mundo em relação aos seus direitos atualmente.
Conclusão
As crianças e os adolescentes precisam ter os recursos e as ferramentas necessárias para construírem ativamente suas vidas de maneira digna, participando das estruturas e dos processos sociais como cidadãos pertencentes de direitos, que influenciam o meio em que vivem.
Dessa forma, os direitos das crianças e dos adolescentes fornecem um mecanismo de proteção a esses indivíduos, que correspondem ao futuro da nossa sociedade. Isso significa que esses direitos não devem ser negligenciados.
Ao contrário, precisam ser fortalecidos e implementados para garantir a proteção das crianças e adolescentes como seres em condição particular de desenvolvimento. E isso deve ser feito com o apoio da sociedade em geral, visto que o tratamento dado a eles possui um impacto direto na prosperidade de todos.
Além do mais, esse fortalecimento se mostra importante para a consolidação de garantias que foram conquistadas apenas recentemente, marcando um longo período de desconsideração em relação aos cuidados adequados das crianças e adolescentes no mundo.
Quer entender mais sobre esse contexto histórico? Então fique ligado que no próximo texto do Equidade vamos abordar sobre como surgiram os direitos das crianças e dos adolescentes. Não deixe de conferir!
Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema “Direitos das Crianças e dos Adolescentes“, confere o vídeo abaixo!
Autores:
Anna Paula Jacob Gimenez
Bárbara Correia Florêncio Silva
Caroline Sayuri Ogata Graells
Eduardo de Rê
Giovanna de Cristofaro
Mariana Dragone Pires
Mariana Scofano Martins
Fontes:
2- ARANTES, Esther M. Direitos da Criança e do Adolescente: um debate necessário. Psic. Clin., Rio de Janeiro, vol. 24, nº 1, p. 45-56, 2012.
3- Convenção sobre os Direitos das Crianças, 1990.
4- Constituição Federal de 1988.
5- Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990.
6- FERREIRA, Ana I. Direitos das Crianças: do abstracto ao concreto. Dissertação (Mestrado em Ciências da Educação) – Universidade de Aveiro, 146 f., 2011.
7- INVERNIZZI, Antonella; WILLIAMS, Jane. The Human Rights of Children: From visions to implementation. Ashgate: Farnham, 2011.
8- JAMES, A; PROUT, A. (eds). Constructing and ReconstructingChildhood. Basingstoke: Falmer. 1990. 9- SOUZA, Jhaína et al. Ressignificando os conceitos de criança e infância. Revista Amazônica, ano 2, nº 3, p. 113-129, 2017.