Segundo o IBGE, o Brasil é habitado por 305 povos indígenas, representando quase 900 mil indígenas no território nacional. Esse número já foi muito maior, visto que principalmente entre os anos de 1500 e 1970 a população indígena brasileira decresceu de maneira acentuada.
Em grande parte isso ocorreu devido aos direitos indígenas serem ou inexistentes ou ineficazes na proteção desses povos durante esse período.
Atualmente, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os direitos indígenas são garantidos, prevendo o respeito aos povos indígenas e à sua organização social, cultural, língua, crenças e tradições.
Mas você sabe o que são os direitos indígenas no Brasil e por que são tão importantes na preservação e proteção desses povos? É sobre isso que vamos falar neste texto do Equidade.
O projeto Equidade é uma parceria entre o Politize!, o Instituto Mattos Filho e a Civicus, voltada a apresentar, de forma simples e didática, os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado (a) para entender sobre os direitos indígenas no Brasil? Segue com a gente!
Se quiser, escute nosso podcast complementar ao assunto do texto:
Breve contexto histórico
Quando falamos sobre povos indígenas, estamos falando sobre os povos nativos da nossa terra, que habitavam o território nacional antes do processo de colonização europeia iniciar.
Com a chegada dos colonizadores, no século XVI, esses povos nativos tiveram os seus recursos explorados e foram utilizados como mão de obra escrava em um processo civilizatório violento.
Os colonizadores viam os indígenas como povos primitivos e exóticos, que deveriam ser educados aos moldes da vida européia. Assim, houve uma imposição cultural e uma dominação sobre esse grupo étnico-racial, que sofreu com a escravidão e a exploração por quase todo o período colonial (1500-1822) do país.
O fim da escravidão indígena no país ocorreu com o estabelecimento do Diretório dos Índios, que entrou em vigor em 1757 (diferente dos negros, que tiveram sua libertação formal decretada apenas em 1888).
A lei determinava a liberdade dos indígenas em todo o território dominado por Portugal. Porém, continha contrapartidas, estabelecendo medidas específicas que visavam forçar a integração dos indígenas na vida da colônia, a partir do modelo de vida europeu.
Anos mais tarde, já no período imperial (1822-1889) do Brasil, foi estabelecido o Regulamento das Missões. A legislação previa ações e medidas para a fundação de aldeias indígenas e missões com o objetivo de catequizar e civilizar esses povos.
Os novos modos de lidar com os indígenas visavam, de maneira geral, forçar a sua inserção na sociedade colonial brasileira, por meio da negação de seus costumes e cultura, da ocupação das suas terras e da transformação dos seus povos em trabalhadores que pudessem servir ao Império.
Nesse sentido, os indígenas não possuíam seus direitos fundamentais reconhecidos e eram vistos como ignorantes e ingênuos pelos europeus. E, por isso, precisavam ser catequizados e educados.
Os indígenas no Brasil República
Em 1910, após a proclamação da República em 1889, foi instituído no país o Serviço de Proteção ao Índio. Tratava-se de um órgão público que marcou o início da responsabilização do Estado brasileiro com a questão indígena.
Possuía como objetivo proteger a população indígena do país, por meio de políticas que ficaram conhecidas como políticas indigenistas.
Mais tarde, com a elaboração da Constituição de 1934, novos direitos indígenas foram previstos. Foi a primeira Constituição a reconhecer aos indígenas o respeito à posse das terras permanentemente ocupadas por eles.
Assegurando que essas terras não poderiam ser alienadas, ou seja, transferidas, vendidas ou cedidas de qualquer forma.
Já durante a ditadura militar (1964-1985), novas adições aos direitos dos indígenas foram instituídas no país. A Constituição de 1967 estabeleceu que as terras ocupadas por indígenas integravam o patrimônio da União. Sendo que apenas os indígenas que ocupavam a terra poderiam fazer uso dela, seja para habitar, plantar, colher, etc.
Foi também nesse período que o Serviço de Proteção ao Índio foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em 1967. A Funai continua até hoje como o principal órgão indigenista responsável pela proteção dos povos indígenas e na promoção dos seus direitos em todo o território nacional.
Além disso, em 1973 foi elaborado e aprovado o Estatuto do Índio, representando o maior avanço nos direitos indígenas até então. O Estatuto foi a primeira lei a defender, logo em seu artigo 1º, a preservação da cultura das comunidades indígenas.
No entanto, a lei também dispõe sobre o dever do Estado de integrar os indígenas à comunhão nacional. Tal política de integração era conflitante com o total respeito às particularidades e peculiaridades inerentes a essa população.
Dessa forma, foi somente com a redemocratização do país que o respeito à autonomia dos povos indígenas foi reconhecido legalmente.
Os direitos indígenas e a Constituição Federal de 1988
Esse respeito veio com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que trouxe uma série de inovações ao tratamento da questão indígena no país.
Foi a primeira Constituição do Brasil a dedicar um capítulo específico (Capítulo VIII) à proteção dos direitos indígenas. Uma das inovações foi justamente o rompimento com a tradição secular de compreender os indígenas como uma categoria social que deveria ser incorporada à comunhão nacional.
Com isso, fica garantido aos indígenas o seu direito de manter e preservar a sua própria cultura, costumes, língua, crenças e tradições. Outra inovação jurídica possibilitada pela Constituição foi o reconhecimento dos direitos indígenas sobre as suas terras como direitos originários.
Ou seja, certifica o fato histórico de que o pertencimento das terras aos povos indígenas é anterior à criação do próprio Estado brasileiro, assumindo-os como os primeiros ocupantes do Brasil.
Além disso, a Constituição de 1988 garante aos indígenas a sua capacidade processual (capacidade de ser autor ou réu e exercer seus direitos em uma relação jurídica processual), por meio do artigo 232.
O artigo expressa que comunidades e organizações indígenas são legítimas para entrar em juízo na defesa dos seus direitos. Isso significa que os indígenas podem processar judicialmente qualquer pessoa ou ente, inclusive o próprio Estado brasileiro.
Foi o que ocorreu, por exemplo, em 2003, quando o grupo indígena Panará, no Mato Grosso, ganhou uma ação judicial contra o Estado. Este foi condenado a pagar uma indenização milionária pelos danos que causou ao forçar os Panarás a se deslocarem de suas terras para a construção da rodovia BR-163, na década de 1970.
No mais, a Constituição garante todos os direitos fundamentais aos povos indígenas, como o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à liberdade, à igualdade, aos direitos sociais, entre outros. Importante destacar que essas conquistas foram fruto da luta do Movimento Indígena do Brasil, que teve um papel fundamental na elaboração e redação do texto constituinte referente aos direitos indígenas.
O respeito aos direitos indígenas atualmente
Mesmo com todas as conquistas jurídicas e legais alcançadas, a realidade dos povos indígenas no Brasil ainda é de vulnerabilidade e desigualdade.
Em relação à violência, segundo o relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no ano de 2019 houve uma intensificação de desapropriações de terras indígenas no país. Isso se deu muito em vista de invasões, grilagem e loteamento dessas terras.
O relatório apontou um aumento de casos em quase todas as categorias de violência utilizadas na metodologia da pesquisa. Como os conflitos por terras, que de 11 casos em 2018, saltou para 35 em 2019.
Assim como as invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio, que aumentaram de 108 casos em 2018 para 256 casos em 2019. Além das ameaças de morte contra indígenas, que saltaram de 8 casos em 2018 para 33 casos em 2019, entre outras categorias.
No âmbito da saúde, a Lei Arouca (Lei nº 9.836/99) instituiu o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, que funciona como uma rede de serviços de saúde implantada nas terras indígenas para atender a população.
Com isso, alguns dados disponibilizados pelo Governo Federal são otimistas, como a diminuição de 43,6% em 2015 para 18,3% em 2017 na quantidade de grávidas com zero consultas durante a gestação.
No entanto, alguns dados são preocupantes, como o déficit de peso de crianças do povo Yanomami menores de 5 anos, que ultrapassava o índice de 50% em 2016.
A pandemia do Covid-19 também representa um grande desafio para as populações indígenas. Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, até o dia 25 de novembro de 2020, foram confirmados 40.131 casos e 881 mortes causadas pelo novo coronavírus.
Como consequência, de acordo com a FGV Social, os indígenas foram os mais afetados pelos impactos da pandemia no mercado de trabalho no país, perdendo 28,6% de sua renda.
Conclusão
As conquistas e avanços dos direitos indígenas no país ocorreram de forma gradual, em um processo histórico longo e violento. Da colonização até o reconhecimento da necessidade de proteção das identidades dos povos indígenas e das suas culturas, em 1988, um grande processo de extinção desses povos foi executado no país.
Nesse sentido, a conquista por direitos representa não só uma vitória jurídica e legal, mas uma vitória na luta pela sobrevivência desses povos. Mas apenas a existência dos direitos indígenas não é suficiente.
É preciso que medidas e ações, principalmente por meio de políticas públicas, sejam realizadas para que as suas garantias fundamentais sejam asseguradas. Nós, enquanto sociedade, devemos garantir não só a sobrevivência desse grupo étnico-racial vulnerável, mas também o respeito à sua dignidade.
Pois a situação de violação de direitos e de violência a esses povos e a outros grupos étnico-raciais é uma realidade a ser combatida. Na verdade, essa violência será o assunto do nosso próximo texto, em que vamos falar sobre a violência racial no Brasil e no mundo. Então, continue acompanhando o projeto!
Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema “Direitos Étnico-raciais“, confere o vídeo abaixo!
Autores:
Eduardo de Rê
Isabela Campos Vidigal Takahashi de Siqueira
Julia Reis Romualdo
João Pedro de Faria Valentim
Leonardo Gabriel Reyes Alves da Paes
Fontes:
2- ALMEIDA, Maria. Os índios na história do Brasil no século XIX: da invisibilidade ao protagonismo. Revista História Hoje, vol. 1, nº 2, p. 21-39, 2012.
3- ARAÚJO, Ana; LEITÃO, Sérgio. Direitos Indígenas: avanços e impasses pós-1988. Além da tutela: bases para uma nova política indigenista III, p. 23-33. Disponível em: <http://laced.etc.br/arquivos/02-Alem-da-tutela.pdf>. Acesso em: 16 de março de 2021.
4- Fundação Nacional do Índio. Serviço de Proteção aos Índios – SPI. FUNAI. Disponível em: <http://www.funai.gov.br/index.php/servico-de-protecao-aos-indios-spi>. Acesso em: 16 de março de 2021.
5- LOPES, Ana; MATTOS, Karine. O Direito fundamental dos indígenas à terra: do Brasil-Colônia ao Estado Democrático de Direito. Revista de informação legislativa, vol. 43, nº 170, p. 221-234, 2006. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/92744/Lopes%20Ana%20Maria%20e%20Mattos%20Karine.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 16 de março de 2021.
6- OLIVEIRA, Cristiane. Povos Indígenas: conheça os direitos previstos na Constituição. Agência Brasil, 2017. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2017-04/povos-indigenas-conheca-os-direitos-previstos-na-constituicao>. Acesso em: 16 de março de 2021.
7- Povos Indígenas no Brasil. Povo Panará. Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Panar%C3%A1>. Acesso em: 16 de março de 2021.
8- Povos Indígenas no Brasil. Órgão indigenista oficial. Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/pt/%C3%93rg%C3%A3o_Indigenista_Oficial>. Acesso em: 16 de março de 2021.
9- RAMOS, Alcida. Os Direitos Humanos dos Povos Indígenas no Brasil. In: MAYBURY-LEWIS, Bjorn; RANINCHESKI, Sonia. Desafios aos Direitos Humanos no Brasil Contemporâneo. Brasília: Verbena, 2011.
10- SOUZA, Manoel; BARBOSA, Erivaldo. Direitos indígenas fundamentais e a sua tutela na ordem jurídica brasileira. Âmbito Jurídico, 2011. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/direitos-indigenas-fundamentais-e-sua-tutela-na-ordem-juridica-brasileira/>. Acesso em: 16 de março de 2021.