O que é transfobia?

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O que é transfobia?
01 set 2021
01 / set / 2021

O que é transfobia?

De acordo com o relatório “Trans Murder Monitoring”, de 2019, o Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo. A pesquisa, desenvolvida pela organização Transgender Europe, busca quantificar o número de homicídios praticados contra travestis e transexuais motivados pela transfobia. Os dados apontam que entre outubro de 2018 e setembro de 2019, 130 pessoas trans foram assassinadas no país, mais que o dobro do México, segundo colocado, com 63 mortes.

Os números evidenciam que crimes e atos violentos cometidos por motivos de discriminação contra a identidade de gênero de pessoas trans no Brasil são uma realidade. Essas ações são uma manifestação da transfobia existente em nossa sociedade. Mas você sabe o que é transfobia? É isso que vamos tentar explicar neste texto do Equidade.

O projeto Equidade é uma parceria entre o Politize!, o Instituto Mattos Filho e a Civicus, voltada a apresentar, de forma simples e didática, os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado (a) para entender sobre o que é transfobia? Segue com a gente!

Se quiser, escute nosso podcast complementar ao assunto do texto:

O que “trans” quer dizer?

Antes de partirmos para a questão principal deste texto, é importante que saibamos sobre os termos que estamos tratando. Quando falamos que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais, estamos nos referindo a todas as pessoas que não se identificam com o seu sexo biológico. Essas pessoas também são conhecidas como transgênero. Parece confuso? Vamos tentar simplificar. 

No âmbito da identidade de gênero, as pessoas podem ser caracterizadas de duas maneiras. Cisgênero ou transgênero. A diferença é simples, o indivíduo cisgênero é todo aquele que se identifica com o seu próprio sexo biológico (seja masculino ou feminino). Por exemplo, uma pessoa que nasceu com genitália feminina e se identifica com o gênero feminino.

Já o transgênero é todo aquele que não se identifica com o sexo biológico que nasceu. Por exemplo, uma pessoa que nasceu com genitália feminina e se identifica com o gênero masculino. No sentido epistemológico, o prefixo trans (originário do latim) significa “além de”, “para além de” ou “do lado oposto”. Dessa forma, o termo “homem trans” ou “trans masculino” é utilizado para se referir a pessoas que foram designadas mulheres ao nascer, mas se expressam e se identificam com o gênero masculino. E o termo “mulher trans” ou “trans feminina” em casos contrários.

Além disso, a diferença entre transexual e travesti se concentra em suas identidades de gênero e maneiras de expressá-las. O termo transexual pode ser utilizado para se referir a pessoas que não se identificam com o seu sexo biológico e que podem buscar se assemelhar com o gênero no qual se identificam, por meio de tratamentos hormonais ou cirúrgicos. O termo travesti, por sua vez, se refere uma identidade brasileira relativa apenas às pessoas com o sexo biológico masculino que se identificam com o gênero feminino e não necessariamente buscam mudar as suas características originais por meio de tratamentos.

A transfobia e seus impactos

As pessoas transgênero são alvos constantes de preconceitos e discriminações em vista da forma como expressam o seu gênero e de seus comportamentos sociais. Esses preconceitos e atos discriminatórios nascem da visão ilusória de que a transexualidade não diz respeito à condição natural humana. Mas que se trata de algum tipo de doença ou transtorno mental, resultando na condenação e até mesmo na demonização dessas pessoas por conta de seus comportamentos que “fogem do padrão social”.

Imagem de uma mulher transexual representando o que é a transfobia

De acordo com a doutora em psicologia, Jaqueline Gomes:

“Crescemos sendo ensinados que “homens são assim e mulheres são assado”, porque “é da sua natureza”, e costumamos realmente observar isso na sociedade. Entretanto, o fato é que a grande diferença que percebemos entre homens e mulheres é construída socialmente, desde o nascimento, quando meninos e meninas são ensinados a agir de acordo como são identificadas, a ter um papel de gênero “adequado” (p.7).

Nesse sentido, a transfobia é qualquer ação ou comportamento que se baseia no medo, intolerância, rejeição, aversão, ódio ou discriminação às pessoas trans por conta de sua identidade de gênero. Isso significa que o comportamento transfóbico diz respeito a quaisquer agressões físicas, verbais ou psicológicas manifestadas com o intuito de coibir a expressão de gênero de transexuais e travestis.

O contexto da discriminação resulta na exclusão social das pessoas trans, que conforme coloca os psicólogos Zerbinati e Bruns, acabam impedindo-as de “ser alguém em algum lugar”, provocando o sentimento de não pertencimento à sociedade

Além disso, a transfobia também desencadeia ações como crimes de ódio. Diferente de crimes comuns ou passionais, a violência letal contra minorias sexuais e de gênero, como no caso das pessoas trans, são caracterizadas como crimes de ódio. Pois a orientação sexual e identidade de gênero do agredido são tidas como fator determinante para a maneira de agir do agressor. 

Os dados da transfobia no Brasil

Como já comentado, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Mas para além das vítimas fatais, alguns dados também mostram o quanto a transfobia impacta outros aspectos da vida. Segundo Vinícius Alexandre, coordenador do Grupo de Ação e Pesquisa em Diversidade Sexual e de Gênero da USP, estima-se que os índices de suicídio de pessoas trans sejam de 31% a 50%, apesar de não existirem dados oficiais sobre isso. Afirmando também que, dentro da comunidade LGBTQIAP+, os transgêneros apresentam os maiores índices de depressão, ansiedade e outras patologias complexas.

No âmbito econômico, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), estima-se que 90% das mulheres trans e travestis no Brasil têm a prostituição como a única fonte de renda para a sua subsistência. Em relação ao restante, apenas 4% possuem emprego formal e 6% possuem emprego informal. Os dados levantados mostram a dificuldade de inclusão dos transgêneros no mercado de trabalho, bem como a dificuldade na qualificação profissional dessas pessoas em vista da exclusão familiar e escolar. 

O mesmo estudo expressa que, em média, aos 13 anos de idade as pessoas transgênero são expulsas de casa pelos pais no Brasil. Sendo que 72% delas não possuem o ensino médio completo e apenas 0,02% estão na universidade. Além disso, segundo a pesquisa Índice de Estigma em relação às pessoas vivendo com HIV/AIDS, 90% dos transgêneros que foram entrevistados para a pesquisa já sofreram alguma forma de discriminação ou estigma. 

Dentre eles, 74,2% já sofreram assédio verbal, 69,4% foram excluídos de atividades familiares e 56,5% sofreram agressão física. Importante ressaltar que esses dados não são oficiais pela falta de inclusão dessas pessoas em levantamentos de dados por parte do governo. O IBGE, por exemplo, não possui estatísticas sobre pessoas trans em seu censo.

A discriminação e marginalização de pessoas LGBTQIA+ e transgênero criam barreiras de acesso a emprego, educação, saúde e outros serviços essenciais, levando à pobreza e exclusão social. Combater a LGBTfobia e a transfobia contribui para a redução da pobreza, uma das metas do ODS 1. Saiba mais em: Erradicação da pobreza: entenda esse desafio global

E quais são as garantias das pessoas trans no Brasil?

A Constituição Federal de 1988 não possui referência explícita à comunidade LGBTQIAP+. Porém, muitos dos seus princípios fundamentais englobam essa parcela da sociedade. Como no caso do princípio da dignidade humana (art. 1º, inciso III), da igualdade entre todos (art. 5º, caput) e do dever de punir qualquer tipo de discriminação que atente contra os direitos fundamentais de todos (art. 5, inciso XLI).

Imagem de uma transexual se maquiando em frente ao espelho representando o que é a transfobia

Dessa forma, há dispositivos legais estaduais e municipais que tratam especificamente sobre a população LGBTQIAP+ e transfobia. Um exemplo é o Decreto nº 41.798 do Estado do Rio de Janeiro, de 2009, que criou o Conselho dos Direitos da População LGBTQIAP+

O Conselho tem a finalidade e responsabilidade de estimular e propor políticas públicas de promoção da igualdade e de inserção educacional e cultural dessa população. Assim como adotar medidas legislativas que visam eliminar a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Além de receber, examinar e efetuar denúncias que envolvam atos discriminatórios contra membros da comunidade LGBTQIAP+.

Outro avanço legislativo foi a Instrução Normativa nº 1.718 da Receita Federal do Brasil, de 2017. O seu artigo 9º, inciso III, permitiu a inclusão ou exclusão de nome social da pessoa transgênero no Cadastro de Pessoa Física (CPF), em conformidade com a retificação do registro civil.

Além disso, no ano de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26 e do Mandado de Injunção nº 4733, determinou a possibilidade de atos homofóbicos e transfóbicos serem punidos como racismo, nos termos da Lei nº 7.716/1989. Nesse sentido, o ministro relator da ADO 26, Celso de Mello, estabeleceu que atos de homofobia e transfobia devem ser enquadrados na Lei do Racismo até que o Congresso Nacional edite uma lei específica sobre a matéria. Garantindo assim, aos integrantes do grupo LGBTQIAP+ o direito à plena cidadania e o respeito às suas escolhas.

Conclusão

Os direitos humanos prezam que todos, sem exceção, tenham uma vida digna garantida, com o respeito aos seus direitos fundamentais. Contudo, observa-se que apenas por não seguir certos padrões sociais, grupos como os transgêneros sofrem com a discriminação e a violência. Sendo excluídos socialmente por conta de suas orientações sexuais e identidades de gênero. A própria falta de informações e dados governamentais sobre pessoas trans revela o descaso em relação a essa parcela da sociedade

Dessa forma, o fortalecimento dos direitos LGBT+ se mostra necessário no combate à transfobia, para que toda pessoa trans possa exercer de maneira plena a sua verdadeira identidade de gênero. Assim, os princípios da igualdade e da dignidade humana que já são garantidos aos transgêneros pela Constituição de 1988, podem efetivamente ser sentidos por essa população.

Mas você sabe quais são os direitos LGBT+ que são garantidos em nosso país? Esse será o assunto do nosso próximo texto aqui no Equidade, em que vamos falar sobre os direitos LGBT+ no Brasil. Não deixe de conferir!

Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema “Direitos LGBT+“, confere o vídeo abaixo!

Autores:

Bárbara Correia Florêncio Silva
Bianca dos Santos Waks;
Caio Rigon Ortega;
Carina Janson Odfjell;
Edgard Prado Pires;
Eduardo de Rê
Francisca Guerreiro Andrade;
Lucas Henrique De Lucia Gaspar;
Yvilla Diniz Gonzalez;

Fontes:

1- Instituto Mattos Filho;

2- JESUS, Jaqueline. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. Publicação online, Brasília, 2ª edição, 2012. Disponível em: <http://www.diversidadesexual.com.br/wp-content/uploads/2013/04/G%C3%8ANERO-CONCEITOS-E-TERMOS.pdf>. Acesso em: 19 de maio de 2021.

3 – JESUS, Jaqueline. Transfobia e crimes de ódio. Assassinatos de pessoas transgênero como genocídio. Revista História Agora, 2013. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/281321251_Transfobia_e_crimes_de_odio_Assassinatos_de_pessoas_transgenero_como_genocidio> Acesso em: 20 de maio de 2021.

4- MARTINS, Geiza. Glossário de gênero: entenda o que é cis, trans, não-binário e mais. UOL, 2018. Disponível em: <https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2018/03/19/glossario-de-genero-entenda-o-que-significam-os-termos-cis-trans-binario.htm>. Acesso em: 19 de maio de 2021.

5- OLIVEIRA, João; PORTO, Tatuane. A Transfobia e a negação de direitos sociais: a luta das travestis e transexuais pelo acesso à educação. Congresso Latino-Americano de Gênero e Religião. São Leopoldo. Vol. 4, p. 322-336, 2016.

6- SIQUEIRA, Dirceu; ANDRECIOLLI, Sabrina. Transfobia e a invisibilidade das pessoas transgêneras no sistema prisional brasileiro. Rev. Direito e Paz, São Paulo, Lorena, ano XII, n. 41, p. 40-66, 2019.

7- Transcendemos. Transcendemos explica. Empresa de consultoria. Disponível em: <https://transcendemos.com.br/transcendemosexplica/trans/>. Acesso em: 19 de maio de 2021.

8- ZERBINATI, João Paulo; BRUNS, Maria Alves de Toledo. Transfobia: contextos de negatividade, violência e resistência. Revista de estudos indisciplinares em gêneros e sexualidades. Periódicus, Salvador, n. 11, v. 2, 2019

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