As mulheres e o mercado de trabalho brasileiro

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As mulheres e o mercado de trabalho brasileiro
12 maio 2021
12 / maio / 2021

As mulheres e o mercado de trabalho brasileiro

Um dos importantes fatores para se atingir o bem-estar em uma sociedade é o desenvolvimento econômico do país. E um dos principais elementos para que esse desenvolvimento aconteça é a capacidade produtiva da sociedade, que envolve, entre outras coisas, a oferta de mão de obra. Ou seja, o desenvolvimento e, consequentemente, o bem-estar, dependem de pessoas trabalhando e recebendo por isso.

Contudo, o mercado de trabalho brasileiro possui características que não contribuem de maneira ideal para que isso aconteça. Segundo o relatório Global Gender Gap Report (Relatório Global sobre a Lacuna de Gênero) (2020), do Fórum Econômico Mundial, o Brasil figura a 130º posição em relação à igualdade salarial entre homens e mulheres que exercem funções semelhantes, em um ranking com 153 países. 

Isso significa que as mulheres enfrentam um cenário de desigualdade e discriminação no mercado de trabalho do país. Mas por que isso ainda acontece no Brasil? Será que não temos leis e direitos suficientes para proteger as mulheres dessa situação? É por essas e outras questões que neste texto do projeto Equidade vamos falar sobre as mulheres e o mercado de trabalho, buscando entender as condições das mulheres no mundo do trabalho no país.

O projeto Equidade é uma parceria entre a Politize!, o Instituto Mattos Filho e a Civicus, voltada a apresentar, de forma simples e didática, os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado (a) para entender sobre as mulheres e o mercado de trabalho brasileiro? Segue com a gente!

Se quiser, escute nosso podcast complementar ao assunto do texto:

Contexto histórico: quando as mulheres entraram no mercado?

Antes de tudo, é importante termos consciência de que o cenário atual do mercado de trabalho no Brasil é uma consequência das estruturas sociais e econômicas do passado. Dessa forma, é preciso compreender como as mulheres foram inseridas historicamente ao trabalho, quais eram os seus papéis e como se deu a evolução dos direitos trabalhistas das mulheres.

Período colonial (1500-1822)

Durante o período colonial (1500-1822) as mulheres brancas foram mantidas em segundo plano tanto economicamente quanto socialmente em relação ao homem. Ao não possuir direito algum, as mulheres eram marginalizadas de toda e qualquer atividade política ou econômica, sendo culturalmente ensinadas a serem boas mães e boas esposas, pois as suas funções se concentravam nos trabalhos domésticos e nos cuidados dos filhos.

Essa visão de que as mulheres brancas deveriam apenas cuidar da casa e que assuntos considerados relevantes eram apenas para homens foi intensificada pela grande influência social e cultural que a Igreja Católica exercia na vida de todos. Conforme a historiadora Mary Del Priore, a instituição via as mulheres como indivíduos submissos que não deviam ocupar os espaços públicos, que eram destinados somente aos homens. 

Além disso, o sistema produtivo da época era marcado pela escravidão e, consequentemente, as mulheres negras realizavam funções distintas das mulheres brancas. As mulheres negras não eram entendidas como sujeitos de direito, não possuíam nenhum tipo de liberdade e trabalhavam como mucamas, exercendo serviços domésticos e acompanhando as suas senhoras, e trabalhavam nas plantações, sofrendo maus tratos e vivenciando condições totalmente adversas.

Quer entender mais sobre Lei das Eleições? Confira o conteúdo do Projeto Direito ao Desenvolvimento: Lei das Eleições: como isso contribui para o ODS 5?

Brasil República e a Constituição de 1934

Dessa forma, foi somente no Brasil República, mais especificamente após a elaboração da Constituição de 1934, que as mulheres adquiriram seus primeiros direitos trabalhistas e passaram a exercer atividades não apenas domésticas. Isso ocorreu principalmente devido ao processo de industrialização do país, em que as mulheres começaram a ser utilizadas como mão de obra nas fábricas e indústrias no país.

Imagem de uma mulher trabalhando em uma fábrica representando as mulheres e o mercado de trabalho

Os avanços da Constituição de 1934 foram a determinação da proibição da diferença salarial por motivos de sexo, a proibição de trabalho das mulheres em ambientes insalubres e a garantia de assistência médica e sanitária às gestantes, além de descanso antes e depois do parto. Entretanto, as condições de trabalho das mulheres eram precárias, suas jornadas de trabalho eram exaustivas e, na prática, suas remunerações eram inferiores às dos homens.

A Consolidação das Leis Trabalhistas e as garantias para as mulheres no Brasil

No ano de 1943, Getúlio Vargas promove a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) no Brasil, que marcou a conquista dos direitos trabalhistas essenciais no país e ainda se encontra em vigor, apesar de ter sofrido mudanças ao longo do tempo. Ela foi responsável por introduzir normas específicas de proteção do trabalho da mulher, como a sua garantia ao livre acesso ao mercado de trabalho, a sua proteção jurídica, a proibição do empregador considerar sexo, idade, cor e raça para fins de remuneração, entre outros.

As Constituições posteriores a esse momento não representaram grandes mudanças. Apenas em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, houve o estabelecimento do princípio da isonomia (todos são iguais perante a lei), em que as mulheres tiveram os seus direitos trabalhistas firmados, com a instituição da igualdade de gênero e da não-discriminação. De maneira específica, é reafirmada a proibição da diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo. Além disso, a Constituição somente admite práticas trabalhistas diferenciadas entre gêneros se seus efeitos visam a proteção ou a ampliação das mulheres no mercado de trabalho.

Outro importante ponto foi a regulamentação do trabalho doméstico no país, que até então nem era contabilizado como atividade econômica nos levantamentos censitários realizados no Brasil. Com isso, as trabalhadoras domésticas passaram a ter direito a salário mínimo, 13º salário, férias remuneradas, licença maternidade, aposentadoria, entre outros. Além disso, com a aprovação da “PEC das domésticas” em 2013, a jornada de trabalho dos trabalhadores domésticos ficou determinada em 8 horas diárias ou 44 horas semanais. No mais, é graças à CLT e a Constituição de 1988 que atualmente as mulheres possuem o direito à licença maternidade de 4 meses, extensível a 6 meses, e o repouso aos domingos garantidos.

Recentemente, no ano de 2017, o governo de Michel Temer aprovou a Reforma Trabalhista, sob a Lei nº 13.467, modificando a CLT e alterando algumas proteções em relação às mulheres no mercado de trabalho. Dentre as mudanças, destaca-se a alteração da regra direcionada às gestantes e lactantes, que passaram a ser autorizadas a trabalhar em locais insalubres considerados de grau mínimo e médio mediante apresentação de atestado médico validando as suas condições. A nova regra durou até o ano de 2019, quando o Ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou sua suspensão por meio de uma liminar (decisão judicial provisória). 

A realidade atual das mulheres no mercado de trabalho 

Agora que vimos as garantias trabalhistas das mulheres previstas na legislação nacional, podemos analisar o cenário atual do mercado de trabalho brasileiro em relação às mulheres. Primeiramente, é importante ressaltar que as conquistas e os avanços legislativos permitiram uma maior participação feminina no trabalho remunerado, assegurando a sua contribuição ativa na economia e no desenvolvimento nacional.

Imagem de mulheres em uma reunião da empresa representando as mulheres e o mercado de trabalho

Segundo o IPEA (2019), a presença feminina no mercado de trabalho brasileiro, ou seja, a quantidade de mulheres entre 17 e 70 anos empregadas no país passou de 56.1% em 1992 para 61,6% em 2015, com projeção para atingir 64,3% no ano de 2030, ou seja, 8.2 pontos percentuais acima da taxa em 1992. Enquanto isso, o mesmo estudo indica que a taxa de participação masculina no mercado de trabalho tende a cair, projetando que em 2030 ela será de 82,7%, inferior aos 89,6% observados em 1992.

Entretanto, apesar do maior número de mulheres trabalhando no país, esses mesmos dados mostram a grande disparidade existente entre a participação de homens e mulheres no mercado de trabalho. Essa diferença ocorre, entre outros fatores, pelo papel social e cultural imposto às mulheres como as principais responsáveis pelos cuidados familiares e pelos trabalhos domésticos.

Além de menor participação, retornando ao dado do Global Gender Gap Report, a diferença salarial entre gêneros ainda é significativa no Brasil, fazendo o país integrar a 130º posição em igualdade de salário. Conforme dados do IBGE (2019), atualmente uma mulher negra recebe em média cerca de 44,4% da renda média dos homens brancos, que estão no topo da escala de remuneração no Brasil.

Isso significa que a entrada das mulheres no mercado de trabalho brasileiro não foi acompanhada por uma diminuição das desigualdades profissionais entre homens e mulheres. Representando que a maior parte dos empregos formais femininos estão concentrados em setores e cargos de menor valorização e que as mulheres continuam sofrendo discriminação em relação às suas atividades profissionais.

Além disso, as mulheres continuam sofrendo abusos e assédios morais e sexuais no ambiente de trabalho. Segundo a Agência Patrícia Galvão (2020), cerca de 40% das mulheres já foram xingadas ou ouviram gritos em ambiente de trabalho, contra apenas 13% dos homens. 

Dessa forma, é preciso que a justiça seja feita e os direitos das mulheres sejam garantidos. Um exemplo aconteceu no caso de Sátila Adriely Moreira, que denunciou o seu colega de trabalho por assédio sexual, que foi considerado culpado e teve que pagar indenização à vitima, conforme o Recurso nº 0720734-81.2018.8.07.0016

Conclusão

A evolução das mulheres no mercado de trabalho brasileiro possibilitou que elas ocupem postos e lugares que por muito tempo foram tidos somente como masculinos. Os cuidados do lar e dos filhos já não são as únicas atividades que as mulheres exercem no âmbito econômico e social. Entretanto, essa herança ainda é presente na realidade de muitas brasileiras, sendo um reflexo da persistente desigualdade de gênero e da discriminação das mulheres no mercado de trabalho. 

Hoje em dia, a legislação trabalhista nacional garante direitos fundamentais à mulher em relação ao trabalho, prevendo formalmente a proteção e a promoção das mulheres na esfera profissional. Mas apenas a existência de regras não acarreta, necessariamente, em mudanças comportamentais e culturais na sociedade. A questão da igualdade salarial entre gêneros é um bom exemplo, pois, por mais que essa norma esteja vigente desde 1988, os dados apresentados ao longo do texto mostram que a remuneração das mulheres ainda é inferior se comparada à dos homens.

Dessa forma, para que a equidade seja alcançada, é necessário que haja uma conscientização popular sobre a situação das mulheres não apenas no mercado de trabalho, mas na sociedade como um todo. Essa conscientização passa pelo exercício da nossa cidadania, em que devemos exigir que os direitos que possuímos sejam implementados na prática. Na verdade, existem diversos desafios para que os direitos das mulheres sejam aplicados. Esse será o assunto do nosso próximo texto aqui no Equidade, em que falaremos sobre os desafios de implementação dos direitos das mulheres. Então, continue com a gente!

Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema “Direitos das Mulheres”, confere o vídeo abaixo!

Autores:

Ana Paula Chudzinski Tavassi
Eduardo de Rê
Mariana Contreras Barroso
Marina Dutra Marques

Fontes:

1- Instituto Mattos Filho;

2- BARBOSA, Ana. Participação Feminina no Mercado de Trabalho Brasileiro. IPEA, Mercado de Trabalho: conjuntura e análise, vol. 57, p. 31-42, 2014. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3736/1/bmt57_nt02_participa%C3%A7%C3%A3o.pdf>. Acesso em: 20 de janeiro de 2021. 

3- FOGUEL, Miguel; RUSSO, Felipe. Decomposição e projeção da taxa de participação do Brasil utilizando o modelo idade-período-coorte (1992-2030). IPEA, Mercado de Trabalho, vol. 66, p. 2-13, 2019. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/mercadodetrabalho/190515_bmt_66_NT_decomposicao_e_projecao.pdf>. Acesso em: 20 de janeiro de 2021.

4- LUZ, Alex; FUCHINA, Rosimeri. A Evolução histórica dos Direitos da Mulher sob a ótica do Direito do Trabalho. Trabalho apresentado nos anais do II Seminário de Ciência Política da UFRGS, Rio Grande do Sul, 2009. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/nucleomulher/arquivos/artigoalex.pdf>. Acesso em: 20 de janeiro de 2021.

5- MADALOZZO, Regina et al. Participação no mercado de trabalho e no trabalho doméstico: homens e mulheres têm condições iguais?. Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2), p. 547-566, 2010. 

6- PROBST, Elisiana; Ramos, Paulo. A Evolução da Mulher no Mercado de Trabalho. Revista Leonardo Pós Órgão de Divulgação Científica e Cultura do Instituto Catarinense de Pós-Graduação, vol. 1, nº 2, 2003. Disponível em: <http://www.mobilizadores.org.br/wp-content/uploads/2014/05/artigo_jan_gen_a_evolucao_da_mulher_no_mercado_de_trabalho.pdf>. Acesso em: 20 de janeiro de 2021.

7-PEREIRA, Rosangela et al. A mulher no mercado de trabalho. II Jornada Internacional de Políticas Públicas – Universidade do Maranhão, 2005. Disponível em: <http://www.joinpp2013.ufma.br/jornadas/joinppII/pagina_PGPP/programa%C3%A7%C3%A3o/321waleska_Rosangela_Danielle.pdf>. Acesso em: 21 de janeiro de 2021.

8- ROCHA, Anderson et al. Evolução dos direitos trabalhistas da mulher ao longo dos tempos. Cadernos de Graduação – Ciências Humanas e Sociais, Aracaju, vol. 1, nº 17, p. 77-84, 2013. 

9- RAMOS, Lauro; SOARES, Ana. Participação da mulher na força de trabalho e pobreza no Brasil. Revista de Economia Política, vol. 15, nº 3 (59), 1995.

10- SILVA, Kathiusy. Escravidão, Escravizadas e a Família Escrava: Mulher Negra na Formação da Família Escrava. XIV Encontro de História da Anpuh – MS, 2018. Disponível em: <http://www.encontro2018.ms.anpuh.org/resources/anais/9/1535599459_ARQUIVO_EnsaioFamiliaescrava.pdf>. Acesso em: 20 de janeiro de 2021.

11- SILVA, Fernanda. Proteção ao trabalho da mulher: direitos trabalhistas e o princípio da igualdade. Jus, 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/39711/protecao-ao-trabalho-da-mulher-direitos-trabalhistas-e-o-principio-da-igualdade>. Acesso em: 21 de janeiro de 2021.

12- SILVA, Jéssica. A proteção do trabalho da mulher e os impactos da reforma trabalhista. Âmbito Jurídico, 2019. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-do-trabalho/a-protecao-do-trabalho-da-mulher-e-os-impactos-da-reforma-trabalhista/>. Acesso em: 21 de janeiro de 2021.

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