Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 1/3 (35%) das mulheres ao redor do mundo sofrem algum tipo de violência física ou sexual durante a sua vida. O número é alarmante, não é verdade?
Isso indica que ser mulher no mundo em que vivemos não é uma tarefa fácil. Violências desse tipo podem afetar negativamente a saúde mental, física, sexual e reprodutiva de uma pessoa, aumentando de maneira significativa o risco de adquirir uma doença grave e/ou sequelas que podem impactar na sua qualidade de vida.
Isso nos mostra que ainda não agimos de maneira efetiva para lidar com as desvantagens e injustiças que as mulheres experienciam apenas por serem mulheres.
No primeiro tema do Equidade, vimos que com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, os Direitos Humanos ganham um caráter universal, devendo ser aplicados a toda e qualquer pessoa no mundo. Entretanto, dados como o citado acima indicam que estamos falhando em garantir esses direitos de modo universal.
Nesse sentido, surge a necessidade da criação e aplicação de direitos específicos para grupos mais vulneráveis e que historicamente sofrem maiores violações e discriminações.
Por isso, neste texto, vamos falar sobre os direitos das mulheres, que representam uma tentativa de compreender a subordinação histórica imposta às mulheres e encontrar meios de reparação e justiça.
O projeto Equidade é uma parceria entre a Politize!, o Instituto Mattos Filho e a Civicus, voltada a apresentar, de forma simples e didática, os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado (a) para entender sobre o que são os direitos das mulheres? Segue com a gente!
Os direitos das mulheres no mundo
A fundação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, e a emergência dos Direitos Humanos como um assunto global, realçaram a necessidade da incorporação de questões envolvendo as mulheres e os seus aspectos na agenda social internacional da ONU.
A criação de instrumentos de proteção dos Direitos Humanos após a Declaração Universal revelou um esforço de muitos países em reconhecer as mazelas sociais, econômicas e políticas no mundo, buscando dar um suporte normativo (baseado em normas) e jurídico para combatê-las.
Muito foi discutido e debatido pela comunidade internacional sobre como os Direitos Humanos poderiam servir de apoio para o desenvolvimento global. Parte desse debate contribuiu para a expansão dos direitos das mulheres no mundo.
Pois, os fundamentos básicos dos Direitos Humanos dizem respeito à proteção da dignidade humana e seu significado envolve identificar e assumir as falhas e insuficiências presentes na humanidade. Nesse sentido, o reconhecimento das mulheres como um grupo subjugado e exposto a diversas formas de abuso e violação de direitos tornou-se necessidade.
Com isso, as mulheres foram adicionadas na abordagem dos Direitos Humanos, a fim de tornar as suas experiências de vida mais visíveis, de maneira a transformar a implementação dos Direitos Humanos em uma cultura que pudesse beneficiar a vida das mulheres ao redor do mundo.
Assim, sob a tutela da ONU foi elaborada a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), no ano de 1979.
Você sabia que um dos objetivos de desenvolvimento da ONU trata da igualdade de gênero? O ODS 5 busca promover os direitos das mulheres e garantir a equidade em todas as áreas da vida. Quer entender mais sobre o tema? Confira Como o ODS 5 contribui para combater a desigualdade de gênero?
E o que é a CEDAW?
É o principal documento do direito internacional em relação aos direitos das mulheres, impondo obrigações básicas de eliminar qualquer discriminação baseada no gênero que prejudique as liberdades fundamentais das mulheres na esfera política, social, econômica e cultural.
Falamos de maneira mais aprofundada em relação a esse documento em nosso texto anterior, sobre o sistema ONU e as questões de gênero. Vale a pena conferir.
Atualmente, segundo o Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR), os direitos fundamentais das mulheres no mundo englobam o direito à vida, à saúde, à educação, à privacidade, à igualdade, à liberdade de pensamento, à participação política, o direito a não ser submetida a tortura, entre outros.
Mas afinal, quando pensamos em direitos das mulheres, quais são os elementos e fundamentos básicos que sustentam a sua existência?
Bem, estamos tratando de um grupo social que possui características próprias, uma história própria e uma participação única na construção da sociedade como conhecemos hoje. Por essa complexidade, vamos falar um pouco sobre os seus fundamentos a seguir.
Os fundamentos dos direitos das mulheres
Primeiro, é importante lembrar que os direitos das mulheres dentro da categoria Direitos Humanos representam um conjunto de direitos que são passíveis de ampliação, interpretação e reconstrução.
Isso porque a sua construção foi baseada na luta de movimentos sociais, que denunciaram as desigualdades existentes entre as experiências sociais de homens e mulheres, buscando afirmar as mulheres como um ator político, tendo o direito de ocupar o espaço público e ter participação social.
É claro que isso ocorreu por meio de um processo histórico. De maneira breve, no contexto ocidental, os direitos das mulheres passaram a integrar as discussões públicas no século XVIII, quando eclodiu a Revolução Francesa, em 1789, exigindo por liberdade, igualdade e fraternidade. A revolução impulsionou diversos questionamentos em relação aos direitos civis e políticos da humanidade.
Como consequência, em 1791 Olympe de Gouges publicou a sua obra Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã como uma resposta à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, principal documento da Revolução Francesa, que representou um avanço para os Direitos Humanos da época, mas esqueceu das mulheres em suas disposições.
Em seu documento, de Gouges denunciava a desigualdade entre homens e mulheres e criticava a condição de opressão em que as mulheres viviam. A história da luta das mulheres por direitos é certamente longa e complexa. Por isso, você pode saber mais sobre todo esse processo no nosso texto sobre a história dos direitos das mulheres.
A incorporação dos fundamentos
De maneira geral, os princípios e conceitos dos direitos das mulheres nascem da contestação da situação de dominação na qual as mulheres se encontravam.
Isto é, as leis e as estruturas sociais, econômicas e políticas até então eram feitas considerando a exclusão das mulheres no espaço público.
E isso começou a ser questionado. A ampliação gradual das reivindicações, principalmente por movimentos sociais, como os movimentos feministas, expressava uma indignação contra um processo histórico em que as mulheres tiveram sua participação ignorada.
Com isso, torna-se vital a especificação das mulheres como sujeitos de direito, isto é, alguém que possui direitos e deveres previstos em lei.
Assim como os Direitos Humanos, os direitos das mulheres se caracterizam por serem um conjunto de normas e valores, que abrangem e tentam suprir as necessidades particulares dos diversos grupos de mulheres ao redor do mundo.
Esses direitos podem ter um caráter internacional, no caso dos tratados e convenções internacionais e regionais, como a CEDAW, já citada anteriormente; e um caráter nacional, por meio da legislação interna dos países.
Aqui no Brasil, por exemplo, a Constituição Federal de 1988 prevê a igualdade entre homens e mulheres, a proibição da discriminação por sexo e a ampliação dos direitos civis, sociais e econômicos das mulheres.
Qual é a relevância desses direitos?
A elaboração de legislações de proteção aos direitos das mulheres é um reconhecimento formal da luta histórica por melhores condições de vida e representam a conquista da cidadania para as mulheres.
Direitos essenciais como o direito à vida, à igualdade, à liberdade e os direitos civis e políticos conquistados internacionalmente garantem que políticas públicas sejam desenvolvidas para tornar o espaço público mais democrático, com maior participação das mulheres na sociedade.
Em países como Portugal, a criação de uma série de regras que visavam garantir às mulheres a igualdade de oportunidades e tratamento no trabalho em relação aos homens, como a Lei nº 10/2001 que possibilitou que esforços fossem tomados para incluir as mulheres no mercado de trabalho português.
Como consequência, segundo o relatório do Instituto Nacional de Estratégia (INE) de 2019, a diferença entre o número de mulheres e homens inseridos no mercado de trabalho nunca foi tão baixo, representando uma diferença de 28,3 mil empregos no país.
Dessa forma, a importância dos direitos das mulheres consiste em servir como um mecanismo jurídico que além de proteger as mulheres de discriminação em vista de suas vulnerabilidades, permite que ações práticas nos âmbitos social, político e econômico sejam implementadas a partir de medidas governamentais.
Além disso, a igualdade de gênero contribui para o fortalecimento da democracia. Em muitas sociedades, as mulheres representam aproximadamente a metade de suas populações.
Se elas não possuírem direitos civis e políticos considerados fundamentais, certamente essas sociedades não podem ser consideradas democráticas, pois estariam excluindo grande parte da população de ter participação política, como o direito ao voto.
Desse modo, podemos considerar que os direitos das mulheres e a luta pela igualdade de gênero são importantes fatores no processo de fortalecimento das instituições democráticas de um país.
Um exemplo nesse sentido é a adoção de ações afirmativas para mulheres em eleições no Brasil. Iniciadas em 1995 por meio da Lei 9.000/95 e expandidas na Lei das Eleições, em 1997, as cotas são políticas compostas de regras eleitorais que têm como objetivo aumentar o número de mulheres candidatas e eleitas em cargos públicos na casas legislativas do país (Congresso Nacional, Assembleia Estadual e Câmara Municipal), que foram historicamente ocupadas de forma majoritária por homens.
Ademais, os direitos das mulheres visam defender as mulheres de fenômenos que ainda persistem em nossas realidades, como a violência e a discriminação.
No Brasil, conforme o Mapa da Violência de 2015, a cada dia do ano de 2014, 405 mulheres requisitaram atendimento médico em unidades de saúde por violência sofrida.
No infográfico a seguir, conseguimos ter uma noção sobre o cenário atual das mulheres no mundo e a relevância dos direitos das mulheres para a sua proteção.
Conclusão
A inclusão das mulheres na sociedade, com maior participação política e tendo um papel socioeconômico de maior relevância, foi possível graças a um conjunto de fatores, entre eles normas e valores adotados por muitos países, que passaram a incluir em suas legislações diversos direitos fundamentais até então negados às mulheres.
As reivindicações por igualdade tiveram frutos e podemos considerar que em grande parte das sociedades democráticas ocidentais, pelo menos em teoria, as mulheres contemporâneas usufruem de liberdade e autonomia.
Contudo, é preciso ressaltar que apenas a elaboração e a alteração de leis, sejam elas internacionais ou nacionais, não são capazes de transformar a realidade vivida pelas mulheres.
Os direitos adquiridos são somente um instrumento jurídico, que para terem efeitos reais precisam ser acompanhados de comportamentos e práticas sociais que favoreçam a sua aplicação.
Assim, políticas públicas que buscam estabelecer a igualdade de oportunidades e tratamento entre homens e mulheres devem ser reforçadas e exigidas.
Por fim, é necessário que tenhamos consciência de que os direitos das mulheres e a sua implementação são indispensáveis para a construção de uma sociedade mais democrática, em que as necessidades particulares das mulheres sejam reconhecidas e respeitadas.
Como no caso das condições e características do corpo das mulheres, que deram origem aos direitos sexuais e reprodutivos. Mas você sabe o que são direitos sexuais e reprodutivos? Então fique com a gente, pois esse será o assunto do nosso próximo texto, aqui no Equidade.
Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema “Direitos das Mulheres”, confere o vídeo abaixo!
Autores:
Ana Paula Chudzinski Tavassi
Eduardo de Rê
Mariana Contreras Barroso
Marina Dutra Marques
Fontes:
2- BARRETO, Gabriella P. A evolução histórica dos Direitos da Mulher. Jus Brasil. Artigo de site, 2016. Disponível em: <https://gabipbarreto.jusbrasil.com.br/artigos/395863079/a-evolucao-historica-do-direito-das-mulheres>. Acesso em: 4 de janeiro de 2021.
3- BREGA FILHO, Vladimir; ALVES, Fernando. O Direito das Mulheres: Uma Abordagem Crítica. Revista do Programa de Mestrado em Ciências Jurídicas da Fundinopi, Salvador, p. 131-142, 2008.
4- COSTA, Renata et al. Os Direitos Humanos das Mulheres: lutas e protagonismos. In: SOUSA JÚNIOR, José et al. Introdução crítica ao direito das mulheres. Brasília: CEAD, FUB, 2012, p. 231-237
5- CHARLESWORTH, Hilary. What are “Women’s International Human Rights”?. In: COOK, Rebecca J. Human Rights of Women: National and International Perspectives. Philadelphia: University of Pennsylvania Press. 1994, p. 58-85.
6- INGLEHART, Ronald et al. Gender Equality and Democracy. Comparative Sociology 1 (3-4), p. 1-33, 2002. Disponível em: <https://poseidon01.ssrn.com/delivery.php?ID=243069124094100109029086102126116007000076081034060007022067067097005107122017080119005102039099016121119029113088107070067097020045006069064005110081015081068125076040065013110095116031010121086027115126116009003077122069026069106075095002027127016085&EXT=pdf&INDEX=TRUE>. Acesso em: 4 de janeiro de 2021.
7- PIOVESAN, Flávia. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos das Mulheres. R.EMERJ, Rio de Janeiro, v. 15, nº 57 (Edição Especial), p. 70-89, 2012. Disponível em: <https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista57/revista57_70.pdf>. Acesso em: 4 de janeiro de 2021.
8- RÊGO, Maria. Políticas de igualdade de gênero na União Europeia e em Portugal: Influências e incoerências. Ex æquo, nº 25, p. 29-44, 2012.
9- STROMQUIST, Nelly. Políticas públicas de Estado e equidade de gênero: perspectivas comparativas. Revista Brasileira de Educação, nº 1, p. 27-49, 1996.