Traduzindo relatos em músicas, os Racionais MC ‘s criaram uma estética musical unida com abordagens sobre temas sociais e políticos ambientados nas periferias urbanas brasileiras. Com um discurso crítico e artístico, denunciam opressão policial, racismo, desigualdade socioeconômica, violência, condições precárias do sistema carcerário, dependência de drogas e álcool, miséria, e outros.
Vem com a Politize! conhecer mais sobre os Racionais MC ‘s, suas influências dentro da cultura musical negra e o lado político do gênero rap!
Início dos Racionais MC’s
Racionais MC’s é um grupo de rap paulistano formado pelos membros: Mano Brown (Pedro Paulo Soares Pereira), Ice Blue (Paulo Eduardo Salvador), Edi Rock (Adivaldo Pereira Alves) e KL Jay (Kléber Geraldo Lelis Simões). Sendo que os três primeiros são os rappers ou MC’s (mestres de cerimônia) e o último o DJ (disc-jóquei).
Mano Brow e Ice Blue cresceram na zona sul de São Paulo (na região do Capão Redondo) e formaram uma dupla de rap com o nome de B.B. Boys. Por outro lado, Edi Rock e KL Jay cresceram na zona norte. Os dois também chegaram a ser uma dupla, chamados de Edi Night e KL Night.
Através da vivência nos bailes blacks paulistanos da época, houve a fusão das duplas, feita sob influência do produtor musical e futuro empresário do grupo, Milton Sales. E, a partir de 1988, com a origem dos Racionais MC ‘s, o rap brasileiro entra no mapa mundial do gênero musical. Vem entender mais!
Contexto socioeconômico brasileiro
No final da década de 80, o Brasil enfrentou uma forte crise social. Marcada pelo aumento das desigualdades, do desemprego e da violência urbana. Na capital paulista, houve outra característica marcante, o crescimento de condomínios de elite configurados ao lado de grandes comunidades. Com a separação por muros e com seguranças armados, houve a intensificação da segregação espacial e de problemas socioeconômicos em grupos com baixa renda.
Os problemas de ordem social foram crescendo e a pobreza e a violência nos espaços urbanos se acentuaram. Neste cenário de grande desigualdade social, após o fim da ditadura, há o surgimento de diversos movimentos sociais em busca de direitos civis e políticos. Muitos deles, influenciados pela cultura estadunidense, se conectaram com expressões artísticas, como foi o caso do hip-hop.
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O rap é político?
O próprio movimento do hip-hop é entendido como uma forma cultural de forte viés político. Para explicar melhor, ele é dividido em quatro elementos:
- Break (dança de passos);
- Grafite (pintura em painéis feita em muros de espaços urbanos);
- DJ (quem faz as mixagens, samples, etc.);
- Rapper (quem relata/canta a história).
Destes dois últimos nasceu o rap (abreviação de ritmo e poesia, em inglês), considerado a linguagem musical do movimento. Nele é formado um fórum de debates em forma de música, com relatos e vivências, principalmente da população negra periférica. Por isso muitos afirmam existir um 5° elemento no movimento, o da consciência.
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Isso porque em todas as formas do movimento existe a valorização da ascendência étnica negra, do reconhecimento histórico da luta dessa comunidade, o combate ao racismo e às injustiças raciais e sociais.
No contexto brasileiro que nasceram os Racionais MC ‘s e outros grupos de rap, a linguagem musical veio para relatar o sentimento de indignação, revolta e resistência. Diante das violências e da precarização das condições de vida que enfrentam diariamente.
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Além de expressar críticas e demandas sobre temas sociais e raciais em versos, os Racionais MC’s criam uma poesia que afirma a autoestima e a ancestralidade dos negros e os empodera. A partir de relatos descritivos do cotidiano periférico, o sujeito conta a partir das suas próprias vivências. Ou seja, ele(a) possui legitimidade de adotar essa posição na enunciação das canções.
Com este fato, o gênero musical tornou possível de quem o cantasse, ser o porta-voz de fatos nunca antes expostos pela grande mídia. Edi Rock, citou isso em uma entrevista para o Jornal Nexo, que o grupo assumiu “essa postura de denúncia, o que foi necessário na época, pois não se falava sobre isso”.
O rap transmite conteúdos racionais e denuncia injustiças, além de engajar quem o escuta, dança e sente suas vibrações. A estética, o ritmo e a entonação da voz do rapper, o tornam diferenciado de qualquer outro meio que transmita informações sobre os mesmos temas.
Influências musicais e políticas dos Racionais MC’s
Os Racionais MC ‘s possuem uma grande sensibilidade e delicadeza nas escolhas de suas influências musicais. Diante a estética negra estadunidense e brasileira, o grupo se tornou um dos maiores nomes no cenário nacional dentro do rap.
Uma das suas maiores influências, é a do grupo de rap norte-americano Public Enemy. O grupo surgiu no início dos anos 80, engajado na luta pelos direitos dos afrodescendentes, e da mesma forma, fez seus maiores hits tocando em temas políticos e sociais.
Na música Pânico na Zona Sul dos Racionais, é usado a base instrumental da música Fight the Power do Public Enemy. Em outras músicas do grupo brasileiro também ocorre este processo, por exemplo na “Fim de Semana do Parque” foi usado um trecho de “Domingas” de Jorge Ben Jor.
Suas obras são ricas em questão da forte frequência do funk americano, do samba e da soul music americana em suas bases. O cantor Tim Maia ganhou espaço, foi referência no estilo soul brasileiro e aparece como forma de sample (colagem sonora) em músicas do grupo. Tal como em “Homem na Estrada“, foi usado a música “Ela Partiu” do astro do soul.
Não parando por aí, o grupo homenageia em suas batidas com samples de diversos nomes da música negra contemporânea. Tais como Curtis Mayfield, Cassiano, Al Green, Marvin Gaye, Isaac Hayes, The Meters, Hyldon, Michael Jackson e James Brown.
O brasileiro Jorge Ben Jor é constantemente citado com entusiasmo. O compositor e cantor participou do DVD 1000 Trutas, 1000 Tretas em 2007. Na visão política e social, existe a presença dos líderes do movimento negro nos EUA, como Martin Luther King e Malcolm X, e também ao partido Panteras Negras.
Versos dos Racionais MC’s
Em cada verso dos Racionais é possível enxergar a riqueza de ritmo em conjuntos com as fortes mensagens que são transmitidas. Eles são autores de narrativas analisadas como discursos e armas poéticas que tratam da realidade.
Os Racionais foram pioneiros em ressignificar a maneira de criticar e combater as desigualdades brasileiras com uma linguagem intensa, transformando-as em um meio de dar esperanças e reafirmar a coletividade negra dentro das periferias urbanas.
Abaixo você encontra dois trechos compostos pelo grupo, continue na leitura!
”Capítulo 4, Versículo 3”
“60% dos jovens de periferia Sem antecedentes criminais já sofreram violência policial A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros A cada quatro horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente”
(”Capítulo 4, Versículo 3”, Racionais MC’s, 1997)
”Capítulo 4, Versículo 3” (1997) do álbum Sobrevivendo no Inferno, é uma das músicas mais conhecidas do grupo. Ela inicia com a narração do trecho acima, quando os seus autores, conscientes das taxas desiguais com base na raça, trazem o desafio de sobreviver com inteligência em uma cidade que viola e segrega comunidades negras e periféricas.
Leia também: Sobrevivendo no Inferno!
Ao longo da música, é descrito o universo da violência e do crime, além da problemática e dependência de drogas. Em 1988, o grupo fez um show com a música na premiação da MTV. Foram os primeiros do mundo do rap brasileiro a fazerem um show ao vivo em rede nacional.
Devido a importância que essa música ainda detém, a escola de samba paulistana Vai-Vai, divulgou que ela servirá de inspiração para o seu samba-enredo de 2024. Com o título “Capítulo 4, Versículo 3 – Da Rua e do Povo, o Hip Hop: Um Manifesto Paulistano”.
“Diário de um detento”
“São Paulo, dia primeiro de outubro de 1992, oito horas da manhã Aqui estou, mais um dia Sob o olhar sanguinário do vigia Você não sabe como é caminhar com a cabeça na mira de uma HK Metralhadora Alemã ou de Israel Estraçalha ladrão que nem papel”
(”Diário de um detento”, Racionais MC’s, 1997)
A música “Diário de um detento” (1997), também do álbum Sobrevivendo no Inferno, traz uma narrativa em primeira pessoa pelo Mano Brown. Como é visto no trecho acima, os versos detalham progressivamente os acontecimentos antes, durante e após o Massacre na Casa de Detenção do Carandiru, na zona norte de São Paulo.
A tragédia marcou a maior chacina da história dos presídios brasileiros, foram 111 homens mortos pela polícia militar no dia 2 de outubro de 1992. Com mais de 7 minutos, a música traz o cenário de violência e as problemáticas do sistema carcerário brasileiro. Ela foi composta a partir de uma parceria do Mano Brown com o ex-detento da Casa de Detenção, Jocenir Prado.
Jocenir era conhecido por escrever poesias e letras de música no presídio. Sobreviveu ao dia do massacre e teve a oportunidade de entregar as suas anotações para o Brown. No final, deu a oportunidade ao Brown de criar uma música com conteúdo de quem viveu aquilo e de alta qualidade pela construção literária da composição.
Veja também nosso vídeo sobre direitos étnico raciais!
Legado do rap na periferia
Em entrevista ao portal Nexo, Edi Rock e Ice Blue esclarecem o poder do gênero na periferia. Segundo eles, o rap é símbolo de unidade negra que promove comunhão e respeito nas comunidades.
Ice Blue explica que: “O legado do rap foi conscientizar, trazer o valor de morar em qualquer quebrada, andar com qualquer cabelo, assumir sua cor, seu bairro. Coisas que eram vergonhosas e que se tornaram orgulho”. Edi Rock disse também que o rap tem a habilidade de criar “o orgulho de quem você é, de onde você veio”.
As músicas citadas neste texto, são apenas algumas das muitas de autoria dos Racionais MC’s. Existem páginas na internet que se dedicam a tornar público o valor linguístico de todas as letras e expressões usadas nos álbuns do grupo.
O perfil @Dicionário Capão no Instagram, homenageia, desde 2018, os Racionais MC ‘s, entrega conteúdo explicativo sobre os termos e expressões da zona do Capão Redondo. Outro perfil que aborda o assunto, na mesma rede social, é o @Lobandoleiro, que traz trechos e significados das músicas dos Racionais e de outros grupos de rap.
E aí, você já conhecia a história dos Racionais MC’s? Já sabia sobre o poder que o rap tem no espaço urbano periférico? Conta nos comentários!
Referências:
- CONTIER, Arnaldo Daraya. O rap brasileiro e os Racionais MC’s. Proceedings of the 1th Simpósio Internacional do Adolescente, 2005.
- Grecco, Anderson da Costa e Silva. Racionais MC s: música, mídia e crítica social em São Paulo. 2007. 226 f. Dissertação (Mestrado em História) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007.
- Zeni, B. (2004). O negro drama do rap: entre a lei do cão e a lei da selva . Estudos Avançados, 18(50), 225-241. Recuperado de https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9983
- Enciclopédia Itaú Cultural – Racionais MC’ s
- Mendes, G. G. (2015). O Rap contra o racismo: a poesia e a política dos Racionais Mc’s. Animus. Revista Interamericana De Comunicação Midiática, 14(27). https://doi.org/10.5902/2175497717872
- KEHL, Maria Rita. Radicais, raciais, racionais: a grande fratria do rap na periferia de São Paulo. São Paulo em perspectiva, v. 13, p. 95-106, 1999.
1 comentário em “A estética política dos Racionais MC’s”
tenho canal no YouTube MC SIGAM rap tenho 14ano