Segundo o último Relatório ‘O Estado da Insegurança Alimentar e Nutricional no Mundo’, publicado pela ONU em julho de 2021, cerca de 690 milhões de pessoas passaram fome em 2019 – o equivalente a 8,8% da população mundial.
A pandemia da COVID-19, afetou ainda mais países que já possuíam um grau de vulnerabilidade, gerando novos problemas, como instabilidades nos sistemas alimentares.
Alguns países localizados na África, América latina e Oriente Médio, que já apresentaram altos índices de fome anteriormente, intensificaram esses índices nos anos de 2020 e 2021, levando a um grau elevado de insegurança alimentar e desnutrição aguda. Além da aparição de novos países com porcentagens elevadas de fome, por conta das consequências da pandemia.
De acordo com a UNICEF, mais de 10 milhões de crianças sofrerão desnutrição aguda até o final de 2021. A situação no mundo é grave e a fome volta a ser um dos grandes problemas da sociedade mundial.
Mas o que significam esses índices?
Insegurança alimentar é quando um país ou região não possui acesso a alimentos de forma que assegure os valores nutritivos equivalentes a uma vida ativa e saudável -por mais que para vitaminas e minerais cada organismo funcione de uma forma e devem ser seguidas Diretrizes Internacional de Ingestão DIaria Recomentada (DRIs) – tabela com recomendações por sexo e idade, em relação ao valor energético total, recomenda o consumo de 50-60% de carboidratos, 15-2-% de proteinas e 25-35% de gorduras.
Já o Índice Global de Fome (IGH) , é a fome como conhecemos popularmente, é uma ferramenta de estatísticas que mede o progresso ou retrocesso de fome na luta global contra a fome como problema.
Por final, a desnutrição aguda é quando o peso do indivíduo está 30 % inferior do peso ideal, nesse caso, as funções corporais vão se alterando, podendo levar a risco de doenças e óbito.
A fome pelo mundo
Agora que você já sabe o que significa cada uma dessa classificações, vamos conhecer um pouco do cenário de quatro países que estão enfrentando gravemente esse problema.
Iêmen
O Iêmen é um país que se encontra em uma das regiões mais estratégicas do Oriente Médio, por se localizar entre os continentes africano, europeu e asiático. Além disso, ele faz parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), possuindo riquezas naturais, como petróleo, gases naturais e hidrocarbonetos. Mas, por questões políticas e históricas, não consegue avançar: seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), atualmente equivale a 0,439, equivalente à 197° posição entre 198 países.
Essas questões políticas e históricas vêm desde a colonização da região, contudo a crise se intensificou quando o país passou pela Primavera Árabe entre 2011 e 2012. Naquele momento, o governador Ali Abdullah Saleh, que ficou no poder por 33 anos, foi derrubado por movimentos sociais, o que gerou um grande vazio político no país.
Essa falta de organização política, deu espaço para uma Guerra por Procuração entre seus países vizinhos, Irã e Arábia Saudita.
Esse conflito funciona da seguinte maneira: tanto o Irã (maior representante xiita) como a Arábia Saudita (maior representante sunita) querem ser o país mais influente do oriente médio dentro do Islã. Então, se aproveitando da falta de poder do Iêmen, eles deram início a uma “guerra fria” utilizando grupos políticos do Iêmen para atacar um ao outro. Dando espaço a violência e ataques terroristas nos três países.
Devido a esse conflito, o Iêmen se tornou um país extremamente vulnerável. De acordo com a ONU , 24 milhões de pessoas precisam de ajuda e 3,6 milhões foram obrigadas a deixar suas casas.
Além da questão política, em 2020, o país teve seu sistema de saúde abalado drasticamente pela COVID-19 junto com uma epidemia de cólera vinda no mesmo período. A somatória das crises na política e no setor de saúde desencadeou problemas socioeconômicos, dando espaço a devaneios no sistema alimentar. Hoje, o país apresenta um dos maiores índices de fome e vive uma das piores crises humanitárias do século.
As estatísticas da ONU são de que 16 milhões de civis passam fome no Iêmen e as saídas são poucas, sendo que as tentativas de cessar fogo no país foram falhas e mesmo com o início da vacinação contra COVID-19 por todo o mundo, os conflitos políticos interferem nesse processo, dificultando a diminuição de infectados pela doença.
Venezuela
Nos últimos anos, o país latino-americano apresenta um dos piores quadros políticos e econômicos do continente. Para entender essa situação, devemos fazer um panorama político e econômico.
Politicamente, a Venezuela foi governada por Hugo Chávez durante 14 anos. Com sua morte, devido a um câncer, o país elegeu seu antigo vice-presidente, Nicolás Maduro. A economia é baseada na exportação de petróleo, e com o lucro dessa exportação, são importados de outros países grande parte de seus produtos.
Durante o governo de Maduro, o preço do petróleo teve uma queda mundial no mercado, o que impactou diretamente a Venezuela, quebrando a economia do país. Em termos econômicos, segundo o jornal O Globo, houve uma inflação de mais de 254%, e uma escassez de 80% de recursos como luz, alimentação e até mesmo itens de higiene. Isso gerou uma grande oposição, resultando em protestos e manifestações contra o poder que foi repreendida com violência pelo presidente.
Esse quadro econômico desastroso do país foi amplamente agravado pela pandemia. As medidas de isolamento levaram ao fechamento de comércios, serviços bares e restaurantes, levando a perda do emprego de grande parte da população. Sem renda, a saída que muitos venezuelanos encontravam nos anos anteriores era de imigração e refúgio, mas com o fechamento das fronteiras, não se tornou mais possível evacuar do país.
Dessa forma, sem renda e sem poder sair do país, mais pessoas começaram a aparecer sem acesso à moradia, saúde e alimento. Nesse ano de 2021, a ONU estima que cerca de 9,3 milhões de pessoas, um terço da população venezuelana, não têm acesso a alimentação.
República Democrática do Congo
O segundo maior país do continente Africano é muito rico em recursos minerais. Entretanto, segundo o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), 31 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza. Vale ressaltar que os problemas que o país enfrenta não são de hoje. Há mais de 20 anos ocorrem conflitos entre os grupos hutus e tutsis por questões étnicas e disputa por recursos naturais nesse território.
A Republica Democrática do Congo já passou por episódios de genocídio em 1994, onde de 800 mil tutsis e hutus morreram e mais de 1 milhão de casos de deslocamento tanto interno como externo no ano de 2016.
Essa falta de estrutura no país causada por esse problemas políticos afetam outras áreas, como a da saúde. No ano de 2018, a OMS declarou como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional um surto de Ebola no país. Segundo a PEBMED, a epidemia durou de 1º de agosto de 2018 a 25 de junho de 2020, com 2.277 óbitos.
Em meio a esse cenário começou uma pandemia mundial do coronavírus, com o início reconhecido pela OMS em 11 de março de 2020, piorando um quadro que antes já era preocupante.
E foi o que realmente aconteceu. Nos anos de 2020 e 2021, a situação se tornou insustentável. Dados da Organização para Alimentação e Agricultura (FAO) e o Programa Mundial de Alimentos (PMA) informam que cerca de 27,3 milhões, uma em cada três pessoas, sofrem de insegurança alimentar aguda elevada. Desse total, quase 7 milhões estão em um nível de emergência de fome aguda.
Brasil
Um país que tinha deixado o mapa da fome no ano de 2014, voltou a ter índices de insegurança alimentar nas áreas mais pobres de sua nação. Dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), revelam que cerca de 17,7 milhões de pessoas voltaram à linha da pobreza, durante o período de pandemia, subindo o número total para 27,2 milhões.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) os alimentos tiveram uma inflação de 15% no ano de 2020. Isso ocorreu por conta de uma quebra na economia do país em decorrência do fechamentos dos comércios por todo o país.
Além disso, segundo dados do 1o trimestre de 2021, também revelados pelo IBGE, cerca de 14,8 milhões de brasileiros procuram por emprego. O número de desempregados cresce alarmantemente, visto que a crise econômica resultou em diminuição de salários e demissões.
Houve uma tentativa por parte do governo de tentar amenizar a situação, por meio do “Auxílio Emergencial”, mas infelizmente, além de ser um valor que não condiz com as necessidades, apresenta falhas na hora de chegar a todos que precisam.
O Inquérito Nacional sobre a Insegurança Alimentar da Pandemia da COVID-19, feito pela Agência Brasil, mostra que o país apresenta mais de 19 milhões de pessoas com fome nos anos de 2020 e 2021.
É possível acabar com a fome até 2030?
Considerando o cenário atual, há muito a ser feito. A missão das Agências da ONU de acabar com a fome até 2030, ainda enfrenta barreiras importantes. A questão merece atenção e esforço internacional, mas o prazo de 2030 para o fim do problema parece difícil de alcançar.
Referências
UNICEF – Relatório da ONU aponta ano marcado por aumento da fome
FGV – Pandemia acentua pobreza e é tema de debate
Agência Brasil – Pesquisa revela que 19 milhões passaram fome no Brasil no final de 2020
ACNUR – Falta de recursos agrava crise humanitária no Iemen