As frentes parlamentares ocupam um papel cada vez mais relevante no Brasil. Quem nunca ouviu falar na bancada da bala ou na bancada evangélica? Formados por políticos de diferentes partidos, esses grupos se unem por algum interesse específico. Mas, afinal, quais seriam as suas principais características? O que se sabe sobre o fenômeno?
Em primeiro lugar, é importante saber que frentes parlamentares só existem porque há partidos políticos. Parece óbvio, mas não podemos ignorar esse fato. Os partidos são as organizações mais tradicionais da política; sem eles, as democracias desmoronam. Mas se são tão importantes, por que há a necessidade de frentes parlamentares? Como é a convivência de partidos e frentes? Ficou interessado? Então continue conosco para saber mais!
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Frentes parlamentares pioneiras no Brasil
A primeira frente parlamentar brasileira surgiu em 1956. Pode parecer estranho, já que em nossos livros didáticos só ouvimos falar em partidos políticos, principalmente o PTB, o PSD e a UDN. Também pudera: o país nunca havia tido legendas nacionais – na Primeira República, as organizações eram regionais – e isso ajuda a explicar o foco dos estudos nos partidos, que, de fato, foram muito importantes.
Mesmo assim, logo no início do governo Juscelino Kubitscheck (1956-1961), foi criada a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN). Mas o que ela exatamente defendia? Como diz o seu primeiro manifesto, que pode ser encontrado nos Diários da Câmara no dia 7 de junho de 1956, página 4140, uma de suas principais bandeiras era a da “defesa do patrimônio e da soberania nacionais”, o que, como vocês leitores devem perceber, era muito abrangente.
A historiadora e cientista política Lucília Delgado ajuda um pouco mais na compreensão dessas pautas quando afirma que a luta da FPN era pela defesa do monopólio estatal do petróleo e da energia elétrica, além do controle sobre as remessas de lucros do país. Nos anos 1960, o grupo também passou a ser um ferrenho defensor das reformas de base.
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O grupo era informal, o que significa dizer que não sabemos ao certo quantos deputados dele faziam parte. Em um estudo recente sobre a trajetória da Frente Parlamentar Nacionalista, foram encontrados cerca de 120 nomes, o que era bastante gente. E o que é mais interessante: políticos de vários partidos, inclusive da UDN, legenda que defendia várias pautas diferentes da FPN.
A organização foi crescendo cada vez mais, articulando-se no Congresso, organizando comícios, entre outras ações. Isso fez com que em 1961, ou seja, 5 anos depois do aparecimento da FPN, surgisse seu principal adversário: a Ação Democrática Parlamentar (ADP), que foi, portanto, a segunda frente parlamentar da nossa história.
O lema escolhido pelo grupo, “Anticomunistas sempre; reacionários, nunca”, ilustra qual seria a principal preocupação daqueles deputados: derrotar o comunismo que, na visão deles, estaria se infiltrando nas instituições. Para a ADP, a FPN seria mais uma iniciativa comunista.
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A ADP rapidamente mostrou a que veio. Segundo Thiago Nogueira de Souza, mais de 150 deputados fizeram parte do grupo, também oriundos de várias legendas, inclusive do PTB. Rapidamente, tanto a FPN como a ADP acirraram a já estrondosa polarização no Brasil, confrontando-se em projetos muito antagônicos.
De acordo com o relato de um deputado na época, Abelardo Jurema, “quase que os partidos desapareceram”, tamanha a força das frentes parlamentares. A luta delas também acontecia via imprensa, que na época era o principal meio de comunicação, pois enquanto a FPN era muito apoiada por um jornal, O Semanário, a ADP tinha grande divulgação por meio da revista Ação Democrática. Abaixo, reproduzimos duas fac-símile desses órgãos da imprensa.
A presença da FPN e da ADP na política foi interrompida com o golpe de 1964, que, a propósito, foi apoiado pela Ação Democrática Parlamentar. Logo no primeiro Ato Institucional, vários membros da Frente Parlamentar Nacionalista entraram na lista de cassações do regime e foram perseguidos pela ditadura, ao passo que outros se tornaram nomes importantes durante os 21 anos de exceção, como foi o caso de José Sarney, deputado ativo na FPN e que virou presidente da Arena, partido de sustentação dos militares. Mas isso já é outra história…
Frentes parlamentares pelo mundo
As frentes parlamentares não são um fenômeno exclusivamente brasileiro. A literatura política indica que esse tipo de agrupamento está espalhado em outras regiões do mundo. De acordo com as informações encontradas no livro Bridging the information Gap (2013), em pelo menos 45 países há o registro de uma frente parlamentar, embora com funcionamentos distintos.
Para citar alguns exemplos, na Inglaterra os grupos são chamados de All-Party Parliamentary Groups, e na França são conhecidos como Groupes d’études. Democracias que, embora tenham sistemas de governo e regras eleitorais diferentes, abarcam o fenômeno suprapartidário. Mas é nos Estados Unidos que as frentes parlamentares são mais famosas: por lá são chamadas de caucuses , muito presentes na política e estudadas há décadas nos meios universitários.
A primeira caucus norte-americana foi fundada em 1959: tratava-se do Democratic Study Group (1959). Como você, leitor, deve ter percebido, o nome se relaciona diretamente a um dos partidos políticos mais tradicionais dos Estados Unidos, o Democrata. Vamos lembrar que, naquele país, apesar de existirem outras organizações, são os Democratas e os Republicanos que monopolizam as cadeiras do legislativo. Logo, é muito comum que lá existam frentes parlamentares que reúnam políticos de apenas um dos partidos, o que seria inviável no Brasil.
De acordo com Nils Ringe, Jennifer Nicole Victor e Cristopher J. Carman, essas frentes parlamentares ao redor do mundo permitem aos políticos o networking, ou seja, terem contato com parlamentares que não sejam do seu partido, o que provavelmente não aconteceria sem o elo possibilitado pelas frentes parlamentares. Mas será que essa seria a única função de uma frente parlamentar? É disso que iremos tratar a seguir.
Quais as características principais das frentes parlamentares?
O que caracteriza uma frente parlamentar é a especificidade do tema que abraça. Em outras palavras: os políticos se reúnem nesses grupos a partir de interesses em comum sobre um determinado objeto. Então, se existem deputados e senadores que compartilham a defesa de uma agenda de proteção ao meio ambiente, por exemplo, eles podem se encontrar em uma frente parlamentar ambientalista; se os que os une é o pertencimento à uma religião, podem militar em uma frente parlamentar confessional, e assim por diante.
A especificidade que essas organizações possibilitam é muito diferente da generalidade dos partidos políticos. Para conquistarem o poder, eles precisam abarcar diferentes temas, atingindo públicos variados em prol da busca por votos. As frentes parlamentares permitem, então, um espaço alternativo de militância e, por isso mesmo, como lembra Laura Frade em sua dissertação de mestrado (1996), não estão em oposição às legendas tradicionais, mas as complementam.
Os autores que estudaram as caucuses dos Estados Unidos também chamaram atenção para outra característica: a geração de informação. Como assim? Percebam que estamos insistindo na ideia de que as frentes parlamentares lidam com temas muito específicos. Se os deputados e senadores se reúnem nesses agrupamentos é porque têm algum interesse especial pelos assuntos abarcados pelas frentes parlamentares. Isso faz com que eles procurem cada vez mais se informar sobre aquilo, gerando também informação para seus companheiros de partido e eventualmente para outros colegas do Legislativo, que veem neles figuras de autoridade naquele campo.
Além da especificidade e da geração de informações, que são características comuns às frentes parlamentares espalhadas pelo mundo, há uma singularidade no caso brasileiro: por aqui, elas são suprapartidárias, ou seja, formadas por políticos de várias legendas. Como já falado, nos Estados Unidos é comum que o Partido Republicano e o Democrata, que são gigantes, possuam, em suas próprias fileiras, várias frentes parlamentares. Porém, no Brasil, por causa do pluripartidarismo, seria impensável que uma frente parlamentar reunisse militantes de apenas um partido, por maior que este fosse.
Portanto, o que se vê no dia a dia são grupos geralmente formados por deputados e senadores oriundos de diversos partidos, muitas vezes de colorações ideológicas variadas, embora unidas naquele tema de interesse da frente parlamentar.
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Frentes parlamentares no Brasil de hoje
A partir de 2005, as frentes parlamentares passaram a ter registro oficial, conforme Ato da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. Desde então, tornou-se obrigatório para serem formalizados que tenham pelo menos 1/3 das assinaturas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados + Senado). Isso significa que pelo menos 198 políticos devem apoiar a sua criação. Além disso, a frente parlamentar precisa ter uma ata de fundação e um coordenador responsável, podendo também ocupar os espaços físicos das casas legislativas.
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O número do blocos suprapartidários só vem crescendo. Hoje, há mais de 400 frentes parlamentares, o que pode causar espanto. Mas é preciso ter cautela: poucas são as realmente efetivas, ou como os especialistas gostam de dizer, “institucionalizadas”. O que isso significa? Grupos que existem de verdade, longevos, atuantes e com reuniões periódicas.
É por isso que quando a imprensa fala em frentes parlamentares, ela, na verdade, está se referindo a bancadas temáticas. Parece complicado, mas nós explicamos a diferença. Como as frentes parlamentares precisam de muita gente no Congresso apoiando sua criação, não é raro que um deputado ou senador só assine a lista para que quando chegue a sua vez de criar a sua própria frente parlamentar, ele ou ela receba o mesmo apoio. Em bom português, seria a velha “camaradagem”.
No caso das bancadas, essa história é um pouco diferente. Elas reúnem aqueles políticos que realmente se interessam pelo tema em questão, uma espécie de “núcleo duro” das frentes parlamentares. Infelizmente, como são informais, fica mais difícil sabermos quem de fato faz parte das bancadas.
Bancada BBB
Provavelmente você já ouviu falar na “bancada BBB”. Refere-se às iniciais de “boi”, “bala” e “bíblia”, ou seja, grupos que se unem para defender temas da agropecuária, da segurança pública e das igrejas evangélicas, respectivamente. Cada um desses grupos faz parte de uma frente parlamentar, mas são os membros dessas bancadas quem atua para valer dentro delas.
Nos últimos anos, temos vários exemplos da efetividade desses grupos na política: a luta pelo novo Código Florestal, em 2012, por parte da bancada do “boi”; a pressão no Congresso por leis que facilitem o acesso a armas de fogo, no caso da bancada da “bala”; e a derrubada da cartilha anti-homofobia pelos integrantes da bancada da “bíblia”, em 2011.
Com a força crescente da “bancada BBB”, parece que os partidos perderam força. No início de seu mandato, o próprio Jair Bolsonaro tentou governar com as frentes parlamentares. Vale lembrar que o presidente escolheu a líder da bancada do “boi” para ser sua ministra da Agricultura (Tereza Cristina), além de ter escolhido um indicado pela bancada da “bíblia” para ser um de seus ministros da educação (Milton Ribeiro).
No entanto, o propósito não deu certo, já que as frentes parlamentares representaram um ponto frágil de apoio, o que já era esperado, pois lembramos que elas existem para lutar por temas muito específicos. Por isso que os partidos políticos, muito mais abrangentes, continuarão sendo um dos sustentáculos mais importantes da democracia.
E aí, você conseguiu compreender o que são frentes parlamentares? Deixe suas dúvidas nos comentários!
Referências:
- ARAÚJO, S.; SILVA, R. Frentes e bancadas parlamentares: uma proposta teórico-metodológica e de agenda de pesquisa. In: 10º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política. Belo Horizonte, 2016.
- Congresso Nacional – Ato da Mesa Diretora no 69
- Congresso Nacional – Relação de frentes parlamentares
- DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Nacionalismo como projeto de nação: A Frente Parlamentar Nacionalista. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. (Orgs.). As Esquerdas no Brasil. Nacionalismo e Reformismo Radical (1945-1964). Vol. 2. 1ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2007.
- Diários do Congresso Nacional. Brasília, 1955-1964.
- FRADE, Laura. Bancadas Suprapartidárias no Congresso Nacional Brasileiro (1995-1996). Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Universidade de Brasília, 1996.
- JUREMA, Abelardo. Sexta-feira 13. Os últimos dias do Governo Goulart. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1964.
- Politize – República Velha
- RIBEIRO, Guilherme L. Frente Parlamentar Nacionalista: trajetória e ação política (1956-1964). Tese de Doutorado em História Social. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2021.
- RINGE, N.; VICTOR, J.; CARMAN, C. Bridging the information gap: legislative member organizations as social networks in the United States and the European Union. Ann Arbor: University of Michigan, 2013.
- SOUZA, Thiago Nogueira. Ação Democrática Parlamentar: anticomunismo, democracia e radicalização política no Congresso Nacional. Dissertação de mestrado em História. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2015.