Os municípios compõem a federação brasileira, junto com os estados e a União. Possuem autonomia garantida pela Constituição Federal e são os principais responsáveis pelos assuntos de interesse local. Na organização da administração pública municipal, ainda há problemas e desafios a serem superados, sejam eles políticos, administrativos ou financeiros. Vamos observar a evolução do papel dos municípios no país e os principais problemas que eles enfrentam hoje em termos de gestão.
A EVOLUÇÃO DOS MUNICÍPIOS NO BRASIL
Historicamente, o município sempre teve papel importante na participação do sistema governamental brasileiro, com sua autonomia sendo ampliada ou reduzida a depender do momento histórico vivido pelo país e do disposto em cada Constituição Federal. No período colonial, a administração acontecia por meio das câmaras e dos procuradores, almotacés e juízes ordinários.
No período do Império, a Constituição de 1824 estabeleceu a estrutura de funcionamento do governo municipal, cujas funções visavam realizar os interesses do governo central. Após a Proclamação da República, a Constituição de 1891 introduziu o federalismo no Brasil e assegurou a autonomia municipal, não obstante a concepção vigente que ainda considerava os estados federados responsáveis pela questão municipal.
Já a Constituição de 1934 definiu pela primeira vez os tributos municipais, fortalecendo os municípios, em contraposição à Constituição de 1937 (ditadura Vargas) que retirou a autonomia municipal. Em seguida, A Constituição de 1946 voltou a fortalecer o federalismo e os municípios, ampliando, inclusive, os tributos de competência municipal.
Durante a segunda metade do século XX, os municípios vivenciaram uma grande instabilidade em termos de autonomia e competências, pois ficaram à mercê das oscilações governamentais vivenciadas pelo governo central. A Constituição de 1967, por sua vez, reduziu em alguns aspectos a autonomia dos municípios, e também criou o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) – importante fonte de receita para a administração municipal.
Com a Constituição de 1988, grandes mudanças ocorreram. Diante dos ideais de cidadania e participação social que efervesciam na época, a “Constituição Cidadã” promoveu diversas mudanças no federalismo fiscal brasileiro, com incentivo à descentralização do poder para o nível local. Os municípios não só foram mais uma vez fortalecidos, mas também colocados em relevância como membro da federação, como unidade subnacional – anteriormente o pacto federativo reconhecia apenas a união e os estados, e apenas a eles eram conferidas competências e autonomia. Ou seja, a partir de 1988 os municípios assumem um papel de protagonismo diante da ação governamental e da execução de políticas públicas, sobretudo pela aproximação com a sociedade para o exercício da cidadania e a garantia dos direitos do cidadão.
Os municípios brasileiros assumiram uma posição de destaque no cenário político do país, e vêm se tornando um tema central na formulação e na execução das políticas públicas brasileiras. Tornaram-se autônomos, assumindo em alguns casos o protagonismo na vida pública, o que lhes dá importante papel na provisão de bens e serviços públicos, ora com a devida compensação financeira pelos níveis superiores de governo ou, então, simplesmente, assumindo o papel que legalmente deveria ser assumido pelos governos estaduais e federal.
Torna-se necessário, nesse contexto, discutir importantes temas relacionados às questões municipais como o poder local, os modelos de gestão, a implementação de políticas públicas, a dependência crônica das transferências intergovernamentais, a qualidade na administração, o planejamento, entre outros.
PROBLEMAS DE GESTÃO MUNICIPAL
Os municípios enfrentam alguns desafios que retardam o processo de modernização da administração local. ainda persistem modelos de administração marcados pelo patrimonialismo e pela burocracia.
1) Autonomia limitada
Na prática, a autonomia dos municípios enfrenta algumas limitações, principalmente financeiras e constitucionais. A autonomia municipal está atrelada à execução das ações – principalmente das políticas públicas, porém, muitas dessas políticas são adesões a programas federais, em que há repasse de verbas que dependem do cumprimento de vários critérios para que esse repasse seja realizado – restringindo assim a autonomia dos municípios.
2) Ineficiência na prestação de serviços públicos
Segundo a Constituição, os municípios devem organizar e prestar, direta ou indiretamente, os serviços públicos de interesse local. O problema é que a definição de “serviços públicos de interesse local” é muito vaga. Por isso, muitas vezes municípios, estados e governo federal oferecem serviços concorrentemente, gerando ineficiência na prestação dos serviços públicos. Em muitos lugares é grande a oferta de serviços para determinadas áreas, enquanto outros serviços não são bem executados, pois nenhum dos entes se responsabiliza diretamente por nenhum deles
3) Baixo capital humano
Outro problema da gestão municipal é o corpo técnico de funcionários. Muitas vezes apresentam qualificação baixa: a grande maioria dos servidores públicos municipais não possui ensino superior. A gestão pública municipal requer o desenvolvimento de competências básicas para o gestor, que deem conta da complexidade da administração do município, assegurando a qualidade dos serviços prestados à população.
Para desenvolver essa qualidade, é preciso investir na capacitação e no aperfeiçoamento de profissionais na função de verdadeiros gerentes da cidade. O gestor deve desenvolver especialidades para gerir os recursos públicos de forma eficiente, investindo no planejamento das ações, desenvolvendo parcerias, estimulando a criação de consórcios entre municípios para otimizar recursos e ampliar resultados.
4) Municípios de pequeno porte: dependência financeira
Dos mais de 5.500 municípios brasileiros, a grande maioria deles é de pequeno porte – ou seja, possui menos de 20 mil habitantes.
Além disso, municípios de pequeno porte reproduzem, ainda na atualidade – e apesar das reformas administrativas que têm ocorrido no Brasil desde 1988 – as características da gestão patrimonialista, sendo comuns práticas personalistas, clientelistas e a troca de favores, como forma de permanecer no poder e garantir privilégios.
Dentre essas características peculiares e desafiadoras estão:
Receita: os municípios de pequeno porte possuem baixa capacidade de arrecadação própria, gerando grande dependência das transferências intergovernamentais vindas do Governos Federal e Estadual – principalmente do Fundo de Participação dos Municípios e dos repasses do ICMS. Isso os torna financeiramente dependentes do estado e da União, restringindo assim a autonomia que lhe é conferida. A arrecadação por impostos próprios muitas vezes é pequena. Uma das principais causas é política: as prefeituras não querem cobrar impostos diretamente à população, nem ser diretamente cobrados pela população sobre o retorno dessa verba à sociedade. Isso indica que, tributariamente, ainda há grande centralização no Brasil – principalmente pelo governo federal.
Economia: a base econômica é predominantemente agropecuária, com baixo valor agregado e prevalência da agricultura familiar. A economia local é considerada uma ‘economia sem produção’, já que a produção nesses municípios não chegam a gerar renda considerável para movimentação da economia por si só, dependendo das ações do governo para movimentação da economia.
Renda: a maior parte da renda dos municípios de pequeno porte vem de benefícios da previdência (aposentadorias, pensões e outros benefícios), tornando-os conhecidos como municípios previdenciários. Os benefícios pagos pela Previdência Social são o principal motor da economia de 70% das cidades brasileiras. Nelas, os benefícios previdenciários superam o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) como a maior fonte pública de renda.