Com o surgimento da consciência ecológica no mundo contemporâneo, muitas empresas passaram a se vender como “empresas verdes”. Porém, a sustentabilidade alegada por elas, muitas vezes, restringe-se a seu marketing. Essa prática ficou conhecida como greenwashing.
Esse fenômeno acabou por provocar o aparecimento de outro, o greenhushing. Este pode até parecer menos preocupante, mas não é. Quer conhecer um pouco mais os dois conceitos e entender como eles estão relacionados? Este texto vai te explicar.
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Greenwashing: as aparências enganam
De acordo com Cunha, Barbosa e Toschi (2019), o primeiro trabalho científico que emprega o termo greenwashing é de 1993. Porém, ele só se disseminou em 2008, com a publicação do livro Greenpeace book of greenwash. Pode ser traduzido como “lavagem verde” e designa o ato de uma empresa iludir o consumidor quanto ao seu compromisso ambiental.
Nessa prática, a empresa faz algumas ações consideradas sustentáveis ou “verdes” e usa isso em seu marketing. Com isso, ela se vende como uma organização com responsabilidade ambiental. No entanto, a maior parte de seus processos de produção e de distribuição envolve práticas não sustentáveis. Tem cara de empresa verde, mas não é.
Para que uma empresa seja considerada ambientalmente responsável, é preciso que todos os seus processos envolvam práticas sustentáveis. Elas devem colaborar não só para a preservação, mas também para a restauração do meio ambiente. Porém, como tudo isso é caro, grande parte delas opta por apenas criar essa imagem de responsabilidade ambiental. Isso é greenwashing.
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A atividade não passou despercebida por ativistas ambientais, que denunciaram (e continuam denunciando) as empresas. A discrepância entre discurso e prática também chamou a atenção de instituições em diferentes partes do mundo. O resultado é a mobilização cada vez maior de processos regulatórios para coibir o greenwashing.
“Tolerância zero para greenwashing”
Essa foi a fala do secretário-geral da ONU, António Guterres, na COP27, ocorrida em novembro de 2022 no Egito. Na ocasião, foi lançado o primeiro relatório sobre a emissão de gases de efeito estufa, produzido pelo Grupo de Especialistas de Alto Nível.
O relatório constata a proliferação de compromissos climáticos por parte de governos, bancos e grandes empresas. Porém, essas organizações não propuseram nada além do que já fazem para atingir a meta de net zero (redução das emissões de gases a zero). Além disso, investem pouco para viabilizá-la ou para especificar marcos de progresso.
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A fundação Changing Markets publicou um estudo em 2022 que mostra o tamanho do problema. Foi constatado que quase 60% das alegações em prol do meio ambiente feitas por 12 grandes marcas do Reino Unido e da Europa eram infundadas ou enganosas.
Diante desse cenário, estão sendo discutidas novas ações para combater a prática de greenwashing. A Autoridade de Regulação Financeira (ARF) do Reino Unido, por exemplo, propôs o uso de um “rótulo de sustentabilidade”, com maior detalhamento, para os produtos negociados por fundos de investimento, além de restrições ao uso de termos como ESG, verde e sustentável.
Com receio de serem processadas judicialmente e sofrerem sanções, as organizações passaram a adotar uma atitude oposta, o greenhushing. Em vez de anunciarem suas supostas práticas sustentáveis, elas preferem agora escondê-las. Esse fenômeno chama-se greenhushing e consiste em uma reação ao fechamento do cerco em torno do greenwashing.
Greenhushing: o silêncio como resposta
Uma pesquisa realizada com 1.200 grandes empresas em 12 países pela South Pole em 2022 obteve um resultado preocupante. Cerca de 67% das empresas afirmaram ter definido metas net-zero e com base em evidências científicas. No entanto, 23% delas não pretendem divulgá-las. Esse silêncio sobre as práticas sustentáveis é o que se tem chamado de greenhushing.
A expressão hush something up, do inglês, é usada para designar o ato de “impedir que as pessoas descubram fatos específicos”. Ou seja, a ação deliberada de silenciar sobre algo que se deseja esconder. Assim, greenhushing (“silêncio verde”) se refere à prática das empresas de não divulgarem suas metas e ações para a preservação do meio ambiente.
O termo foi usado pela primeira vez em 2008 pelo site Treehugger, um dos blogs mais importantes sobre sustentabilidade. A postagem abordava o fenômeno das empresas que não divulgavam suas iniciativas ambientais. O receio das organizações era que, com a divulgação dessas iniciativas, as pessoas passassem a cobrá-las cada vez mais.
Em 2022, o termo ganhou relevância com a publicação do relatório da South Pole e a condenação explícita ao greenwashing feita pela ONU na COP27. Isso porque alguns especialistas acreditam que a repressão ao greenwashing aumentará a prática de greenhushing, inaugurando uma nova era marcada por essa prática.
Greenhushing: uma vitória da extrema direita
A repressão ao greenwashing não é a única explicação para a ascensão da prática de greenhushing e talvez não seja também a mais importante. É fato que, com a popularização do acesso à informação, as organizações ficam mais expostas ao escrutínio da sociedade. Qualquer passo em falso pode se tornar conhecido por milhões de pessoas em poucos minutos.
Por isso, as empresas têm optado pela estratégia de greenhushing. Ao ficarem em silêncio sobre suas metas e ações para atingi-las, evitam críticas e “exposeds” de ativistas ambientais. Afinal, essa empresa pode perder não só os consumidores que conquistou por suas supostas ações ambientais, mas também outros, por causa de sua desonestidade.
O enfrentamento do Greenpeace contra as empresas de petróleo e gás da Europa é um exemplo do que o “silêncio verde” busca evitar. Em março de 2023, as maiores empresas do ramo se reuniram com governantes em Viena para a Conferência Europeia do Gás. Em protesto contra a tentativa de “lavagem verde” do gás natural, a ONG pendurou uma faixa de 8 metros no local com o texto “Fim dos crimes fósseis”.
Segundo um relatório da organização, em 2022 apenas 0,3% da produção combinada de energia de seis grandes empresas mundiais de combustíveis fósseis e de seis empresas europeias de petróleo e gás veio de energia renovável. Além disso, apenas 7,3% (6,57 milhões de euros) de seus investimentos em 2022 foram destinados à energia verde.
Ou seja, ações como essa do Greenpeace evidenciam a prática de greenwashing. Mostram a minúscula participação da produção sustentável na empresa e prejudicam a sua imagem. Isso pode inclusive prejudicar possíveis acordos comerciais ou com governos. Daí o uso do silêncio como estratégia.
Embora os ativistas ambientais sejam “uma pedra no sapato” de grandes corporações e governos, são um ator já conhecido no jogo político. A novidade está ligada à ascensão da extrema direita em todo o mundo. Os conservadores, que não acreditam nas mudanças climáticas, são o mais novo player desse jogo. Esse grupo prejudica o debate ao polemizar questões consensuais, impedindo assim o avanço de práticas sustentáveis.
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Nos Estados Unidos vêm ocorrendo diferentes mobilizações para coibir não o greenwashing, mas as práticas sustentáveis em si. Trata-se de um movimento contrário às políticas ESG em geral. O Texas, por exemplo, proibiu entidades locais de negociarem com empresas financeiras que têm alguma responsabilidade ambiental.
Já o Partido Republicano, no Comitê de Serviços Financeiros da Câmara, produziu um relatório em junho de 2023 criticando os três maiores gestores de ativos do país. São eles BlackRock, Vanguard e State Street. Os fundos são criticados por usarem sua influência “para promover objetivos sociais liberais como ESG e DEI (diversidade, equidade e inclusão)”.
Depois disso, Vanguard e BlackRock removeram, de suas páginas, as menções a iniciativas de sustentabilidade. Esta retirou também a declaração sobre net-zero e a menção à sua adesão à Climate Action 100+. A empresa continua participando da ação da Climate Action 100+, mas não a divulga mais em seu site. Trata-se de um claro exemplo de greenhushing.
Ou seja, pode-se observar que o greenhushing resulta da pressão de grupos com interesses opostos. Por um lado, ativistas e instituições agem para endurecer as regras, cobrando mais ações verdes reais. Por outro, usando estratégias semelhantes às dos ativistas, estão os conservadores, que agem para acabar não com o greenwashing, mas com o green em si, ou seja, com as medidas em prol do meio ambiente.
A essa pressão vinda de duas forças políticas opostas, acrescenta-se ainda outro ingrediente. Para Jason Jay, diretor da Iniciativa de Sustentabilidade do MIT Sloan, atingir metas sustentáveis já não é um ativo tão importante para o marketing. Isso porque a adequação do processo produtivo às evidências científicas já é algo esperado. Assim, realizar uma ação sustentável pode não ser mais uma novidade digna de ser contada.
Por que o “silêncio verde” preocupa?
Você pode estar pensando que talvez a prática de greenhushing talvez não seja tão prejudicial assim, como a de greenwashing. Afinal, as empresas continuariam realizando suas ações sustentáveis, só não as usariam como marketing. Parece até mais honesto, certo?
No mundo ideal, certamente. Porém, segundo especialistas, o silêncio verde pode nos fazer andar para trás no progresso que já tivemos. A falta de transparência sobre o que as empresas se propõem a fazer para reduzir seus impactos ambientais impede que os reguladores sociais fiscalizem suas ações. Não será mais possível saber se uma empresa está fazendo greenwashing, por exemplo.
Além disso, acredita-se que esse silêncio possa desestimular a proposição de metas ambiciosas. Isso porque anunciar essas metas chama atenção da mídia para a empresa, o que lhe rende benefícios. Mas, se divulgar essas metas pode trazer mais prejuízo do que benefício, por que divulgá-las? E se elas não forem divulgadas, por que então serão feitas?
Greenwashing e greenhushing são artifícios encontrados pelas empresas para fazerem o mínimo requerido e se manterem no jogo. Ambas práticas refletem a dificuldade das organizações de estabelecerem um compromisso com uma mudança real de rumo. Cabe à sociedade civil e às instituições políticas se manterem vigilantes para que nenhum passo atrás seja dado. Para que possamos construir um mundo sustentável. Um futuro.
E aí, ficou mais claro para você o que significa greenwashing e greenhushing e como eles se relacionam? Como nós, enquanto sociedade civil, podemos nos posicionar diante dessa questão? Deixe suas dúvidas e opiniões nos comentários!
Referências:
- Cambridge dictionary – Hushing
- Greenpeace – BREAKING: Greenpeace climbers hang 8-metre ‘End Fossil Crimes’ banner on European Gas Conference venue to protest industry plans to greenwash fossil gas
- ONU News – “Tolerância zero para greenwashing”, diz Guterres sobre metas climáticas
- Público – Reino Unido quer evitar que os consumidores sejam enganados por greenwashing
- Revista Brasileira de Educação Ambiental (Unifesp) – Greewashing: dos conceitos à literatura científica
- South Pole’s 2022 net zero report: Net Zero and Beyond
- Vogue – O greenhushing é o novo greenwashing?
- The Economist – The UN takes on corporate greenwashing
- The Guardian – Companies ‘greenhushing’ to avoid scrutiny of climate goals, Asic says
- The Washington Post – ‘Greenhushing’: Why some companies quietly hide their climate pledges
- World Economic Forum – What is ‘greenhushing’ and is it really a cause for concern?
2 comentários em “Greenwashing vs. greenhushing: duas faces da mesma moeda”
Ótimo texto!
Ficou bem claro sobre os dois conceitos e como eles estão relacionados!
Parabéns!!!
Olá amigos!
Essa moça, Danuza Lopes Bertagnoli, é uma mulher corajosa, inteligente e talentosa! Seus textos, de uma extrema relevância e atualidade, mostram um grande respeito pelo nosso idioma. Sim! Porque mesmo no meio jornalístico muitos erros gramaticais estão sendo aceitos, ficando assim instituidos e divulgados. Espero que a sua mente fértil continue a nos presentear com esses textos gratificantes e instrutivos! Tenho a convicção de que um dia nosso planeta será governado pelas mulheres. Então teremos um mundo perfeito! Um grande abraço para Danuza! E muito obrigado!