Nos últimos anos, a relação econômica entre Estados Unidos e China ganhou as manchetes dos principais jornais mundo afora. Estremecido desde 2018, o comércio entre as potências vive capítulos tensos, característicos de uma de guerra comercial.
Mas você sabia que essa não é a primeira vez que um cenário de guerra comercial afeta o comércio internacional? Embora seja o caso mais atual, conflitos econômicos são historicamente comuns, e já envolveram diversos países.
Neste texto, a Politize! vai te explicar o que é uma guerra comercial, e como ela afeta a economia mundial. Quer saber mais? Então vem com a gente!
O que é uma guerra comercial e quais suas motivações?
Uma das primeiras perguntas que surgem ao encontrar notícias sobre o embate atual entre Estados Unidos e China é: mas, afinal de contas, o que é uma guerra comercial?
Uma guerra comercial é um embate econômicos entre dois (ou mais) países. Esta disputa é caracterizada pela aplicação de tarifas alfandegárias e cotas comerciais. Além disso, tem como objetivo gerar vantagens comerciais a um dos lados ou prejudicar economicamente o outro.

Geralmente, uma guerra comercial se inicia por meio de políticas protecionistas de uma das partes. Estas políticas são combatidas por protecionismo da outra parte, e o ciclo se repete.
O protecionismo, por sua vez, é um conjunto de ações que visam proteger a economia de uma região. Esta proteção, contudo, é feita às custas das relações comerciais externas. Ações típicas de políticas protecionistas incluem a oferta de subsídios à indústria local, o aumento de tarifas de importação e a criação de barreiras alfandegárias.
Saiba mais: Protecionismo: o que é e como é aplicado?
O objetivo destas medidas consiste em fortalecer a economia interna de um país e proporcionar uma balança comercial favorável. Contudo, as políticas acima partem do pressuposto de que relações comerciais são um jogo de soma zero. Isto significa que, para que um dos lados do comércio ganhe, o outro necessariamente tem que perder.
Como o protecionismo pressupõe uma relação comercial de soma zero e a consequência mais comum de políticas protecionistas é a retaliação no mesmo tom por parte do país afetado, o cenário para uma guerra comercial então surge.
Toda disputa comercial é uma guerra comercial?
Um questionamento que surge ao se informar sobre guerras comerciais é se toda disputa econômica configura uma guerra comercial. Para esta dúvida, a resposta é: não!
É comum que conflitos econômicos surjam entre países por diferentes razões. Desde motivações geopolíticas a questões de políticas internas. Para sanar estes desencontros de maneira imparcial, foi fundada, em 1995, a Organização Mundial do Comércio (OMC).
A OMC tem como um de seus objetivos o incentivo ao livre comércio entre países. Por isso, é através dela que muitos conflitos econômicos são resolvidos. Como órgão internacional reconhecido pela maioria dos países, a OMC arbitra grande parte das disputas comerciais.
Um dos exemplos mais conhecidos de atuação da OMC em relação ao Brasil foi a disputa comercial envolvendo os Estados Unidos e a exportação brasileira de suco de laranja.
Os norte-americanos estabeleceram uma taxa de importação de até 60% no suco de laranja. Esta política afetou principalmente o Brasil, maior exportador do produto no mundo. Recorrendo à OMC em 2009, os brasileiros obtiveram sucesso em sua queixa. Em 2012, as tarifas foram retiradas pelos Estados Unidos.
Leia também: EUA e China: entenda a guerra comercial!
Desta forma, a disputa comercial foi resolvida sem que medidas extremas fossem tomadas por nenhuma das partes. Assim, evitou-se o ciclo de retaliações econômicas que qualifica uma guerra comercial.

Guerra comercial na história
Embora a OMC seja uma instituição relativamente recente, guerras comerciais são antigas. Antes da OMC, contudo, não havia uma organização mediadora para disputas econômicas.
Em um recorte recente da história econômica global, algumas das guerras comerciais mais conhecidas foram as seguintes:
Guerras do Ópio
Talvez o exemplo mais conhecido de uma guerra comercial que se transformou em guerra armada, as Guerras do Ópio ocorreram no século XIX. Este conflito foi travado entre a Inglaterra e a China, e girou em torno da comercialização do ópio.
As motivações para o conflito, contudo, tinham raízes anteriores ao comércio de ópio. Na época, a Inglaterra ocupava o território que hoje inclui, dentre outros países, a Índia. A partir desta região, por meio da Companhia Britânica das Índias Orientais, visava estabelecer comércio com outra nações.
Obteve sucesso nesse objetivo ao estabelecer negociações com a China. No entanto, o comércio era praticamente de via única: a Inglaterra importava produtos chineses, como o chá, mas não possuía abertura para vender seus bens.
A balança comercial negativa com a China não era bem vista pelos ingleses. Encontraram no ópio, assim, uma maneira de reverter esta tendência, ainda que por meios ilegais, já que o consumo da droga era proibida na China.
Com as barreiras constantes aplicadas pelos governantes chineses, incluindo o confisco e destruição de carregamentos ingleses de ópio, o confronto, inicialmente comercial, culminou num conflito armado. A Inglaterra saiu vitoriosa em ambas as ocasiões.
A lei tarifária Smoot-Hawley
Esta lei foi aplicada pelos Estados Unidos contra diversos parceiros comerciais na década de 1930. Tinha base protecionista, visando auxiliar produtores internos do país em um contexto de grave crise econômica.
À época, os norte americanos lidavam com as consequências da Grande Depressão de 1929. No entanto, a lei tarifária serviu apenas para aprofundar ainda mais a situação já delicada do país.
Algumas categorias enfrentaram taxas superiores a 50%, e não demorou até que os países parceiros retaliassem. Nações como o Canadá e a França aplicaram tarifas contra produtores da já fragilizada economia norte-americana.
A proposta, que visava fortalecer a economia interna em um momento de crise, saiu pela culatra. O desemprego nos Estados Unidos saltou de 8% para 25% em 3 anos, e as exportações diminuíram 66%.
O conflito teve fim apenas em 1934, com a revogação das tarifas e o estabelecimento de acordos bilaterais com os países afetados.
Guerra comercial China x Estados Unidos
A mais recente guerra comercial, ainda vigente, é o embate entre as duas maiores potências econômicas da década. Desde 2018, com a chegada de Donald Trump à presidência americana, as relações entre os dois países se deterioraram.
Uma das primeiras ações do novo governo americano foi a saída da Parceria Transpacífico (TPP). O acordo, que visava estabelecer condições de livre comércio entre os países banhados pelo oceano Pacífico, foi de encontro às políticas de governos anteriores, que tinham como foco a expansão da influência comercial norte-americana nos países asiáticos.
Além disso, a aplicação de tarifas unilaterais a produtos chineses e a movimentação política interna em terras americanas foram responsáveis por estremecer as relações China-Estados Unidos ao longo dos anos seguintes.
Adepto das políticas protecionistas, o presidente americano retomou, em 2025, o discurso e as ações iniciadas em seu primeiro mandato. Principalmente no que diz respeito à utilização de tarifas unilaterais para pautar os debates econômicos.
Em 2025, as tarifas e barreiras alfandegárias americanas se expandiram também para países parceiros, como Canadá, México e a União Europeia.
A origem do conflito, contudo, se iniciou por um descontentamento do então governo americano com a balança comercial negativa. Isso significava que os Estados Unidos importavam mais da China do que exportavam produtos para o país asiático.
Utilizando um discurso nacionalista de defesa da indústria local e fortalecimento da economia interna, o governo americano aplicou diversas tarifas sobre produtos chineses. A retaliação não demorou a vir, e o ciclo de aumentos sucessivos ao longo dos últimos anos estabeleceu a mais recente guerra comercial.

Consequências da guerra comercial para a economia global
No contexto atual de globalização, as economias de diferentes países estão cada vez mais interligadas. Uma guerra comercial, portanto, tende a afetar mais do que apenas as nações envolvidas no conflito.
Os efeitos de uma guerra comercial em um mundo globalizado são visíveis no embate entre China e Estados Unidos. Além dos possíveis impactos a nível nacional em ambos os países, como aumento da inflação e diminuição do PIB, existem consequências a nível global.
A adoção de medidas protecionistas tende a provocar retração no comércio global e, com isso, redução no crescimento econômico. O aumento da inflação e do desemprego a nível global já são estimadas em análises econômicas. Da mesma forma, as projeções do PIB global também diminuíram, consequência do esfriamento do comércio internacional.
Um fato novo sobre as guerras comerciais diz respeito também à OMC. Recentemente, por exemplo, os EUA cessaram contribuições financeiras à organização, e em 2019 o país americano também bloqueou a nomeação de novos juízes para a instituição.
Ambas as ações são movimentos que impactam diretamente a capacidade de resolução de conflitos da entidade. Sem fundos e sem a quantidade mínima de juizes para arbitrar as, a organização se encontrou incapacitada de exercer suas principais funções.
Isto ocorre em um contexto em que os EUA passou a optar por ações unilaterais para resolução de conflitos comerciais, impulsionados principalmente pelas políticas de governo que embasaram o primeiro mandato Trump.
Impactos de uma guerra comercial para o Brasil
Ainda que as consequências de uma guerra comercial sejam, em geral, negativas, alguns países podem se beneficiar pontualmente. Foi o caso do Brasil no primeiro período do conflito entre China e Estados Unidos.
Veja também: Comércio Brasil-China: neocolonialismo chinês ou relações de mercado?
Em 2018, quando o constante fluxo de tarifas entre os dois países começou, o Brasil absorveu parte significativa da demanda de produtos impactados. Foi o caso, por exemplo, da soja brasileira, que ocupou o espaço deixado pela oferta americana neste mercado.
O posicionamento do Brasil não se resumiu apenas ao mercado de soja, contudo. No mesmo contexto, as exportações de algodão e carne também foram beneficiadas.
Ainda que os impactos iniciais tenham sido positivos ao país, o segundo governo Trump promete novos desafios. O próprio governante americano anunciou, em seu início de mandato, que o Brasil deve ser alvo de nova leva de tarifas, na esteira do conflito comercial com os chineses.
A guerra comercial entre China e Estados Unidos ganha novos capítulos com o segundo mandato de Trump. As repercussões a nível local e global já são sentidas.
Com a retomada (e escalada) das táticas comerciais agressivas, efeitos já percebidos ao fim da última década, como a redução do PIB dos países envolvidos, a diminuição das importações e exportações em determinados setores das economias locais, além do impacto global nas cadeias globais de valor voltam a ser esperadas.
O que você achou do contexto histórico e dos exemplos sobre guerra comercial? Deu pra entender esse conceito? Conta pra gente aqui nos comentários!
Referências
- Carta Capital – As guerras do ópio
- CNN – Fitch corta projeção para alta do PIB global em 2025 com guerra comercial
- CNN – Guerra comercial com China ajuda Brasil, avaliam produtores de soja dos EUA
- CNN – Guerra comercial de Trump ameaça uma das principais exportações dos EUA
- CNN – Guerra comercial de 2018: EUA reconhecem que Brasil foi o maior vencedor
- CNN – Em meio a guerra comercial, EUA suspendem contribuições à OMC, dizem fontes
- Estadão – Brasil e Estados Unidos põem fim à guerra do suco de laranja
- Forbes – Do Ópio a Trump: Relembre as Maiores Guerras Comerciais do Mundo
- Forbes – Guerra Comercial entre EUA e China Reacende o Risco de Estagflação Global
- G1 – Trump volta a citar o Brasil como exemplo de país a ser taxado; veja como estão as tarifas comerciais com os EUA
- Infomoney – Guerra comercial pode reduzir PIB global em 2,1 pontos e subir inflação, diz Bradesco
- International Relations Edu – As 5 principais guerras comerciais ao longo da história
- ITAKURA, K. Evaluating the impact of the US–China trade war. Asian economic policy review, v. 15, n. 1, p. 77–93, 2020.
- Mais Retorno – Jogo de soma zero
- PAUTASSO, D. et al. As três dimensões da guerra comercial entre China e EUA. Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 16, n. 2, e1122, 2021
- Peterson Institute for Internacional Economics – Trump’s trade war timeline 2.0: An up-to-date guide
- Politize! – Protecionismo: o que é e como é aplicado?
- PONTES, R. M. Barack Obama e Donald Trump: a China na grande estratégia dos Estados Unidos (2009-2020). Estudos Internacionais. Belo Horizonte, ISSN 2317-773X, v. 9, n. 4, (dez. 2021), p. 131-149
- Suno – Que efeitos uma guerra comercial entre países pode causar na economia?
- Wikipedia – Companhia Britânica das Índias Orientais
- World Trade Organization – The WTO
- World Trade Organization – Members and Observers
- VoaNews – As guerras comerciais dos EUA: Passado e presente