O voto é uma ferramenta da democracia na qual o cidadão pode manifestar sua opinião política e demonstrar quem ele acredita ser o candidato mais preparado e com melhores propostas para administrar o país pelo período de quatro anos — ou por oito anos no caso de senadores.
Entretanto, não é sempre que o eleitor se sente representado pelos candidatos e suas propostas em uma eleição. Nesses casos, quais são as opções deste eleitor?
Os votos brancos e nulos são recursos utilizados por eleitores que não possuem preferência por algum candidato ou que desejam anular sua opção de voto, esses são os casos conhecidos como “abstenção de voto”. Seria essa uma manifestação da descrença da população com a política tradicional?
Neste texto, o propósito é analisar os dados das eleições brasileiras com um pouco mais de atenção e profundidade, numa perspectiva mais longa, para tentar desvendar se a desilusão com a política de fato se faz presente nos resultados eleitorais brasileiros.
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Votos brancos e votos nulos não são a mesma coisa
Embora votar em branco ou votar nulo signifique a opção do eleitor de não escolher um candidato, as duas formas de votação não geram os mesmos resultados. Mas nem sempre foi assim. No passado, o voto branco era considerado um voto válido, então era contabilizado e direcionado ao candidato vencedor, por isso era entendido como voto de conformismo. Já o voto nulo sempre foi considerado inválido, este era interpretado como um voto de protesto.
De acordo com o Glossário Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quando o eleitor decide votar em branco, significa que não há preferência por nenhum dos candidatos e, para isso, basta pressionar a tecla “branco” da urna e confirmar a escolha. O termo surgiu antes mesmo do surgimento das urnas eletrônicas, já que para fazer esta escolha, bastava deixar a cédula de votação em branco.
Já os votos nulos representam o desejo do eleitor de anular seu voto e, para isso, basta digitar o número de um candidato inexistente, geralmente “00” e confirmar a escolha.
Atualmente, como prevê a Constituição Federal de 1998 e a Lei das Eleições, somente os votos válidos são contabilizados, ou seja, votos nominais e os votos de legenda. Votos brancos e nulos são desconsiderados nos cálculos eleitorais.
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Como votos brancos e nulos apareceram nas eleições
Analisar o exercício do direito ao voto pela população é uma tarefa bastante complexa. Inúmeras variáveis afetam as duas principais decisões envolvidas nesse processo. A primeira delas é: comparecer ao local de votação ou simplesmente faltar? Se o eleitor decide se fazer presente, ele vota em um candidato específico, vota apenas na legenda, anula o voto ou vota em branco?
Os cientistas políticos associam o comportamento eleitoral sob diversos prismas, alguns socioeconômicos (renda, nível educacional, distribuição etária da população, migrações, etc.) e outros político-institucionais (transparência das eleições, forma de disputa, sistema eleitoral, número de eleições concomitantes, fragmentação de partidos, voto compulsório ou facultativo, burocracia eleitoral, etc.). Interesse político e consciência cívica são dois fatores adicionais que vêm ganhando bastante atenção dos especialistas ao redor do mundo.
Veja também nosso vídeo sobre votos brancos e nulos!
Neste texto, em que analisamos se a indignação coletiva contra a política se manifestou expressivamente nas últimas eleições, vamos deslocar o foco da polêmica envolvendo os índices de abstenção para os votos brancos e nulos.
Diferentemente da questão do não comparecimento às urnas, a lógica relacionada aos votos brancos e nulos é outra. Aqui não estamos falando de problemas com a base de dados do TSE ou ausências por doenças, viagens ou devido à crise econômica.
Com relação aos votos brancos e nulos, estamos tratando apenas de quem efetivamente compareceu às urnas e invalidou o seu voto. Ou seja, as pessoas que tiveram o trabalho de se dirigir à seção eleitoral, enfrentaram fila e, ainda assim, votaram em branco ou anularam seu voto.
Para dar uma dimensão mais exata desse fenômeno, calculamos as taxas de votos em branco e nulos sobre o total dos eleitores que compareceram à votação (e não sobre o total do eleitorado, como normalmente se faz) nas eleições brasileiras entre 2002 e 2016.
Você pode conferir nos gráficos abaixo, de dados gerados pelo TSE, que há uma nítida tendência de crescimento dos índices de votos brancos e nulos a cada eleição no Brasil, atingindo todos os cargos em disputa.
Os percentuais são mais baixos para o cargo de Presidente da República – a disputa com maior repercussão na mídia e que polariza nosso posicionamento político –, mas já atingem níveis preocupantes nos outros cargos, como nas eleições para Senador, em que quase um quarto de todos os que foram às urnas votaram em branco ou anularam o voto em 2014.
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Brancos e nulos: erro ou protesto?
Na era da urna eletrônica, há quem diga que o voto em branco seja o verdadeiro voto de protesto – pois apertando um simples botão, o eleitor expressa seu descontentamento com os candidatos e partidos disponíveis ou com a “farsa das eleições”.
Esse também pode ser o efeito do voto nulo, em que o eleitor digita um número que não foi atribuído a nenhum candidato ou partido e depois tecla “confirma” – em Belo Horizonte, nas eleições de 2016, houve muita gente que votou na Izidora 99, um voto de protesto que fazia referência a uma ocupação urbana que estava sendo ameaçada de desapropriação na capital mineira.
Mas há suspeitas de que tanto o voto em branco, quanto o voto nulo estejam associados não ao protesto, mas a um erro do eleitor. Isso pode acontecer tanto com o cidadão que teve “um branco” e esqueceu o número do candidato, quanto com aquele que se enrolou todo com a urna e apertou qualquer coisa para se livrar logo daquela obrigação.
Isso é mais comum do que se imagina no Brasil, dado o grande contingente da população com baixa escolaridade ou com pouca habilidade em lidar com sistemas eletrônicos. É importante lembrar que esses erros na votação, que podem resultar na invalidação dos votos, são potencializados pela realização de várias eleições simultâneas no Brasil.
Para você ter uma ideia, em anos de eleições gerais, cada eleitor vota seis vezes de uma só vez: presidente, governador, dois senadores, deputado federal e deputado estadual/distrital. Nessas condições, não é impossível alguém se perder em meio a tantos nomes e números e acabar teclando “branco” ou confirmando um número errado.
Para tentar elucidar se os votos brancos e nulos estão mais relacionados com erros do eleitor no momento da votação do que com algum tipo de protesto contra a política brasileira, partimos da hipótese de que nos locais em que há mais pessoas com baixa escolaridade, o número de votos inválidos seria maior. Ou seja, pessoas com pouca instrução teriam mais problemas com a urna, o que levaria a mais votos nulos e em branco.
Para isso, foram coletados os dados das votações de todas as zonas eleitorais brasileiras em todos os municípios de 2002 até 2016 – nesse período a votação já havia se tornado 100% eletrônica no território nacional. Calculou-se então o percentual de votos brancos e nulos entre os eleitores presentes para cada um dos cargos em disputa e correlacionamos com o índice de baixa escolaridade dos eleitores naquela zona eleitoral em questão.
No índice de baixa escolaridade, consideramos o percentual de eleitores com, no máximo, ensino fundamental incompleto (ou seja, pessoas que, no momento de sua última atualização de registro junto ao TSE, eram analfabetas, sabiam apenas ler e escrever ou tinham cursado no máximo o oitavo ano do ensino fundamental).
Os resultados podem ser vistos no gráfico abaixo, em que você pode visualizar, também, o cargo em disputa e o ano da eleição
Você pode fazer o download do gráfico em alta resolução neste link
Comparando os gráficos para cada cargo ao longo do tempo, é possível perceber um fato muito interessante: para todos os cargos, a reta que indica a correlação entre os percentuais de baixa escolaridade e votos brancos e nulos nas zonas eleitorais brasileiras vai de positivamente inclinada para negativamente inclinada do início da década de 2000 até as eleições de 2014 e 2016.
Isso significa que, enquanto no passado, zonas eleitorais com baixa escolaridade produziam mais votos em branco e nulos (o que comprova a tese do erro no uso da urna eletrônica), nas eleições de 2016, essa relação é negativa: os votos brancos e nulos aparecem com mais frequência nos municípios com escolaridade mais alta.
Além disso, a inclinação da reta torna-se mais intensa, assim como os coeficientes de correlação – indicando que esse fenômeno tem se intensificado nos últimos anos.
Já nas eleições gerais de 2022, o percentual de votos brancos e nulos é o menor desde 1994. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2022 foram 5,4 milhões de votos brancos e nulos, o que representa apenas 4,41% do total. Em relação às eleições de 2018, houve uma queda de quase 50% , no qual tivemos 8,8% de votos inválidos.
Aliás, de 1994 para os dias de hoje, o maior percentual de votos brancos e nulos que já pudemos observar foi em 1998, alcançando o pico com 18,7%.
Como essa tendência é observada para todos os cargos, temos elementos suficientes para desconfiar que esse movimento de crescimento de votos brancos e nulos não tem a ver com erros na votação, mas sim com um comportamento do eleitor, principalmente nas regiões de mais alta escolaridade (e, extrapolando, mais alta renda).
Essa tendência se adequa à narrativa de que, principalmente após as manifestações de junho de 2013, a forma tradicional de fazer política vem sendo contestada nos principais núcleos urbanos brasileiros.
Outro importante cientista político, Sérgio Abranches, critica quem considera o crescimento dos votos brancos e nulos como “voto de protesto”. Para ele, esses votos significam sobretudo negação. É o que ele chama de voto “nem-nem”: por não sentirem simpatia por nenhum partido ou candidato, ou por não considerarem que são por eles representados, os eleitores comparecem às urnas para dizer que não votam nem num, nem noutro candidato ou partido. O crescimento dos votos nulos e brancos seria, assim, uma medida do descompasso de partidos e candidatos em levarem em conta a pauta de ambições da sociedade nos últimos anos.
Brancos e nulos no contexto político brasileiro
Nesse contexto, os resultados acima levantam inúmeras questões para o cenário da política brasileira.
Diante desses resultados, restam algumas reflexões que tendem a aparecer em toda eleição:
- Esse protesto ou desalento com a política favorece o surgimento de candidatos que se autoproclamam gestores em vez de políticos?
- Regiões de escolaridade (e renda) mais alta, que nas últimas eleições têm rejeitado a política tradicional por meio de votos em branco e nulos, tendem a ser mais receptivas a candidatos com discurso conservador?
- As regiões metropolitanas de classe média e alta, localidades onde a esquerda tradicional garantia maior quantitativo de votos, abandonaram de vez esse espectro político?
A cada eleição surgem novos resultados que são frutos da política que foi construída desde a última eleição mais recente. Portanto, o grande desafio é olhar para esses dados com atenção, acompanhar de perto os candidatos que elegemos e projetar um cenário possível para as próximas eleições.
E aí, conseguiu entender a diferença entre votos brancos e nulos? Qual a sua interpretação sobre essa forma de se abster do voto? Compartilha com a gente nos comentários!