Este conteúdo é uma parceria do Politize! com o Youth Voices Brasil. O Youth Voices Brasil é uma iniciativa independente, composta por jovens líderes de todo o país, e apoiada pela Y2Y Community e escritório do Banco Mundial no Brasil, com o propósito de erradicar a exclusão produtiva da juventude brasileira.
Ao longo das próximas semanas, traremos textos para refletir sobre a juventude e o mercado de trabalho. Você também pode baixar o Ebook “Juventude Empregada: evidências e práticas“, que é a base dos textos.
Vivemos um período de ‘poluição estatística’. Os números de mortes, pessoas desempregadas e pessoas passando fome aumentam a cada dia, e o cenário de mudança não é dos melhores. Talvez como uma forma de nos blindarmos dessa angústia constante que vivemos há mais de um ano, paramos de nos sensibilizar para tudo que está acontecendo. Diante disso, hoje te convidamos a olhar para o grande desafio da juventude brasileira a partir das dificuldades da Maria.
A história da Maria: incertezas, desemprego e desalento
Maria tem 18 anos e mora em Jordanésia, distrito do município de Cajamar, que fica na região metropolitana de São Paulo. Ela vive com sua mãe e sete irmãos na casa da avó desde que nasceu e tem o sonho de se tornar professora. Das nove às seis, trabalhava em uma loja de roupas no Morumbi, bairro nobre da capital, para pagar sua faculdade de pedagogia. A distância entre sua casa e o emprego é de 43 km, o que significa aproximadamente 3 horas para a ida e 3 horas para a volta, o que a faz passar ¼ do seu dia no transporte público.
Até que veio a pandemia…
Com a chegada da pandemia e o impacto sofrido pelo comércio físico, Maria foi demitida. Ela juntou-se aos mais de 7 milhões de jovens que perderam o emprego por conta da pandemia. Sua faculdade, teve que trancar. A aula de inglês, que conseguiu bolsa para estudar aos sábados, ficou on-line, mas seus irmãos de 3, 5 e 7 anos brincam na sala onde ela estuda, e portanto seu desempenho caiu.
Há oito meses, Maria busca uma nova oportunidade de trabalho para retomar a faculdade, mas confessa que, após enviar currículo para mais de sessenta vagas e ser chamada para somente três entrevistas, já está perdendo a esperança.
A história da Maria é a história de muitas marias, joãos, pedros, júlias, e de muitas juventudes brasileiras que hoje enfrentam consequências graves da crise sanitária, social e econômica que o País enfrenta. Consequências físicas, como a fome; e emocionais, como a angústia de não ter perspectiva de encontrar um novo emprego.
Brasil: dos 47 milhões de jovens; 27 milhões estão desocupados
Apesar de ser composto por mais de 47,2 milhões de jovens, que representam quase ⅓ da população economicamente ativa, o Brasil possui, de acordo com o IBGE, mais de 27,1 milhões de jovens desocupados. Na prática, isso significa que mais de 54% dos jovens que buscam oportunidade de trabalho não o estão encontrando.
Buscam no lugar errado? Não sabem se vender? Não estão suficientemente qualificados? “Tá difícil pra todo mundo?”
Entre as diversas indagações que ouvimos ao endereçar a problemática que, assim como a mudança climática, pode ser um dos grandes desafios do século XXI, e certamente será nos anos pós-pandemia, coloca-se um estigma sobre a juventude de que sua situação atual é consequência de fatores comportamentais ou geracionais — millennials!
Acontece que o buraco é bem mais embaixo. Trata-se de uma questão estrutural e sistêmica que o País vive e que, se não remediada, custará mais que qualquer chance de futuro do Brasil!
Os desafios da inversão da pirâmide etária no país
Há cerca de três anos, assistimos a um dos maiores e mais importantes debates no Congresso Nacional: a Reforma da Previdência. Nessa discussão, muito se foi apontado sobre a inversão da pirâmide etária no país.
A expectativa média de vida no país aumentou, e com isso, a população – até então aposentada a partir de seus 50 e 60 anos de idade – passou a usufruir de seus benefícios previdenciários por pelo menos 15 a 20 anos.
Previdência, o contrato social entre jovens e idosos
Baby boomers agora também começam a se aposentar e usufruir de tais benefícios, que como qualquer outro contrato social, são pagos por gerações mais novas, incluindo a da nossa juventude, que hoje bate à porta do mercado de trabalho.
O problema é que apenas 1 entre 4 jovens consegue entrar nesse mercado de trabalho. A questão que fica é: quem vai pagar a conta desse contrato social?
O Brasil ainda vive um boom geracional, ou seja, mais pessoas nascem do que morrem no país. Porém, como já ocorre em países ricos, em alguns anos essa equação será invertida e teremos mais pessoas morrendo que nascendo.
Na prática, isso significa que temos alguns anos para mitigar problemas econômicos que o país enfrenta, e continuará enfrentando, se nada for feito.
Existe solução para esse problema?
Este é um desafio complexo. Não existe uma única solução, ou então uma solução perfeita. Por isso, para enfrentar o tema e todas as inúmeras especificidades geradas é essencial uma política de Estado, não de governo, e envolvendo múltiplos atores como setor público, privado e sociedade civil em seu processo de construção.
Uma dessas políticas é a de inclusão produtiva da juventude. O cenário que abordamos acima, onde 1 a cada 4 jovens consegue ingressar no mercado de trabalho, é mais que grave, é urgente.
O problema vai além de gerar emprego, já que precisamos de um capital humano com qualificação profissional adequada. Logo, são necessárias políticas públicas inter-setoriais para tratar do tema. Enquanto esse olhar integrado não for possível, continuaremos com alternativas pontuais sendo lançadas, mas que não atacam a raiz do problema.
Para além de economia… qual é a função social do trabalho?
Para muito além dos aspectos econômicos, é importante falarmos sobre a função social do trabalho. Muito discutida na sociologia, economia e no direito do trabalho, essa função é prevista na Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ao afirmar que
“todos os seres humanos de qualquer raça, crença ou sexo, têm o direito de assegurar o bem-estar material e o desenvolvimento espiritual dentro da liberdade e da dignidade, da tranqüilidade econômica e com as mesmas possibilidades” (Declaração da Filadélfia, Artigo II, alínea “a”).
Ou seja, oferecer oportunidades de trabalho para a juventude, significa também assegurar seu desenvolvimento, bem-estar material ou imaterial, liberdade, e sobretudo sua dignidade.
O olhar para a diversidade é essencial na oferta de oportunidades
Oferecer e/ou criar oportunidades de trabalho para as juventudes significa assegurar o valor intrínseco de cada indivíduo, bem como de suas necessidades vitais. Isso também significa observar e exercer um fundamento do Estado Democrático de Direito, nos termos do Art. 1o, III da Constituição Federal – pilar basilar da nossa República.
Oferecer oportunidades de trabalho às juventudes – Sim, juventudes: negras, pardas, indígenas, LGBTQIA+, da periferia, com deficiência, de áreas rurais, migrantes, e tantas outras – significa endereçar questões estruturais como discriminação, preconceitos, racismos, exclusão digital e geográfica.
Significa, por exemplo, oferecer à Maria uma nova chance de se tornar professora, e inspirar futuras crianças e jovens a tomarem essas oportunidades para si.
A inclusão produtiva da juventude não pode ficar para depois
Muito além de números, a inclusão produtiva da juventude é sobre definir se o Brasil usará de sua última chance (dado o bônus demográfico) de ser – no presente – o tão sonhado “país do futuro”.
Uma força de trabalho ativa, porém fora do mercado de trabalho, significa uma ou algumas gerações sem dignidade. Também significa uma menor contribuição à economia, menos arrecadação de impostos e um maior custo com seguridade social por parte do Estado, sem contar os inúmeros custos sociais envolvidos.
Diante de tudo isso, é necessário que a inclusão produtiva seja, daqui para frente, em todos os dias, a “pauta e a ordem do dia”. Ela deve ir muito além de uma secretaria ou data comemorativa, ela deve ser perene e pragmática.
Já dizia Samuel Beckett em sua peça Esperando por Godot:
“Façamos alguma coisa, enquanto há chance! Não é todo dia que precisam de nós. Ainda que, a bem da verdade, não seja exatamente de nós. Outros dariam conta do recado, tão bem quanto, senão melhor. O apelo que ouvimos se dirige antes a toda a humanidade. Mas neste lugar, neste momento, a humanidade somos nós, queiramos ou não. Aproveitemos enquanto é tempo.”
(Esperando por Godot, Samuel Beckett)
O tempo é agora. Somente com as juventudes empregadas asseguraremos qualquer chance de futuro para o Brasil. É tempo de devolver à Maria e às marias a oportunidade de sonhar!
Referências:
Ebook “Juventude Empregada: evidências e práticas“