De inovação todo mundo já ouviu falar: o tema é tão popular que virou interesse de todos os setores – público, privado e sem fins lucrativos. No setor público, são inúmeros laboratórios, fóruns, hackatons, conferências, pesquisas, relatórios e organizações especializados no tema. O foco de muitas dessas iniciativas públicas é a inovação tecnológica, ou seja, a introdução de tecnologias que inovam um produto, processo, serviço, organização ou comunicação.
Por outro lado, temos a necessidade de se pensar em inovações para a solução de problemas sociais, a chamada Inovação Social. Mas, afinal, qual a diferença entre esse conceito e a inovação tradicional? Como acontece uma inovação social? E como o governo pode incorporar essa ideia em sua atuação? Tudo isso você entende a seguir!
Afinal, o que significa inovar?
Antes de falar sobre inovação social, precisamos conversar um pouco sobre a ideia de inovar. Para muitas organizações, a inovação é uma grande prioridade. Por isso, direcionam os esforços para definir as melhores metodologias, habilidades, conhecimentos, atitudes, configurações organizacionais e políticas relacionadas a este tema.
A inovação, em termos gerais, pode ser entendida como uma nova ideia que foi implementada com sucesso. Assim, não basta apenas uma ideia inovadora, ela precisa se provar viável, implementada com sucesso e, preferencialmente, romper com velhas práticas. Para explicar melhor o conceito de inovação, vamos focar em dois sentidos principais: inovação como aprendizagem e inovação como construção de sentido.
Inovação como aprendizagem e como construção de sentido
Para desenvolver novas ideias e implementá-las com sucesso, é necessário um processo de constante aprendizado. Schumpeter, um dos pais da inovação, descreve o processo como “destruição criativa” – a combinação de recursos já existentes em novas configurações. Durante esse processo, há o desenvolvimento de novas ideias, prototipagem e teste de conceitos, resultando na produção e assimilação de conhecimento. A diferença de uma simples mudança para um processo de inovação é o quão transformadora a experiência é, ou seja, se ela resulta na substituição de velhas práticas por novas práticas ou na mudança de paradigmas – se as ideias da organização continuam as mesmas após o processo, não houve uma inovação.
Por outro lado, a inovação pode ser desenvolvida por um processo de construção de sentido, ou seja, a organização busca convencer atores internos e externos a construir um modelo que tenha um novo significado por meio de novas regras. Essa dinâmica acontece especialmente no setor público, no qual a busca por legitimidade é constante, unindo os valores do ambiente externo com os seus valores internos, comumente gerando políticas de conformidade com uma agenda de inovação.
Entendi, mas e a parte “social”?
Apesar da ampla literatura sobre inovação em tecnologia e em negócios, ainda é pouco debatida a ideia de inovação no âmbito social. Isso acontece porque muito é investido na concepção de soluções para necessidades reais ou imaginadas de consumidores, mas pouco para a solução de problemas sociais. As principais definições de inovação social são:
“as mudanças no modo como indivíduos ou comunidades agem para resolver seus problemas ou criar novas oportunidades.” (Ezio Manzini);
“atividades inovadoras e serviços que são motivadas pelo objetivo de resolver uma necessidade social e que são predominantemente difundidas por organizações em que o propósito primário é social” (Geoffrey Mulgan);
“novas ideias (produtos, serviços e modelos) que simultaneamente atingem necessidades sociais e criam novas relações sociais ou colaborações. Em outras palavras, são inovações que são boas para a sociedade e que aumentam a capacidade desta de atuar.” (The Open Book of Social Innovation).
É possível perceber que o processo de inovação social preocupa-se em solucionar desafios de ordem social, não necessariamente buscando aumento de lucro ou de competitividade, como é o caso de inovações voltadas ao mercado. Por isso, é comum que a maior parte dessas soluções sejam empreendidas pelo setor público e terceiro setor (as chamadas ONGs).
Características da Inovação Social
- Inovações sociais produzem resultados que são orientados por necessidades, solucionando problemas de comunidades ou da sociedade a longo prazo;
- Os usuários finais e demais envolvidos participam do desenvolvimento, implementação e adoção da solução, em um processo de co-criação;
- O processo de inovação também altera as relações dos envolvidos, quebrando os vícios e dependências e aumentando a capacidade social e do estado para lidar com problemas sociais;
- Inovações sociais não estão atreladas necessariamente à ciência e tecnologia, convidando o olhar para além das inovações tecnológicas.
Os estágios da Inovação Social
Quando observamos a inovação social como um processo, vemos que ela acontece em estágios, ou seja, ela passa por fases em seu desenvolvimento até se tornar parte integrante do contexto em que está situada. Esses estágios descrevem como um problema social gera ideias e se torna uma solução sistêmica.
O processo se inicia na identificação de evidências, inspirações e diagnósticos de problemas. Normalmente isso ocorre em meio a crises, corte de gastos públicos, mudanças de estratégias ou baixa eficiência, assim como inspirações de empreendedores que vêem a possibilidade de se fazer algo diferente. Nesta fase, é importante juntar muita informação e definir bem o problema e se certificar de que se está atacando as causas, não os sintomas.
A partir de um problema bem definido, surgem propostas e ideias de como solucioná-los. Esta etapa pode envolver abordagens criativas para aumentar as opções de possíveis soluções, conectando experiências anteriores e novas invenções.
Para se certificar que essas ideias funcionam, são desenvolvidos protótipos e testes, que podem ser informais ou com métodos rigorosos, dependendo da maturidade da solução e recursos disponíveis. O processo de teste e melhoria é particularmente importante em inovações sociais, uma vez que contribui para maior participação dos usuários no produto final e na solução de conflitos entre os envolvidos. Quando a solução está bem refinada, é hora de sustentar o modelo proposto, garantindo que os recursos necessários serão alocados para garantir que a inovação será implementada.
A partir da implementação, o modelo poderá ser escalado e difundido, por meio de processos de transferência de conhecimento, crescimento institucional, ou direcionamentos normativos. É importante notar que cada realidade social é particular, portanto as inovações devem ser flexíveis o suficiente para serem adaptadas aos contextos nos quais atuarão.
Por fim, o último estágio é a mudança sistêmica. Normalmente, eventos dessa escala exigem mudanças em todos os setores, além da reconfiguração da estrutura social, alcançado por meio e diversas inovações sociais em conjunto.
Inovação social no Governo
No processo de inovação social no setor público, é preciso considerar alguns aspectos:
O ambiente
O ambiente de inovação no setor público gira em torno de quatro variáveis principais:
- A complexidade política e social que envolve a administração pública, ou seja, os desafios que fomentam o surgimento da necessidade pela inovação social. Estes problemas podem ser exógenos (como a globalização, envelhecimento da população, mudança climática) ou endógenos (como a busca por eficiência, choque de agendas e busca pela aprovação do cidadão);
- A cultura de legalidade, reconhecida por ser uma importante barreira no processo inovador, principalmente pela padronização e formalização de práticas constantes, geração de dependências, ou seja, processos fechados que impedem novas visões e tentativas e jurisdições dos órgãos do governo, tornando a adoção de inovações intersetoriais mais difíceis;
- A tradição de governança, estado e serviço público impactam diretamente na capacidade do estado em se articular com atores locais e globais na construção de inovações sociais, construindo ou até destruindo redes de inovação de acordo com a forma como o estado age sobre a sociedade;
- Os recursos e parcerias com organizações e redes aumentam a capacidade do estado no desenvolvimento de inovações sociais. Isso porque o estado, sendo uma instituição robusta, pode se conectar com diversas ideias e conceitos da rede e implementar soluções vindas de outros setores.
Sugestão: Confira nosso post sobre Laboratórios de inovação!
O processo
Para o processo de inovação social, devemos considerar quatro ideias:
- A liderança no processo de inovação normalmente acontece informalmente, dependendo altamente do clima institucional, que poderá punir ou recompensar ações inovadoras. Essa liderança também deverá se preocupar com o alinhamento entre os valores das lideranças formais e a solução sendo desenvolvida;
- Interação e co-criação com usuários e pessoas na ponta é parte fundamental do processo, uma vez que ele parte de necessidades da população e muitas ideias inovadoras vem de atores que não estão no centro do sistema;
- Definição e gestão de risco é uma estratégia fundamental para lidar com o ambiente avesso ao risco da administração pública, uma vez que ele é parte fundamental do processo de inovação. Uma vez que é identificado e monitorado, o risco se torna um elemento menos imprevisível, gerando maior aceitação no contexto do setor público;
- Uso da tecnologia da informação e mídias sociais tem um duplo papel: ser a fonte de inovações, com a adoção de novas tecnologias, como um canal de comunicação e troca de informações, favorecendo o surgimento de novas ideias e de um aprendizado conjunto.
A adoção da inovação social
Para pensarmos na adoção da inovação social, também abordamos quatro variáveis:
- Alocação de recursos e capacidades disponíveis influenciam o processo de adoção de inovações, ou seja, se uma organização possui recursos livres e capacitados para dedicar ao processo de adoção, ela será mais bem-sucedida;
- Os campeões da inovação são aquelas pessoas que advogam em prol da adoção de novas ideias e soluções, reduzindo as resistências a mudanças e garantindo a implementação efetiva de uma inovação;
- Difusão e adoção como processo de aprendizado, ou seja, como o conhecimento adquirido no desenvolvimento da solução será traduzido para gerar uma aprendizagem organizacional. Também é importante criar um modelo de solução que possa ser adaptável a diversos contextos, reduzindo resistência e aumentando a efetividade da inovação;
- O isomorfismo mimético é a prática de organizações adotarem práticas para alcançarem legitimidade em seu meio. Esse processo também acontece com a inovação, quando ela é vista como uma boa prática e sua adoção é determinada por mecanismos normativos.
Novas perspectivas para inovar
A inovação social vem ganhando relevância como uma abordagem para o setor público solucionar os problemas mais urgentes da sociedade. Incorporar essa visão pode ser desafiador, uma vez que este processo envolve dimensões culturais, organizacionais e quebra diversos paradigmas da administração pública. Para isso, precisamos de uma gestão pública mais aberta a riscos, colaborando e criando com o cidadão, liderando redes de inovação com os outros sistemas e fomentando mudanças em sistemas sociais. Parece um grande desafio, mas muitas iniciativas – inclusive dentro do setor público – já começaram a se movimentar para a criação de inovações que não se preocupem apenas em gerar lucro, mas sejam capazes de romper com problemáticas sociais.
Conseguiu entender o que é inovação social? O que você pensa sobre o assunto? Conte pra gente nos comentários!
REFERÊNCIAS
Design para a inovação social e sustentabilidade
From Social Theory to Policy Design
Innovation environments and innovation capacity in the public sector
Innovation capacity in the public sector: Structures, networks and leadership
Social Innovation: What it is, why it matters and how it can be accelerated
SOCIAL INNOVATION IN THE PUBLIC SECTOR: AN INTEGRATIVE FRAMEWORK
Risk Definition and Risk Governance in Social Innovation Processes: A Conceptual Framework