As invasões francesas nas colônias da América portuguesa foram consequência do Tratado de Tordesilhas. Ele foi um acordo assinado entre o reino de Portugal e a Casa de Catela (futura Espanha) em 7 de junho de 1494.
O documento propunha a divisão das futuras colônias do mundo entre os dois países. Ela ocorreria a partir de um meridiano traçado a 370 léguas das ilhas de Cabo Verde, de modo que as terras a leste, pertenceriam a Portugal, as a oeste seriam espanholas.
Nenhuma parte do continente recém “descoberto” coube ao restante dos países europeus. o Reino da França foi o primeiro a se manifestar contra esse arranjo. Francisco I, rei da França entre 1515 e 1547, expressou sua insatisfação ironicamente: “Gostaria de ver a cláusula do testamento de Adão que me afastou da partilha do mundo.”
Nesse artigo, a Politize! mostrará os precedentes deste momento histórico, os impactos para a colonização do Brasil das invasões francesas e seus efeitos para nossa sociedade. Continue a leitura e entenda esse passado pouco falado da nossa História.
Contexto histórico que levou as invasões francesas
O período histórico das Grandes Navegações, época da expansão marítima, principalmente no Oceano Atlântico, é inaugurado pelos países da Península Ibérica.
Portugal cruzara o Cabo das Tormentas em 1488 com Bartolomeu Dias, o que possibilitou a abertura de uma nova rota para as Índias, além da instalação de diversas feitorias ao longo da costa africana. Em 1942, a Espanha chega às Américas com a expedição de Cristóvão Colombo.
Há o temor de uma guerra em plena península pela disputa dos territórios conquistados, assim, os dois reinos fortemente católicos buscam, com a intermediação do Papa Alexandre VI, um acordo entre as nações. Assina-se, então, na cidade espanhola de Tordesilhas um tratado entre Portugal e Espanha divindindo o mundo e, consequentmente, onde as nações poderiam fundar colônias.
Inglaterra, França e Holanda entram tardiamente no contexto das Grandes Navegações, mesmo em desvantagem, questionam o acordo e desafiam o papado. Nesse ínterim, o movimento da Reforma Protestante aumenta as tensões entre esses países e o Vaticano, e uma onda de invasões e novas conquistas muda o mapa da América nos séculos seguintes.
Veja também nosso vídeo sobre o “descobrimento” do Brasil!
França Antártica: as invasões francesas no Rio de Janeiro
Em 1554, Nicolas Durand de Villegagnon, um nobre francês, participa de uma expedição para mapear a costa brasileira. Ele volta para a França com a certeza que uma colônia poderia ser fundada na região, especificamente, no lugar da atual cidade do Rio de Janeiro.
Em maio de 1555, após obter o apoio do rei francês, Henrique II, Villegagnon parte com 600 homens em direção ao Brasil, assim, inicia-se a primeira invasão francesa ao território do Brasil colonial.
O objetivo inicial da colônia era abrir o mercado de especiarias para o reino francês. Villegagnon já tinha uma boa relação com os tamoios, etnia indígena que habitava a região, e com a ajuda deles pode suprir a necessidades de sobrevivência do Forte Coligny, fundado na chamada ilha de Villeganon, na atual baía de Guanabara, para proteger a colônia francesa.
Contudo, a difícil vida na colônia somada a rigidez de Villegagnon com seus habitantes gerou insatisfação rápidamente. Muitos colonos voltaram para França ou abandonaram a colônia para viver na floresta junto aos indígenas.
Além disso, guerras religiosas internas na França, resultado da recente Reforma, colocaram a colônia em segundo plano, dificultando ainda mais a vida dos habitantes restantes.
Huguenotes, como os calvinistas foram chamados na França, foram enviados para reforçar a colônia de Villegagnon, porém, ele era católico. A diferença religiosa causa uma disputa, os novos colonos voltam para a França e denunciaram os abusos de Villegagnon, que se vê obrigado a retonrar a metrópole para se defender, deixando seu sobrinho, Bois-le-Compte, no comando da França Antártica.
Em 1560, o governador-geral do Brasil, Mem de Sá, organizou uma ofensiva para retomar o território ocupado pelos franceses. A expedição militar foi bem-sucedida, o Forte Coligny foi destruído, mas a presença francesa perdurou até 1567.
Os portugueses organizaram frequentes expedições de defesa e monitoramento visando, assim, manter o território e o controle sobre a Baía de Guanabara. Essas ações culminaram com a fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, atualmente, a cidade do Rio de Janeiro.
A França Equinocial: as invasões francesas no Nordeste brasileiro
O fracasso da colônia na região Sudeste não desanimou os franceses, de uma feitoria francesa construída em 1594, a França constrói o Forte São Luís, na ilha de Upaon-Açu. Com isso, em 1612, a colônia chamada França Equinocial é fundada na região de São Luís, atual capital do estado do Maranhão.
A feitoria fundada por Jacques Riffault foi essencial para os franceses estabelecerem sua colônia no norte das terras pertencentes a Portugal. O contato inicial por Riffault estabeleceu boas relações com os indígenas locais e gerou lucratividade para a Metrópole a partir do comércio de pau-brasil.
A empreitada é permitida por Maria de Médici, rainha regente da França no lugar de seu filho, Luís XIII, e o comando da nova colônia fica sobre responsabilidade de Daniel de la Touche, cuja prioridade expressa pela rainha regente é a conversão de indígenas para o catolicismo.
Após o estabelecimento da colônia e o apoio dos indígenas da etnia Tupinambás, os franceses expandem sua área de exploração para o norte do atual estado de Tocantins, o leste do Pará e partes do Amapá; contudo, a rainha regente não demonstrava interesse prioritário pela colônia.
Assim, forças portuguesas reunidas sob o comando de Jerônimo de Albuquerque, em 1614, partiram da capitania de Pernambuco para retomar o território colonial perdido. São Luís foi sitiada e os franceses se renderam em 4 de novembro de 1615.
Como consequência, Daniel de la Touche foi preso, não houve novas tentativas de invasão da América portuguesa pelos franceses, que acabaram por se estabelecer na Guiana Francesa, até hoje território ultramarino francês.
Portugal retomou o controle de seu território colonial, estimulou o assentamento de colonos nas regiões antes invadidas e garantiu a posse do território. Assim, em 1616, a cidade de Belém, atual capital do estado do Pará, é fundada e Portugal começa a explorar a região Amazônica.
Influência cultural: o maior legado francês
Após o fracasso da segunda invasão francesa na América portuguesa, a França não mais tentou fundar colônias no atual território brasileiro, mas sua influência cultural sobre a sociedade é sentida até os dias de hoje.
A família real portuguesa, por exemplo, fugiu dos ataques de Napoleão para o Brasil, chegando ao Rio de Janeiro em 1808. A partir de então, Dom João VI embarcou num grande projeto de revitalização e modernização da capital, processo necessário para acomodar a corte portuguesa, acostumada à estrutura e cultura da metrópole.
Uma grande parcela desse projeto ocorre na década seguinte, em 1816, sob a tutela da Missão Artística Francesa, composta por artistas que apoiaram Napoleão e, após sua derrota em 1815, queriam sair da França.
Um pouco mais de um século depois, já no Brasil independente e republicano, artistas, poetas e músicos brasileiros organizam a Semana de Arte Moderna. O evento ocorreu em São Paulo em fevereiro de 1922, tornando-se um marco do desenvolvimento cultural do Brasil.
Mais uma vez, houve forte influência indireta francesa em termos artísticos. Os poetas Oswald de Andrade e Mário de Andrade, por exemplo, dois dos maiores expoentes do período, liam e foram fortemente influenciados por autores e revistas sobre o Modernismo francês.
Assim, a cultura francesa é predominante na arquitetura, literatura, pintura e comportamento da elite brasileira, principalmente, no século XIX e início do século XX, sendo que até hoje seus ecos estão presentes na sociedade.
Você sabia que o famoso pão francês, tão comum na mesa do brasileiro, é uma adaptação da baguette, o pão cotidiano na França?
Compreendeu o contexto e as etapas das investidas francesas no território brasileiro? Agora você percebe melhor a grande influência francesa na cultura brasileira, mesmo nos dias atuais? Deixe suas dúvidas e opiniões nos comentários!
Referências:
- ALFA: Revista de Linguística – Influências francesas nos participantes da semana de arte moderna de 1922: entrevista com Rubens Borba de Morais
- Arquivo Nacional – Franceses na Colônia
- Brazilian History – French Invasion (p. 18-20)
- História das Artes – Missão Francesa
- Incrível História – Tratado de Tordesilhas, 1494: a divisão do mundo