Invasões holandesas, em História do Brasil, referem-se ao período entre 1630 e 1654. Nessa época, a Companhia das Indias Ocidentais, uma empresa privada holandesa, organizou expedições militares para dominar a atual região Nordeste, na época colônias portuguesas, para controlar a produção de açúcar.
Esse período da história brasileira se relaciona diretamente com as disputas geopolíticas europeias. As invasões holandesas ocorreram, e foram temporariamente bem-sucedidas, devido ao contexto histórico que a Europa vivia. As mudanças nas alianças monárquicas do período criaram as condições que possibilitaram as invasões holandesas no Brasil.
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Contexto histórico das invasões holandesas
O Tratado de Tordesilhas foi assinado em 1494, dividindo o mundo a ser descoberto em colônias pertencentes, a leste da linha de Tordesilhas, ao Reino da Espanha, e a oeste, ao Reino de Portugal. Esses dois países eram duas potências navais e pioneiros das Grandes Navegações.
Contudo, em 1580, o rei português, Henrique I morreu sem deixar herdeiros. Felipe II, rei espanhol e sobrinho do Henrique I, proclamou seu direito ao trono português, apoiando-se em seu direito hereditário e força militar. A Espanha era o mais poderoso país europeu na época, garantindo-o, assim, o trono português. Inicia-se o período conhecido como União Ibérica.
O Reino Espanhol então se estendeu por toda a Península Ibérica, o sul da atual Itália e os Países Baixos (Holanda) e Bélgica. Felipe II (1556-1598) era um católico fervoroso. Já nos Países Baixos, coviviam em relativa paz calvinistas, católicos e judeus. Assim, a perseguição religiosa da Espanha nessa região desencadeou a Guerra dos 80 anos (1568-1648), conflito no qual os neerlandeses buscavam sua independência.
Antes da União Ibérica, Portugal detinha o monopólio da exploração da colônia brasileira, inclusive da produção de açúcar nos engenhos nas capitanias hereditárias do atual Nordeste. Porém, o refino e comercialização do açúcar eram feitos pelos holandeses, resultado de uma parceria comercial entre as duas nações.
O rei espanhol, Felipe IV (1605-1665), dentro do contexto da Guerra dos 80 anos, declarou que os holandeses estavam proibidos de comercializar o açúcar produzido no Brasil. Assim, os Países Baixos criam a Companhia das Índias Ocidentais (em holandês, West Idische Compaignie – WIC), em 1621, com o objetivo de normalizar o fornecimento de açúcar.
O único modo da Companhia atingir seu objetivo era se apossar do território brasileiro produtor de açúcar. Assim, iniciam-se os preparativos para invasão do Nordeste por parte de uma companhia privada, e não um Estado, mesmo que o nascente Reino dos Países Baixos apoiasse a empreitada da WIC.
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O ínicio das Invasões Holandesas
A primeira tentativa de invasão aconteceu em 1624. A WIC escolheu a sede do Governo Geral, a cidade de Salvador, como alvo. Não havia tropas suficientes para repelir o ataque e a cidade foi tomada sem grandes dificuldades, a maior parte da população fugiu para o interior e organizou a resistência.
Por falta de números para um confronto direto, a resistência utilizou-se da estratégia de guerrilha, mediante ataques e retiradas furtivas, causando o maior impacto possível no inimigo. Tal prática se arrastou até o começo de 1625, quando uma esquadra espanhola de 52 navios veio retomar o controle da região.
As forças espanholas fecharam a Baía de Todos os Santos e sitiaram a cidade. O que restava do contingente da WIC em Salvador não pode resistir, rendendo-se no fim de abril de 1625. Assim, portugueses e espanhóis, auxiliados por fazendeiros e indígenas do Brasil, retomaram a cidade. Seriam mais cinco anos até a WIC fazer uma nova tentativa.
Em 1630, os holandeses escolheram a Capitania de Pernambuco como novo alvo, capitania tão importante quanto a Bahia para a produçao de açucar. A nova invasão holandesa tomou a capital, Olinda, com facilidade, e a resistência à invasão recaiu sobre os locais, inferiores em armas e recursos. Como se deu na Capitania da Bahia, ocorre uma guerra de guerrilha.
Porém, ao contrário da primeira invasão holandesa da WIC, a Espanha não mandou uma armada para retomar o controle da Capitania. Nesse momento a monarquia espanhola estava com graves problemas militares e financeiros. Assim, apenas apoiou a resistência com armas e comandou o conflito à distância .
A invasão holandesa avança pelo Nordeste e, em 1637, a WIC já controlava Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. O avanço holandês fez os fazendeiros e senhores de engenho considerarem uma negociação com a WIC, o que atendeu aos desejos da Companhia, visto que a exploração financeira do açúcar era o real motivo das invasões.
Consolidação do Brasil Holandês
Estabeleceu-se a Nova Holanda, uma nova fase das invasões holandesas se inicia. A WIC contratou o conde Johann Moritz Graf von Nassau-Siegen (João Maurício de Nassau-Siegen), designado governador-capitão e almirante-general do território conquistado, para restaurar o sistema açucareiro com a recuperação das fazendas e engenhos destruídos nos conflitos de resistência.
Nassau liderou ataques contra as tropas luso-brasileiras, uma estratégia crucial foi a destruição das fazendas e pastos ao longo da fronteira entre o Brasil Holandês e a Bahia, criando uma zona morta para inibir as operações de guerrilha.
Em 1638, Nassau comanda uma nova invasão em Salvador, que resiste a um cerco de dez dias. Assim, Nassau é forçado a recuar de Salvador após pressão da WIC, que temia a perda de recursos e infraestrutura valiosos para o comércio de açúcar.
Para reativar a produção de açúcar, Nassau negocia com colonos lusos e leiloa propriedades abandonadas, com financiamento da WIC. Nassau traz trouxe engenheiros, arquitetos, artistas, botânicos, astrônomos e cartógrafos, pois era preciso mapear, catalogar, registrar, estudar o território conquistado, modernizando Recife.
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Artistas holandeses, como Albert Eckhout e Frans Post, pintores holandeses famosos por suas paisagens, registravam a vida e paisagens brasileiras. Nassau, um aristocrata refinado, sonhava em transplantar o estilo de vida europeu para o Brasil, valorizando suas peculiaridades.
Recife se torna uma praça comercial movimentada, atrai negociantes de todo o globo, incluindo judeus. Nos Países Baixos, reinava a liberdade de consciência, no qual católicos, calvinistas e judeus conviviam pacificamente – em contraste com o Brasil colonial, majoritariamente católico.
A desconfiança e o estranhamento local com calvinistas e judeus faz com que Nassau arbitrasse frequentes disputas, mas mantém a cultura de liberdade religiosa. Inclusive, a primeira sinagoga no Novo Mundo é construída no Brasil, em Recife.
Nassau, então, se volta para a África, tomando o entreposto português fortaleza de São Jorge da Mina, em 1637 e, posteriormente, a colônia de Angola, em 1640, com o intuito de abastecer a produção açucareira com o trafica com escravos africanos. Ao mesmo tempo, repele um esquadra luso-espanhola de retomar o Nordeste brasileiro.
No contexto internacional, o movimento pela restauração da independência de Portugal, realiza-se em dezembro de 1640 com a ascensão de D. João IV ao trono português. O novo governo desiste de resgatar o Nordeste e as posses perdidas na África, concentrando seus esforços na luta contra as tropas de Felipe IV da Espanha.
Os colonos e senhores de engenho do Nordeste holandês, principalmente em Pernambuco, estavam se recuperando economicamente sob o governo de João Maurício de Nassau. A postura de Nassau se baseava em diálogo e negociação com os proprietários de terras, oferecendo-lhes incentivos sociais e econômicos para garantir sua cooperação.
Nesse contexto, os senhores de engenho se acomodaram à situação, priorizando seus interesses individuais sobre qualquer sentimento de lealdade patriótica. Os colonos não viam diferença significativa entre a condição de colônia de Portugal ou das Províncias Unidas dos Países Baixos, desde que seus interesses fossem contemplados.
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Declínio Holandês e Restauração do Domínio Português
Em 1642, o contexto internacional se torna desfavorável a Companhia das Índias Ocidentais, a economia europeia sofre um revés e entra na chamada “Crise do Século XVII”. Os preços do açúcar despencam no mercado internacional, assim como o lucro da Companhia, o que pressiona os fazendeiros no Brasil pelo pagamento dos empréstimos concedidos, o crédito é reduzido e há elevadas taxas de juros.
Nassau é contra essa política, alerta a Companhia e propõe outros caminhos, mas é ignorado. A desavença entre o Governador do Brasil holandês e sua empregadora, a WIC, se torna crescente e, em 1642, o contrato com a Companhia termina.
Nassau ainda se mantem no cargo por mais dois anos. Ele conseguiu tal feito ao usar sua influência em relação o rei holandês e ao governo dos Países Baixos. Porém, a burguesia tinha muita força na Holanda, pelo fato de o país ser uma república e a WIC uma companhia privada. Por fim, Nassau deixa o Brasil em 1644.
A instabilidade política segue no Brasil holandês, e muitos europeus e colaboradores retiram seus investimentos, dando certa a queda do empreendimento das WIC no Brasil. Em 1645, iniciou-se o que ficou conhecido como Insurreição Pernambucana, que se configurou numa série de batalhas para expulsar os holandeses.
O Governador Geral do Brasil não podia apoiar a revolta nordestina abertamente, já que havia um acordo de paz assinado entre Portugal e Holanda, mas abastecia os revoltosos com homens e armas clandestinamente. Entre 1645 e 1648, os combatentes da colônia retomaram gradativamente o Nordeste, sitiando os holandeses em Recife.
Paralelo a isso, o governador da Capitania do Rio de Janeiro, empreendeu pessoalmente a retomada da colônia de Angola. Assim, volta a garantir o comércio de escravos para o Brasil.
O cerco de Recife durou sete ano. Em 1654 os holandeses se renderam, ponfo um fim as invasões holandesas, porém, originando um novo problema, a “Querela dos Engenhos”, uma longa batalha judicial nos tribunais portugueses e europeus.
De um lado, os antigos donos de engenho, os que fugiram e abandonaram seus engenhos durante a invasão holandesado outro, e os que compraram essas terras, que foram declaradas abondadas e leiloadas pela WIC durante seu domínio.
Após uma década de indecisão, decidiu-se analisar caso a caso, e somente na década de 1670 as demandas da “Querela dos Engenhos” começaram a ser resolvidas. Os holandeses também reivindicaram direitos, possuindo bens e capitais no Brasil, o que resultou em casos judiciais que se arrastaram por décadas.
Em 1661, o Tratado de Haia reconheceu a restauração portuguesa do Brasil, com a República dos Países Baixos. No entanto, muitas questões permaneceram sem solução. Em 1657, André Vidal foi nomeado governador de Pernambuco, que deixou de ser controlado pela família Albuquerque Coelho e passou para o domínio da Coroa, com Olinda foi restaurada como sede da capitania no mesmo ano.
Destaca-se que a Insurreição Pernambucana foi financiada e executa pela classe senhorial do Nordeste, o que os garantiu muito prestígio e poder, poderiam até ter declarado o Nordeste independente de Portugal. Porém, não havia um sentimento nacionalista na política colonial, posto que os habitantes se sentiam como portugueses nascidos no Brasil.
A WIC se retirou do Brasil, mas não do comércio açucareiro, que começa a explorar nas ilhas do Caribe, assim como a Inglaterra também começa a fazer, quebrando o monopólio português e gerando grande concorrência ao açúcar brasileiro.
Ademais, para garantir sua independência, Portugal fez acordos com as potências emergentes da época, tanto Inglaterra como Holanda, para se proteger da Espanha. Com isso, sacrifica grande parte suas colônias na África e Ásia.
Assim, o cenário em que ocorreu as invasões holandesas no Brasil é intimamente ligado à geopolítica europeia da época. Quando o projeto do Brasil holandês acaba, não apenas a colônia brasileira entra numa nova fase, mas também todo o mundo, com o declínio dos países ibéricos e a ascensão de novos países, principalmente, o Reino Unido.
Legado das Invasões Holandesas
O grande legado das invasões holandesas para o Brasil atual, cultural e historicamente, se deu com o governo de Nassau, ao trazer uma comitiva para documentar a colônia, com pintores como Albert Eckhout e Frans Post, o médico Willem Piso, o biólogo e cartógrafo Georg Marcgraf, entre outros homens da ciência.
Temos assim, um rico acervo escrito e visual de como era a vida no Nordeste colonial, ademais, suas melhorias urbanísticas, como a construção de pontes – as primeiras da América Latina – e a sua influência na arquitetura e planejamento pode ser visto até hoje em Recife.
Porém, as construções foram influenciadas pelas anteriores feitas por Nassau, por a maior parte das construções originais, assim como os palácios construídos, foram destruídos durante a Insurreição Pernambucana, provavelmente, por conterem os brasões de Nassau e dos Orange, Casa Real dos Países Baixos, ou seja, eram símbolos de dominação da WIC que os insurgentes queriam se livrar.
Assim, o período das invasões holandesas foi muito rico para história brasileira, há um sentimento até nostálgico em Recife do governo de Nassau, realmente, um bom administrador e modernizador da cidade, mas não esquecemos que o objetivo da WIC era o lucro, o mesmo que levou a derrocada de Nassau e impulsionou a Insurreição.
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Referências:
- Brasiliana Iconográfica – O legado dos artistas de Maurício de Nassau
- Diário de Pernambuco – Herança holandesa: o Recife de Maurício de Nassau
- Gallas & Disperati – Brasil Holandês: um resumo descomplicado e motivos da Invasão
- História do Mundo – Invasões Holandesas
- Portal CESAD – O Domínio Espanhol e o Domínio Holandês no Brasil