Jornada de trabalho: como funciona?

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Imagem de uma carteira de trabalho. Conteúdo sobre jornada de trabalho.
Foto: Wikimedia Commons.

Certamente você já ouviu falar em jornada, duração e horário de trabalho. São expressões do nosso cotidiano e que fazem parte da vida de todo trabalhador. Além de simples expressões da nossa rotina, esses são importantes direitos trabalhistas, presentes inclusive em nossa Constituição Federal, e que possuem uma série de peculiaridades.

Quer entender mais sobre eles? Então segue com a gente!  Esse é o primeiro texto de uma trilha de conteúdos sobre Direito do Trabalho. Confira os demais

  1. Horas Extras
  2. Intervalos pra descanso
  3. Descanso semanal remunerado

Por que falamos sobre jornada de trabalho?

Primeiramente, antes de entendermos em si o que seria a jornada e a duração de trabalho, é válido conhecermos como essas figuras surgiram e por que precisam de normas jurídicas criadas e reguladas pelo Estado para limitá-las.

Contexto histórico

Como marco importante sobre esse tema, podemos citar a Revolução Industrial (1760-1840). À sua época, trabalhadores eram submetidos a jornadas de trabalho muito prolongadas (chegavam a 14 ou 16 horas diárias), além de estarem vulneráveis a péssimas condições de trabalho e higiene (como fábricas úmidas, quentes e escuras), incluindo poucas medidas de segurança, escassos cuidados com a saúde e jornadas de trabalho esgotantes.  Além disso, tais trabalhadores recebiam salários desproporcionais ao esforço, às horas trabalhadas e aos riscos que corriam durante o dia de labor.

Esse, possivelmente, foi o ponto de partida para diversas mudanças relacionadas ao Direito do Trabalho. A partir dele que surgiram diversos protestos e reivindicações de trabalhadores buscando melhorias comuns à classe, inclusive na ideia de diminuição ou limitação da Jornada de trabalho, nosso tema em questão.

Também podemos citar como um ponto importante para o início da atenção aos direitos trabalhistas ao redor do mundo o surgimento do Constitucionalismo Social (após o fim da Primeira Guerra), que refletiu na inserção de diversos interesses sociais, inclusive direitos trabalhistas, nas Constituições; a primeira a tratar sobre foi a Constituição do México de 1917, seguida pela Constituição de Weimar (Alemanha) de 1919, esta última trazendo uma repercussão relevante para a Europa.

No Brasil, a primeira Constituição a incluir regramentos específicos de Direito do Trabalho foi a de 1934. Mas só foi com nossa atual Constituição, de 1988, que os ditames trabalhistas foram regulados de formas particular, em sintonia com os princípios da dignidade da pessoa humana e justiça social.

A jornada de trabalho no Brasil

No Brasil, atualmente, esses temas são regulados por nossa Constituição Federal de 1988, em seu Art. 7º, incisos XIII e XIV, que você pode ver abaixo:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

Além da Constituição, temos a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que também trata do tema, e veremos daqui a pouco. E, na esfera internacional e de forma mais geral, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu Art. XXIV, traz que “Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.”

Duração, Jornada e Horário de Trabalho

Ainda antes de expormos as regras jurídicas da matéria, é necessário estabelecermos algumas diferenças que geralmente podem passar despercebidas ou causarem certa dúvida.

Jornada de trabalho deve ser entendida como o número de horas diárias de trabalho, ou seja, toda a soma de horas de trabalho em um dia.

Já a Duração de trabalho normalmente não é usada para se referir a horas diárias trabalhadas, e sim à quantidade de horas de trabalho semanal, mensal ou anual.

E, por último, o Horário de trabalho é uma denominação mais específica que se refere às horas exatas de início e término de atividades dentro de uma jornada.

Então, de acordo com o autor e professor trabalhista Gustavo Garcia (Manual do Direito do Trabalho) e em congruência com o Art. 4º da Consolidação de Leis do Trabalho (CLT), podemos considerar que Jornada de trabalho não inclui somente aquele tempo de serviço efetivo prestado pelo trabalhador,mas sim o tempo em que o empregado está à disposição do empregador, seja aguardando ou executando ordens.

Exemplificando: Trabalhador X foi contratado por determinado Empregador Y para trabalhar em sua Empresa W, e ficou acordado que sua jornada de trabalho seria de 8 horas. Portanto, a duração de seu trabalho semanal equivale a 40 horas (considerando cinco dias trabalhados por semana) e seu horário de trabalho, hipoteticamente falando, pode ser: das 8 às 12 horas e das 13 às 17 horas.

Duração normal da jornada de trabalho

Como já citado, nossa Constituição Federal, em seu Art. 7º, XIII, dispõe que a duração do trabalho normal não deve ser superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, sendo facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva (negociações entre patrões e empregados e negociações entre sindicatos, respectivamente).

Nota-se que esse mandamento constitucional prevê um limite diário de 8 horas de trabalho e um limite semanal de 44 horas. Este último é uma inovação da Constituição, já que a CLT, em seu Art. 58 somente traz que “a duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite”.

Ou seja, a CLT não prevê limite semanal de horas a trabalhar, e sim somente limitação diária.  Porém, como nossa Constituição é uma norma mandamental, ou seja, tem superioridade sobre as outras, seus limites recém citados devem ser cumpridos, independentemente da CLT ter sido mais branda. Portanto, de acordo com o texto constitucional, caso um trabalhador esteja em labor por mais de 8 horas em um dia ou 44 horas por semana, ele deve receber horas extras, pois seu labor está ultrapassando o limite constitucional.

A seguir, explicaremos algumas peculiaridades relacionadas a esse direito constitucional trabalhista referente à duração e jornada de trabalho:

Horas de trajeto

As chamadas horas in itinere, ou “horas de trajeto”, são aquelas despendidas pelo empregado/trabalhador de sua residência até o local de trabalho e para o seu retorno. Então, antes da Reforma Trabalhista de 2017 (Lei 1.467/17), esse tempo despendido pelo empregado era computado na jornada de trabalho caso se tratasse de local de difícil acesso ou não servido por transporte público e o empregador fornecesse a condução. Portanto, como essas horas poderiam compor a jornada de trabalho nesses casos citados, elas eram devidas (do ponto de vista salarial) pelo empregador.

Porém, após a Reforma Trabalhista, a nova redação do Art. 58, §2º, da CLT, exclui qualquer possibilidade das horas itinere serem computadas na jornada de trabalho. Portanto, esse artigo elimina o direito à remuneração das horas itinere.

Trabalho em regime de tempo parcial

Outra peculiaridade da Jornada de trabalho é a possibilidade de um contrato de trabalho prever uma jornada reduzida para determinado empregado, com pagamento de salário correspondente e proporcional às horas trabalhadas.

Isso está no Art. 58-A da CLT,

“Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a trinta horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares semanais, ou, ainda, aquele cuja duração não exceda a vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até seis horas suplementares semanais”.

Ou seja, o legislador criou outro instrumento limitador da duração do trabalho.

Também é válido ressaltar que, a partir da interpretação dessa norma, é evidente que essa autorização legal de uma jornada de trabalho reduzida tem a intenção de evitar o desemprego e possibilitar uma distribuição de renda para um número de pessoas maior, pois instiga e autoriza que uma empresa possa contratar mais pessoas, apesar da jornada e do salário reduzidos.

Quais empregados são excluídos do regime de duração de trabalho?

O Artigo 62 da CLT traz a hipótese em que a limitação da duração do trabalho em 8 horas diárias e 44 horas semanais, como mencionado anteriormente, não se aplica aos empregados ali elencados. Logo, os mesmos não têm direito à essa limitação da jornada de trabalho, ao adicional noturno e nem ao recebimento de horas extras.

Nesse âmbito, surge uma discussão em torno da constitucionalidade dessa restrição, já que a Constituição Federal assegura, em seu Artigo 7º, esses direitos sociais fundamentais do trabalhador. Sendo assim, restringi-los seria contrariar essa norma.

Contudo, o entendimento majoritário, inclusive no âmbito do TST, é o da aceitação do Artigo 62 da CLT, pois, enquanto que a Constituição Federal fala genericamente sobre a jornada de trabalho, esse artigo trata de hipóteses excepcionais. Logo, essa exclusão de alguns empregados do direito à limitação da jornada de trabalho se daria exatamente em decorrência de condições específicas do trabalho que trazem essa necessidade de um regime diferenciado para tais trabalhadores.

Primeiramente, em seu inciso I, o Art. 62 da CLT traz a hipótese dos empregados que devem ter como requisito exercer atividade externa, sendo esta incompatível com a fixação do horário de trabalho. Ou seja, não basta apenas aquele trabalho ser externo, mas também faz-se necessário que não seja possível o controle da jornada de trabalho pelo empregador; logo, o empregado não teria horário fixo.

É preciso ter-se em conta, ainda, que o dispositivo traz que tal condição deve ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados. Porém, a jurisprudência pacífica (que seria um conjunto de julgados de mesmo sentido) do TST entende se tratar apenas de um requisito administrativo, pois a não anotação de tal especificidade não descaracterizaria sua condição de empregado não regido pela duração de jornada de trabalho.

O inciso II do mesmo artigo refere-se aos gerentes, aqueles que exercem cargos de gestão e equipara-os aos diretores e aos chefes de departamento ou filial e tendo gratificação de função (espécie de adicional pago em razão de uma maior responsabilidade atribuída ao empregado no desempenho de sua função) não inferior a 40% do respectivo salário.

Tais cargos representam uma longa manus ou extensão do empregador, que dá a esses empregados maior autonomia em seu trabalho e poderes na tomada de decisões relevantes. Em virtude disso, a subordinação tende a ser menos acentuada, com maior liberdade em seus horários.

A Reforma Trabalhista, Lei nº 13.467/17, ademais, incluiu o inciso III ao Art. 62 da CLT, que trata dos empregados em regime de teletrabalho. Tal modalidade tornou-se mais recorrente, atualmente, em meio à pandemia do coronavírus. Mas como se dá tal regime?

O Art.75-B da CLT traz que o teletrabalho dá-se quando a prestação de serviços ocorre por meio, preponderantemente, fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação e por opção dos contratantes; além de, por sua natureza, não se confundir com o trabalho externo, que já possui tarefas externas intrinsecamente.

A Medida Provisória nº 927/20, apesar de ter perdido seu prazo de validade para votação no Senado e ter caducado, que trata sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus trouxe alterações quanto ao teletrabalho. A MP flexibilizou as formalidades para implantação dessa modalidade, cuja modificação ficará a critério do empregador, bastando notificar ao empregado, por meio escrito ou eletrônico, com antecedência mínima de 48h, sendo dispensado o registro prévio de alteração no contrato individual de trabalho.

Essa alteração deu-se pela flexibilização das formalidades para a implantação dessa modalidade. Com ela, o empregador poderia alterar o regime de trabalho presencial para teletrabalho, trabalho remoto ou outro trabalho à distância, desde que houvesse notificação do empregado com antecedência mínima de 48 horas, e sem a necessidade de acordos individuais ou coletivos e de registro da modificação no contrato de trabalho, como aduz os Arts. 75-A a 75-E da CLT (advindos da Reforma Trabalhista).

Contudo, a MP foi tirada da pauta de votação, perdeu sua validade. Sendo assim, voltou-se a valer, a partir do dia 20/07, as regras anteriores conforme a CLT estabelecia.

Trabalho noturno

No tocante ao trabalho noturno, há de se falar, primeiramente, na diferença em que se tem desse instituto quanto aos trabalhadores urbanos e aos rurais.

Para os empregados urbanos, de acordo com o Art. 73, § 2º da CLT, consiste em trabalho noturno aquele compreendido entre as 22 (vinte e duas) horas de um dia e as 5 (cinco) horas do dia seguinte.

Já para os trabalhadores rurais, de acordo com a Lei 5.889/73, pode-se ter trabalho noturno na lavoura, que seria aquele realizado entre as 21 (vinte e uma) horas de um dia e as 5 (cinco) horas do dia seguinte e na pecuária, que se dá entre as 20 (vinte) horas de um dia e finaliza as 4 (quatro) do dia posterior.

Há previsão na Constituição Federal, em seu Art. 7º, IX, de remuneração do trabalho noturno em virtude da própria natureza do desempenho realizado no período noturno exigir maior esforço físico e mental para ser executado.

Nesse âmbito, de acordo com o Art. 73 da CLT, o empregado urbano receberá adicional de, no mínimo, 20% sobre a hora diurna; integrando seu salário se pago com habitualidade e integrando a base de cálculo das horas extras prestadas no período noturno. Além disso, a hora noturna sofre uma redução já que será computada como de 52 (cinquenta e dois) minutos e 30 (trinta) segundos.

Quanto á remuneração do empregado rural, o adicional noturno é de 25% sobre a remuneração normal; entende-se, portanto, que, por isso, não há hora reduzida para os mesmos por já possuírem tal percentual mais elevado.

A prorrogação do trabalho que se realizou no período noturno dá-se quando ocorre continuidade do trabalho para além do estabelecido por lei (que seria 5 horas da manhã). Logo, o trabalhador tem direito à hora noturna reduzida e ao adicional noturno nesse período em que prolongou seu trabalho. Tal aplicação tem por fundamento a Súmula 60, II do TST, que diz ser devida quando cumprida integralmente e posteriormente, prorrogada.

Vale uma atenção especial para que não se confunda essa prorrogação do trabalho noturno com horários mistos. Você sabe a diferença? O horário misto, previsto no art. 73, § 4º da CLT, ocorre quando o empregado presta serviço no período noturno e diurno. Por exemplo, um trabalho que se inicia às 21 horas e acaba às 4 horas; nesse caso, tem-se um período que será pago como hora diurna e outro período que será pago como hora noturna, com adicional noturno e devida hora reduzida.

Inovações da Lei 14.020 (conversão da MP 936)

Diante da crise sanitária e de saúde pública causada pelo Covid-19 no Brasil, foi publicada a Medida Provisória 936 que, no dia 6 de julho de 2020, foi convertida na Lei 14.020. A partir do texto desta lei e em consonância com o momento em que estamos vivenciando, o instituto da Jornada de trabalho recebeu algumas inovações.

O Art. 7º da Lei autoriza que, durante o estado de calamidade pública, o empregador poderá acordar (via negociação coletiva ou acordo individual escrito) a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário de seus empregados por até 90 (noventa) dias, prorrogáveis por ato do Poder Executivo. Os percentuais de redução de jornada e salário autorizados no dispositivo foram de 25%, 50% e 70%, todos com a preservação do salário-hora de trabalho.

Ou seja, para exemplificar, imaginemos um empregado que trabalhava 200 horas mensais e recebe R$ 1.500,00, seu salário-hora é de R$ 7,50. Caso o empregador e o empregado acordem que a jornada reduzirá em 50% (ou seja, passará a ser de 100 horas mensais), o empregado receberá seu salário-hora (R$7,50) multiplicado pela nova carga horária (100hrs), totalizando R$ 750,00.

Há, ainda, uma questão controvertida desde a publicação da MP 936/20 que, em meio a tantas alterações, acaba gerando dúvidas na sociedade. Tal questão gira em torno da aplicação ou não da redução proporcional de jornada e de salário aos trabalhadores externos, gerentes e teletrabalhadores, já que, como visto anteriormente, são os excluídos do regime de duração de trabalho. Para aqueles que defendem a não aplicabilidade dessa inovação para esses empregados, não seria possível essa redução em virtude do empregador não ter um controle exato sobre a Jornada de trabalho do empregado.

Contudo, a corrente trabalhista que defende a aplicabilidade da redução de jornada e salários aludida na MP 936 aos empregados excluídos do controle de jornada (os do Art. 62, CLT), entende que é possível a celebração desse acordo de redução de jornada e salário, desde que a redução do salário seja realmente seguida de uma evidente diminuição de demandas e nível de exigência de efetividade.

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REFERÊNCIAS

Constituição Federal

CLT

Lei 14.020/2020

Manual de Direito do Trabalho (Gustavo Filipe Barbosa Garcia)

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Conteúdo escrito por:
Piauiense e estudante de Direito do iCEV – Instituto de Ensino Superior. Defende que é essencial a abordagem crítica e informativa de termas relevantes da sociedade. Logo, somente assim, haverá a construção de uma democracia com cidadãos conscientes e cientes do cenário político, econômico e social no qual estamos inseridos.

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