Em agosto de 2023, após dez sessões de discussão sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade e obrigatoriedade da implementação do juiz das garantias em todos os tribunais do país.
A decisão foi tomada no bojo de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade: ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305.
Veja também nosso vídeo sobre os papéis do STF!
O instituto, originário do direito estrangeiro, foi introduzido no direito brasileiro pela Lei nº 13.964/2019, o Pacote Anticrime. Contudo, permaneceu com a implementação suspensa até o seu julgamento definitivo pelo Plenário da Corte. Agora, deve se concretizar em até dois anos.
A ideia é que haja, na fase de investigação criminal, um juiz voltado exclusivamente para o acompanhamento e controle da legalidade dos atos investigatórios, a fim de resguardar os direitos e garantias fundamentais do acusado.
Quer saber mais sobre o conceito de juiz de garantias? Relembre aqui com mais detalhes!
Juiz das garantias (arts. 3º-A a 3º-F do CPP)
A nova regra é que os processos criminais contarão com a atuação de dois juízes: um na fase investigatória (o juiz das garantias), e outro na fase processual.
Um parêntese: desde a entrada em vigor do Código de Processo Penal, em 1942, o juiz já estava autorizado a atuar na fase investigativa, a fim de controlar a legalidade dos atos da autoridade policial e resguardar os direitos individuais do investigado.
Acontece que o mesmo juiz atuante nesta etapa também era o responsável pela condução do processo e prolação da sentença, ao final. Com a novidade do Pacote Anticrime, embora as duas funções continuem a existir, serão desempenhadas por agentes políticos diversos: o juiz que atuar na fase investigativa não poderá atuar na fase de instrução da ação penal.
E qual a vantagem dessa separação?
Para os defensores, são duas as vantagens mais evidentes:
- Otimização da atuação jurisdicional criminal, inerente à especialização na matéria e ao gerenciamento do respectivo processo operacional. Ou seja, a prestação do serviço jurisdiconal será melhor e mais eficiente.
- Preservar a imparcialidade do juiz do processo. Quando os juízes atuam na fase investigativa, há o risco de estender à fase processual vieses que podem comprometer o exercício imparcial da jurisdição.
Novidades implementadas
O juiz das garantias poderá, de acordo com a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal ao artigo 3º-A, determinar pesquisas suplementares para sanar dúvidas relevantes para o julgamento do processo.
Isso não significa que o juiz poderá atuar em substituição às partes, que continuam sendo as protagonistas do processo. Mas poderá, pontualmente, e nos limites legalmente autorizados, determinar a realização de diligências sobre ponto relevante.
O artigo 3º-B do Código de Processo Penal detalha as funções do juiz de garantias, além de estabelecer regras processuais e disciplinar atos processuais.
Consistem, por exemplo, em:
- tomada de decisão sobre prisão provisória ou outra medida cautelar;
- requerimentos de interceptação telefônica ou busca e apreensão domiciliar;
- prorrogação do prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso;
- zelo pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo.
Além disso, todos os atos praticados pelo Ministério Público como condutor da investigação penal deverão se submeter ao controle judicial.
Assim, todas as medidas necessárias à boa investigação criminal deverão passar pelo juiz das garantias. Este, sobre elas decidirá até o oferecimento da denúncia ou queixa-crime, quando sua competência é cessada.
Mas atenção: a nova sistemática serve para os processos criminais ordinários, não se aplicando a procedimentos especiais que com o novo modelo são incompatíveis. São exemplos:
- Processos de competência originária dos tribunais;
- Processos de competência do tribunal do júri;
- Casos de violência doméstica e familiar;
- Infrações penais de menor potencial ofensivo.
Uma importante novidade trazida pelo instituto está no artigo 3º-F do Código de Processo Penal. De acordo com a norma, o juiz das garantias deverá impedir acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos da imprensa para explorar a imagem da pessoa presa. O descumprimento poderá gerar responsabilização civil, administrativa e penal.
Para tanto, serão editados regulamentos padronizados para a divulgação da prisão e da identidade do preso. Assim, garantir-se-á, a um só tempo, a dignidade da pessoa presa e a liberdade jornalística e de imprensa.
Leia também: O que são Direitos Humanos?
Por fim, foi estipulada uma regra de transição: para as ações penais já instauradas no momento da implementação do juiz das garantias pelos tribunais, a eficácia da lei não acarretará a modificação do juízo competente.
Em outras palavras, os processos que já se encontram em andamento permanecerão sem mudanças. Assim, a regra valerá apenas para os novos processos.
Vozes do mundo jurídico
Majoritariamente, o juiz das garantias foi visto com bons olhos pelo mundo jurídico.
Segundo o Ministro Dias Toffoli,
A instituição do juiz das garantias veio a reforçar o modelo de processo penal preconizado pela Constituição de 1988. A nova ordem passou a exigir que o processo não fosse mais conduzido prioritariamente como veículo de aplicação da sanção penal, mas que se transformasse em instrumento de garantias do indivíduo em face do Estado.
Já para o Ministro Luís Roberto Barroso, apesar de o juiz das garantias não ser a solução para os problemas do sistema penal brasileiro, é uma alternativa legítima do Legislativo:
Gostando ou não, foi uma decisão legítima do Poder Legislativo, de modo que, não havendo incompatibilidade com a Constituição Federal, o nosso papel é acatar a vontade do legislador.
Por fim, para o presidente da OAB Nacional, Beto Simonetti,
Essa separação de funções contribui substancialmente para o fortalecimento da imparcialidade judiciária, ao mesmo tempo em que assegura uma defesa plena e robusta, condizente com os valores democráticos que norteiam a sociedade brasileira.
E aí, conseguiu entender as razões do Supremo Tribunal Federal sobre o juiz das garantias? Conte nos comentários o que você achou!
Referências:
- ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305;
- ANGELO, Tiago. Juiz das garantias é constitucional e deve ser implantado em até 2 anos, decide STF;
- Buscador Dizer o Direito. É constitucional a instituição do juiz das garantias no processo penal brasileiro;
- Código de Processo Penal;
- OAB Nacional. STF publica acórdão que institui o Juiz das Garantias;
- OAB Nacional. Implementação do Juiz das Garantias reforça necessária imparcialidade da Justiça.