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Conheça o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero

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O caráter discriminatório está presente nos mais diversos sistemas sociais, contribuindo para a violência sistêmica enfrentada por mulheres. Nesse sentido, o Poder Judiciário é buscado como uma forma de solução de conflitos e de salvaguarda de direitos fundamentais, como a igualdade de gênero.

Sendo assim, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero para que a atuação dos juízes ajude a combater a cultura de desigualdade de gênero estrutural, bem como seus estereótipos nas decisões tomadas nos tribunais.

Neste texto da Politize!, você conhecerá mais sobre o documento, bem como as razões que proporcionaram a criação e o contexto de obrigatoriedade do Protocolo.

Leia também: O que é violência de gênero e como se manifesta?

O que é o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero

Em 2022, o CNJ publicou a Recomendação nº 128 para adoção do “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero” no Poder Judiciário brasileiro.

Esse documento é fruto de estudos desenvolvidos pelo Grupo de Trabalho instituído por intermédio da Portaria CNJ no 27/2021, contendo 21 representantes de todos os segmentos da Justiça – estadual, federal, trabalhista, militar e eleitoral.

Prédio do CNJ. Texto: Conheça o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero.
Prédio do CNJ. Imagem: Rômulo Serpa.

A publicação visa colaborar com a implementação das políticas nacionais estabelecidas pelas Resoluções CNJ n. 254 e 255, de 2018, que tratam do Enfrentamento à Violência contra as Mulheres pelo Poder Judiciário e do Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário.

Estrutura e conteúdo

A estrutura do documento é dividida em três eixos.

O primeiro aborda os conceitos básicos, as questões centrais da desigualdade de gênero, bem como a relação entre gênero e direito.

Posteriormente está o guia de julgamento para magistradas e magistrados, com importantes considerações sobre controle de convencionalidade, direitos humanos e perspectiva de gênero.

Tratam-se de orientações de como instruir o processo, valorar provas e identificar fatos, marcos normativos e precedentes, além de abordar a interpretação e aplicação do direito. Um detalhado passo a passo.

O terceiro, por fim, abarca questões de gênero específicas dos ramos da justiça, iniciando por três temas transversais: assédio, audiência de custódia e prisão.

São orientações específicas nos casos que incluam, por exemplo, mulheres com deficiência, gestantes, trabalhadoras, negras, quilombolas, indígenas, lésbicas, bem como aquelas em cumprimento de medida de privação de liberdade.

A nível de compromisso internacional, esse conjunto de ações tem a máxima finalidade de alcançar a igualdade de gênero, Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS 5 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), à qual se comprometeram o CNJ e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Saiba mais: Como o ODS 5 contribui para combater a desigualdade de gênero?

Constitui também uma das determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) na sentença do caso a seguir, que repercutiu na condenação do Brasil.

Veja completo: Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021.

Apanhado histórico: o caso Márcia Barboza de Souza e outros vs. Brasil

O Protocolo surgiu após a condenação do Brasil pela Corte IDH no caso Márcia Barbosa de Souza e outros vs. Brasil, claramente motivado por questões de gênero.

Em 1998, Márcia Barbosa, uma jovem negra nascida em Cajazeiras (PB), foi assassinada na cidade de João Pessoa/PB pelo então deputado estadual Aércio Pereira de Lima.

Apenas em 2007, foi sentenciado a 16 anos de reclusão pelo cometimento dos delitos previstos no art. 121, §2º, incisos II e III, e no art. 211, ambos do Código Penal.

Aércio Lima recorreu em liberdade contra a condenação, mas o recurso ainda estava pendente quando o ex-deputado faleceu em 2008. Ou seja, foi condenado, porém não foi preso.

A impunidade ao longo desse tempo foi fortalecida pela imunidade parlamentar, além do fato de que outras quatro pessoas suspeitas de envolvimento nunca foram formalmente acusadas.

Em decisão histórica, a Corte observou que os estereótipos de gênero e os preconceitos pessoais dos investigadores influenciaram diretamente suas conclusões sobre os crimes, o que fez com que fosse colocada em dúvida a credibilidade de Márcia como vítima.

Audiência na Corte IDH sobre o caso Márcia Barboza de Souza. Texto: Conheça o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero.
Audiência na Corte IDH sobre o caso Márcia Barboza de Souza. Imagem: Rede Brasil Atual.

Reconheceu, ainda, que a violência contra as mulheres no Brasil é um problema estrutural e na sentença incluiu uma série de medidas de reparação integral, inclsuive a exigência de implementação de um protocolo nacional para investigação de feminicídios.

A produção do texto final do protocolo teve como referência o Protocolo para Juzgar con Perspectiva de Género, concebido pelo Estado do México após determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Essa é mais uma das medidas para atenuar a desigualdade e violência contra a mulher refletida no Poder Judiciário.

Saiba sobre: Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos.

Resolução CNJ n. 492/2023: da recomendação à obrigatoriedade do Protocolo

Inicialmente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Recomendação n. 128/2022, para que os órgãos do Poder Judiciário adotassem o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. O caráter obrigatório das diretrizes, no entanto, somente surgiu por meio da Resolução nº 492 do CNJ, publicada no dia 17 de março de 2023.

Esse documento institui a obrigatoriedade dos tribunais, em colaboração com as escolas da magistratura, promover capacitação de magistrados e magistradas, relacionada a direitos humanos, gênero, raça e etnia a partir da perspectiva interseccional.

Os cursos devem ser disponibilizados com periodicidade mínima anual. De acordo com Resolução, a capacitação constará nos regulamentos para concessão do Prêmio CNJ de Qualidade.

Além disso, criou-se o Comitê de Acompanhamento e Capacitação sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero no Poder Judiciário e o Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.

O Comitê de Acompanhamento e Capacitação sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero acompanha o cumprimento da resolução, a elaboração de estudos e proposição de medidas destinadas ao aperfeiçoamento do sistema de justiça, também em perspectiva interseccional.

Segundo a desembargadora e ex-conselheira do CNJ Salise Monteiro Sanchotene, o Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário objetiva alcançar a paridade na participação institucional feminina no Poder Judiciário mediante criação de instrumentos normativos para fomentá-la.

Imagem de Salise Monteiro Sanchotene.
Salise Monteiro Sanchotene. Imagem: Pedro França/Agência Senado.

Outrossim, a Resolução orienta que cabe aos tribunais providenciar mecanismos para facilitar o acesso ao Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero ao público interno e externo mediante QRCode, link ou outro recurso de comunicação social nas dependências do tribunal, no sítio do tribunal e na sua intranet.

Banco de sentenças e decisões com perspectiva de gênero

Importante passo para a publicidade das decisões orientadas pelo Protocolo foi a criação do Banco de Sentenças e Decisões, cuja finalidade é auxiliar a implementação da Resolução CNJ n. 492/2023 e ampliar o acesso à justiça para meninas e mulheres.

Esse instrumento é também destinado a avaliar a eficácia do Protocolo, comparar as decisões com as de outros países e propor melhorias.

Vale mencionar que uma das críticas direcionadas ao painel se refere à concentração em violência doméstica, familiar e litígios trabalhistas de danos morais e assédio sexual. A falta de outras temáticas enfatiza a necessidade de expandir a variedade de casos abordados.

Ainda assim, o sistema contém amplo repositório de julgamentos, que pode ser facilmente acessado. Os primeiros cadastramentos foram realizados pelo CNJ, mas, na sequência, passou a ser realizado pelo Tribunal ou Conselho ao qual está vinculado o emissor da decisão.

Cada órgão tem o papel de signar responsáveis para o cadastramento, os quais utilizarão a senha única do órgão, informarão seus dados básicos (nome, CPF, lotação) e fornecerão os dados relativos a cada sentença ou decisão. Destaca-se que os dados cadastrais da pessoa que alimenta o banco ficarão reservados apenas para eventual consulta pelo CNJ, em caso de necessidade.

Acesse aqui: Banco de Sentenças e Decisões com aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero.

Agora que você sabe mais sobre o Protocolo, o que acha dele? Quais medidas poderiam fortalecê-lo? Conta para a gente nos comentários!

Referências

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Novaes, Ana. Conheça o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Politize!, 25 de outubro, 2024
Disponível em: https://www.politize.com.br/julgamento-com-perspectiva-de-genero/.
Acesso em: 21 de nov, 2024.

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