Talvez você já tenha ouvido falar a respeito da Jurisprudência, afinal, esse é um termo bem comum dentro do Direito. Mas pode ser que você não tenha compreendido o seu significado de forma clara e completa. Isso acontece por que muitas vezes o “juridiquês” acaba atrapalhando nossa compreensão do que conhecemos do Poder Judiciário.
Mas nesse texto, o Politize! vai te explicar de forma simples e objetiva o que é a tal da Jurisprudência, que tem se tornado cada dia mais relevante no Ordenamento Jurídico Brasileiro e mundial. Acompanha aí!
O que é a jurisprudência?
Jurisprudência é o conjunto de decisões judiciais em um mesmo sentido proferida pelos tribunais. Vamos fazer uma análise mais profunda de cada um desses termos expressos e destacados.
Começando por conjunto: implica necessariamente em uma variedade, pluralidade de decisões. Ou seja, havendo uma única decisão, não há o que se falar em jurisprudência. No caso de haver uma única decisão judicial a respeito de um tema, podemos dizer que há um precedente judicial, que muitas vezes não gera grandes efeitos na órbita jurídica.
Decisões judiciais: uma decisão é o fruto do processo judicial, proferida pelo Magistrado após a resolução de um caso. Serve para pacificar os conflitos, com conteúdo decisório que, como resultado, produz uma sentença. Pode condenar ou absolver o réu e reconhecer ou não o direito do reclamante. Neste caso entendemos decisão judicial em sentido amplo, ou seja, a sentença que estabeleça um sentido sobre determinada matéria.
Mesmo sentido: como já observamos, para que haja uma jurisprudência é necessário que haja um conjunto de decisões judiciais, mas não basta que estas sejam sobre a mesma matéria, é preciso que sejam em um mesmo sentido, para que se estabeleça uma jurisprudência uniforme. De contrário, caso decisões apontem em sentidos diferentes, haverá insegurança jurídica.
Por exemplo: suponhamos que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou o município de Nova Iorque a fornecer determinado medicamento a um paciente.
Meses após, outro paciente, dessa vez de outro município recorreu ao TJ-SP para que condenasse o município a fornecer o mesmo medicamento que estava em falta no sistema de saúde municipal. Novamente os desembargadores do tribunal aceitam o pedido do reclamante e condenam o município ao fornecimento da droga.
Observe que já podemos visualizar duas decisões do mesmo tribunal que em situações semelhantes decidiu da mesma forma, no mesmo sentido, de obrigar o governo municipal a fornecer aquele determinado farmacêutico.
Agora utilizando do mesmo exemplo, imaginem que o primeiro caso vai parar no Superior Tribunal de Justiça, e o STJ por meio de uma de suas turmas concede ao primeiro paciente direito ao medicamente e impõe ao governo municipal a compra do remédio.
Posteriormente o segundo paciente também recorre ao STJ para que ele se manifeste a respeito do seu caso, solicitando que condenasse o município o fornecimento da droga, e desta vez, uma outra turma de ministros não reconhece o direito ao medicamento, eximindo o município da obrigação de fornecer. Observe que o mesmo Tribunal se pronunciou de forma diferente em casos semelhantes, sendo assim, não há o que se falar em Jurisprudência.
Nestes casos meramente hipotéticos, não considere o mérito da questão, são apenas para exemplificar o processo de consolidação de jurisprudência.
Tribunais: a jurisprudência só pode advir de Tribunais, especialmente os superiores como STJ, TST, TSE, STM e STF, não podendo juízes de primeiro grau firmarem jurisprudência. Afinal, a jurisprudência serve para que não haja entendimentos diversos provenientes de um mesmo tribunal, causando insegurança jurídica.
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Jurisprudência por que e para que?
Para entendermos a importância da Jurisprudência, é preciso que conheçamos dois sistemas básicos que praticamente dividem o mundo jurídico em todo o globo: o Civil Law e o Common Law.
A tradição jurídica brasileira, devido a nossa colonização, deriva do sistema Romano-Gêrmanico, que também é adotado por toda a Europa, excluindo-se o Reino Unido. Esse sistema é chamando de “Civil Law“, uma expressão em inglês que significa que a lei prevalece dentro do Ordenamento Jurídico, é a mais importante fonte do Direito e o princípio de todo o sistema legal. Nesse sistema, a Jurisprudência existe, mas assim como as outras fontes do Direito, exerce um papel subsidiário como fonte do Direito.
Por outro lado, temos o sistema que é adotado pelos Estados Unidos, Austrália e Reino Unido, chamado de “Common Law“, que representa uma outra perspectiva acerca da lei e da jurisprudência. Nesse sistema a lei é só mais uma fonte do Direito dentre as demais, e as decisões judiciais serão firmadas de acordo com casos passados (jurisprudência).
Se você já assistiu alguma das séries americanas como The Good Wife ou Suits, certamente já percebeu que frequentemente os advogados americanos utilizam casos passados para defender seu cliente. Afinal, nesse sistema, as decisões valem tanto e, dependendo, até mais que a própria lei.
Mas onde entra a Jurisprudência brasileira nesse contexto?
Uma tendência mundial tem levado os países de “Civil Law” a darem maior relevância ao entendimento judicial acerca da lei. Isso tem elevado o papel do Juiz dentro do Judiciário, que agora não é mais um mero interpretador da lei, mas sim uma figura central dentro do ordenamento jurídico.
Uma frase que reflete um pouco dessa ideia foi dita pelo ex Chefe de Justiça da Suprema Corte Americana, cargo que corresponde ao Presidente do Supremo Tribunal Federal;
“A constituição americana é o que a Suprema Corte diz que ela é”
“The Constitution means what the Supreme Court says it means.”
Chief Justice Charles Evans Hughes
Embora os países que adotam o sistema em que a lei é a principal fonte do Direito continuem com a primazia da lei escrita, a jurisprudência tem se tornado cada dia mais relevante, firmando entendimentos e conduzindo as decisões judiciais por todo o mundo.
Podemos observar no seguinte exemplo onde mesmo na Alemanha, país que adota o sistema de “Civil Law” o Ex-Presidente do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha e depois Presidente da República Federal da Alemanha ressaltou o protagonismo da Jurisprudência do TCF para o Direito Constitucional Alemão:
“O direito constitucional alemão era constituído, com a entrada em vigor da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha em 1949, por [seus] 146 artigos; hoje, 40 anos depois, ele constitui-se de aproximadamente 15 a 16.000 páginas publicadas de decisões jurisdicionais constitucionais”.
Ex-Presidente do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha – ROMAN HERZOG
Mas por que isso vem acontecendo?
As normas jurídicas são compostas por princípios e regras. Os princípios por sua vez tendem a possuir conceitos mais amplos, abertos, as vezes até vago e muito passível de interpretações variadas, e por isso são constantemente questionados.
As regras, entretanto, possuem um caráter mais fechado, incisivo e direto. Normalmente vão dizer o que pode, o que não pode e como pode ser feito. Embora sejam de mais fácil aplicação, também podem gerar debates e questionamentos entre os juristas.
Além da real aplicação de princípios e regras, pode ocorrer conflitos entre as normas, cabendo ao Judiciário a resolução de todas essas questões. Isso contribuiu para que o Juiz se tornasse cada vez mais influente no ordenamento jurídico.
Importante ressaltar que a Jurisprudência é abstrata, afinal, é o fruto de um entendimento majoritário de um tribunal. Não é possível identificar a jurisprudência através de um enunciado ou julgamento, é necessário que hajam vários “precedentes” de forma que se consolide o entendimento jurisprudencial.
Formada uma Jurisprudência o que acontece?
Após um Tribunal estabelecer o seu entendimento majoritário sobre alguma matéria, todos os demais julgadores passarão a invocar essa jurisprudência para firmar seu entendimento no mesmo sentido em questões semelhantes. Certamente será utilizado pelos advogados se lhes favorecer.
O lado bom da jurisprudência é a segurança jurídica propiciada através da utilização desse mecanismo, afinal, como já citamos, a lei pode admitir mais de uma interpretação. Sendo assim, os julgadores terão maior confiança na sentença que estão proferindo pois é compartilhada por outros, e os julgados já terão previa de noção de como será o possível desfecho do caso.
Jurisprudência X Súmula
Observem a redação do seguinte artigo do Código de Processo Civil:
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente
§1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão súmulas correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.
O art. 926 do CPC traz consigo a súmula, e a sua definição está no §1º. Tendo em vista que a jurisprudência é abstrata, a súmula surge para corrigir isso, e concretizar a jurisprudência em enunciados que revelem qual é o entendimento de um determinado tribunal. Nada mais é que a Jurisprudência formalizada, concretizada e enunciada.
As súmulas, assim como a Jurisprudência é uma orientação, e não obriga todos os juízos a seguirem o entendimento majoritário, podendo muito bem o Julgador discordar e fundamentar em sua sentença o porquê de discordar daquele entendimento. Entretanto, há uma espécie de súmula que obriga todos a seguirem sua orientação, é a famosa súmula vinculante
Essa súmula, que só pode ser editada pelo Supremo Tribunal Federal, carrega esse nome pois tem exatamente esse efeito: vincula todos os juízes e tribunais a seguirem o enunciado da súmula. Caso alguém não siga a orientação de súmula vinculante, cabe reclamação constitucional, um instrumento que vai pacificar o caso provavelmente derrubando a sentença em que não se observou o entendimento do STF.
Vamos dar uma olhada em como funcionam as súmulas vinculantes na prática:
Alguns municípios brasileiros começaram a editar leis municipais fixando o horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, a depender da cultura local. Entretanto, alguns comerciantes e demais insatisfeitos começaram a entrar na Justiça solicitando que as referidas leis fossem derrubadas, afinal, não seria competência do município tratar do tema.
O Supremo Tribunal Federal então editou a seguinte Súmula vinculante de nº 38: É competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial. Ou seja, após a edição da súmula, não cabe mais quaisquer dúvidas sobre a competência dos municípios de estipularem seu horário comercial. Sendo assim, caso alguém entre na Justiça, questionando uma lei municipal por tratar do horário comercial, o Juiz, por vinculação obrigatória deverá firmar o mesmo entendimento e reconhecer a legitimidade do município para tal exercício.
Agora observe o art. 927 do CPC que trata daquilo que acabamos de ver:
Art. 917. Os juízes e os tribunais observarão:
I- as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II- os enunciados de súmula vinculante;
Mesmo as demais súmulas e jurisprudência não possuindo esse efeito vinculante, o praxe é que se siga o entendimento majoritário. Afinal, suponha-se que um Juiz de 1º grau não siga a orientação jurisprudencial do seu tribunal de justiça ou do STJ, por exemplo.
A parte que poderia ser beneficiada caso a jurisprudência fosse observada certamente questionará a decisão, fazendo com que o processo caminhe para o Tribunal de Justiça e posteriormente para o Superior Tribunal de Justiça. Chegando-lá, o mais provável é que o Tribunal tome uma decisão que vá de encontro com o que foi estabelecido por ele mesmo. Caindo assim, a decisão divergente.
E é por isso que os juízes e tribunais tendem a acatar as decisões majoritárias. Entretanto, em países que adotam o sistema de “Common Law” a jurisprudência, mesmo que não expressa em súmula, é praticamente vinculante, fazendo com que os julgados já tenham seu desfecho acertado antes mesmo do processo.
Alguns críticos afirmam que a Jurisprudência provoca o engessamento das decisões judiciais, e esse é de fato um reflexo direto dessa fonte do Direito. Entretanto, entendimentos sempre podem ser alterados, assim como a própria legislação, para que não se paire dúvida a respeito da vontade do Legislador, que deve sempre prevalecer.
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REFERÊNCIAS
Conjur (A Constituição do povo e sua afirmação popular)
Sajadv (Jurisprudência e Advocacia)
Migalhas (Precedente jurisprudencial)