Justiça Militar: como os militares são punidos no Brasil?

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No Brasil, a Justiça Militar é algo que, infelizmente, não é de conhecimento geral. Diferente da Justiça do Trabalho ou da Justiça Eleitoral, que são mais recorrentes nas grandes mídias, esta justiça – tão importante quanto as demais – parece não ganhar tanto destaque.

Alguma vez você já se perguntou como um militar é punido nos casos de transgressões ou crimes militares? É disso que falaremos nesse texto! Vamos lá?

Como funciona a Justiça Militar?

Antes de tudo, para que você entenda como um militar é punido, é preciso entender que a Justiça Militar é um órgão do Poder Judiciário que desempenha suas atividades nos âmbitos da União (federal) e dos Estados-membros (estadual).

A Justiça Militar da União julga os crimes militares praticados por integrantes das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) e, também, os civis que eventualmente praticarem crimes militares.

Texto: Justiça Militar: como os militares são punidos no Brasil?
Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil (Reprodução)

Por seu turno, a Justiça Militar Estadual é a competente para processar e julgar os crimes militares praticados por integrantes das Polícias Militares Estaduais e, também, Bombeiros Militares.

É isso que encontramos nos arts. 122 e 124 da Constituição Federal:

Art. 122. São órgãos da Justiça Militar:

I – o Superior Tribunal Militar;

II – os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei.

Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.

Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar.

Como veremos no tópico seguinte, há todo um estudo para a caracterização do chamado “crime militar”. Todavia, o que você precisa entender, neste momento, é a estrutura da Justiça Militar.

A Lei n.º 8.457/92, que organiza a Justiça Militar da União, estabeleceu no território nacional 12 (doze) circunscrições judiciárias (isto é, os “territórios” de atuação), a saber:

Art. 2° Para efeito de administração da Justiça Militar em tempo de paz, o território nacional divide-se em doze Circunscrições Judiciárias Militares, abrangendo:

a) a 1ª – Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo;

b) a 2ª – Estado de São Paulo;

c) a 3ª – Estado do Rio Grande do Sul;

d) a 4ª – Estado de Minas Gerais;

e) a 5ª – Estados do Paraná e Santa Catarina;

f) a 6ª – Estados da Bahia e Sergipe;

g) a 7ª – Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas;

h) a 8ª – Estados do Pará, Amapá e Maranhão;

i) a 9ª – Estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso;

j) a 10ª – Estados do Ceará e Piauí;

l) a 11ª – Distrito Federal e Estados de Goiás e Tocantins;

m) a 12ª – Estados do Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia.

Sendo que esta estrutura é aquela em atuação durante tempo de paz, já que, em tempo de guerra, há outra estrutura.

Nesta justiça especializada, assim como nas outras, temos duas instâncias (em respeito ao duplo grau de jurisdição previsto no art. 5º, XXX, da CF/88).

A primeira instância da Justiça Militar da União é composta pelas Auditorias Militares, e os recursos às decisões (segunda instância) são remetidos diretamente para o Superior Tribunal Militar (STM).

Na Justiça Militar Estadual, o primeiro grau também é composto pelas Auditorias Militares, contudo, em caso de recursos, esses são direcionados ao Tribunal de Justiça Militar. Mas vale destacar, nesse ponto, que não são todos os Estados que possuem um Tribunal de Justiça Militar próprio.

Atualmente, apenas São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul é que possuem Tribunais de Justiça Militares como órgão de segunda instância, pois foram os primeiros criados a partir do convênio entre União e Estados para reorganização das polícias militares e das justiças militares estaduais em 1936.

Para as outras Unidades Federativas que não têm um TJM, o segundo grau é exercido pelo próprio Tribunal de Justiça Comum (o mesmo em que são julgadas causas cíveis, por exemplo), afinal, não podemos ficar sem o segundo grau, certo?

Melhor ilustrando:

Texto: Justiça Militar: como os militares são punidos no Brasil?
Organograma do Poder Judiciário. Imagem: Justiça Federal em Alagoas.

Crime Militar x Transgressão Disciplinar

O crime militar é uma infração penal específica definida pelo Código Penal Militar (CPM). Ele pode ser cometido por militares das Forças Armadas, por militares estaduais e até mesmo por civis.

De acordo com Assis apud Santos (2018, p. 58), “crime militar é toda violação acentuada ao dever militar e aos valores das instituições militares. Distingue-se da transgressão disciplinar porque esta é a mesma violação, porém na sua manifestação elementar e simples”.

Apesar das controvérsias envolvendo a definição de crime militar, o que você precisa saber é que serão crimes militares todos aqueles constantes do art. 9º, do CPM (o critério “ratione legis” é mais adotado e, por isso, será crime militar o que a lei definir como tal).

Mas vale dizer que há, doutrinariamente, a diferenciação de crimes militares próprios e impróprios. Gilmar Santos explica que o crime militar próprio (ou propriamente militar) é o delito previsto somente no Código Penal Militar e que pode ser cometido apenas pelo militar (com exceção do crime de insubmissão, cujo sujeito ativo pode ser um civil).

Por outro lado, o crime militar impróprio (ou impropriamente militar) é o delito tipificado tanto no Código Penal Militar quanto na Legislação Penal Comum, mas que se torna militar por se enquadrar em alguma das hipóteses previstas no art. 9º do Código Penal Militar.

Mas destaca-se que, independente da modalidade do crime militar (seja própria ou imprópria), caberá à organização militar exercer a polícia judiciária, e não a outro órgão civil (daí o porquê da justiça especializada).

Dito isso, importante destacar que, como explicado acima, o crime militar não se confunde com a transgressão disciplinar.

A transgressão disciplinar é uma violação de normas internas das instituições militares – o que não constitui crime. Essas transgressões são normatizadas pelos regulamentos disciplinares de cada força ou instituição militar e envolvem infrações não tão “graves”.

Por serem internas de cada órgão, as transgressões são julgadas no âmbito de cada um deles, ou seja, são dois processos diferentes: um processo judicial (para os crimes militares) e um processo administrativo (para as transgressões disciplinares).

É disso que falaremos a seguir!

Leia também: Quem comanda a Polícia Militar e quais são as suas funções?

Processo Judicial Militar

Nos casos de crime militar, procedemos ao processo judicial militar. Sem adentrar nos pormenores (já que são diversas as peculiaridades dos procedimentos legais), o processo se inicia a partir do indiciamento do militar acusado pelo Ministério Público Militar.

Em primeiro lugar, ainda na fase pré-processual, comunicada a ocorrência de um crime militar, dá-se início às investigações “preliminares” por meio do Inquérito Policial Militar (IPM). Neste momento, são realizadas diligências e oitivas para concluir se há infração disciplinar a punir ou, ainda, indício de crime.

O IPM termina com um relatório que é remetido, com seus autos, ao auditor da Circunscrição Judiciária Militar em que ocorreu a infração penal (isto é, o local). É o auditor, representante do Ministério Público, que deve oferecer a denúncia do militar.

Oferecida a denúncia pelo promotor e recebida pelo juiz, instaurado estará o processo judicial militar – contudo, é preciso destacar que este é o procedimento “comum”. Há alguns crimes que exigem procedimentos específicos e, portanto, o procedimento deve ser outro.

O objetivo, aqui, não é esgotar todas as peculiaridades do processo judicial militar. O ideal é que você entenda quem faz o quê e como funciona, de modo geral, a chamada persecução penal (persecutio criminis).

Em suma, há uma fase pré-processual de investigação e, somente ao término dela, o promotor de justiça, representando o Estado (Ministério Público) é que formaliza a denúncia do militar, sendo que o processo em si só tem início com o recebimento desta denúncia pelo juiz.

Note que são diversas fases até que o processo penal seja oficialmente instaurado, e esses procedimentos se assemelham, na prática, ao processo penal comum (não militar).

Saiba mais sobre Inquérito Policial aqui!

Processo Administrativo Disciplinar Militar

No sentido do que explicamos, o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) representa o poder da Administração Pública (Estado) de punir servidores que descumprem normas internas, vez que é instaurado para apurar transgressões disciplinares. Souza (2022, p. 4) explica:

O militar, com sua subordinação estatutária, está ligado diretamente à Administração Pública. E assim, sujeita-se, consequentemente, ao PAD para apuração de faltas cometidas. A transgressão disciplinar não está ligada propriamente a uma conduta tipificada como crime militar, mas não se afasta do crivo do poder disciplinar da Administração, isto é, não deixa de ser passível de punição ao agente.

Não há uma norma geral dos PADs, dado que são conduzidos internamente pela própria instituição militar e seguem os regulamentos disciplinares específicos. Mesmo não havendo regra geral, os princípios que norteiam o procedimento na esfera administrativa são similares aos do processo judicial: devido processo legal, contraditório e ampla defesa, impessoalidade, razoabilidade e proporcionalidade etc.

Em linhas gerais, o procedimento inclui a instauração de sindicância ou inquérito em que são coletadas provas e ouvidas as partes e, ao final, a autoridade competente decide sobre a aplicação da sanção disciplinar (que, novamente, não se confunde com as pena dos crimes militares).

Sanções Disciplinares e Penas Militares:

De forma objetiva, as sanções disciplinares são aquelas aplicáveis nos processos administrativos e, por isso, incluem:

  • Repreensão;
  • Advertência;
  • Detenção;
  • Cassação da aposentadoria; e
  • Demissão do militar.

No âmbito judicial, as penas dos crimes militares podem ser, nos termos do art. 55, do CPM, de:

  • Impedimento;
  • Prisão;
  • Detenção;
  • Reclusão; e
  • Morte.

Sim, no Direito Militar existe pena de morte! Mas, reiteramos que a aplicação do tipo de sanção ou pena depende da gravidade da conduta praticada (afinal, como dito, a punição há de ser razoável e proporcional à conduta).

Reflita sobre os Argumentos contra e a favor da pena de morte no Brasil.

Conclusão

A Justiça Militar no Brasil possui uma estrutura complexa e especializada para garantir a disciplina e a hierarquia nas instituições militares. Entender o funcionamento dos processos administrativos e judiciais, bem como as diferenças entre crimes militares e transgressões disciplinares, é fundamental para quem atua ou estuda nessa área. A aplicação das sanções e penas visa manter a ordem e o funcionamento adequado das forças militares, preservando seus valores e princípios.

E aí, entendeu como funciona a Justiça Militar no Brasil? Deixe suas dúvidas nos comentários!

Referências:

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Conteúdo escrito por:

Rafaela Linhares

Advogada paulista, apaixonada pela escrita, que também se dedica à redação e revisão de conteúdo. Acredito que somente por meio da educação é que construiremos uma sociedade cada vez mais justa e consciente. Meu propósito é tornar o conhecimento jurídico acessível a todas as pessoas e, por isso, me interesso por estudos atrelados ao Direito, à linguagem e à comunicação.
Linhares, Rafaela. Justiça Militar: como os militares são punidos no Brasil?. Politize!, 24 de janeiro, 2025
Disponível em: https://www.politize.com.br/justica-militar/.
Acesso em: 28 de jan, 2025.

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