Dando continuidade à nossa trilha de conteúdos, neste texto aprofundaremos sobre as diferenças nos três níveis do poder legislativo, passando pelas funções de cada uma das partes (federal, estadual e municipal).
Que tal conferir esse assunto tão relevante para todos os cidadãos brasileiros?
Esse é o terceiro de sete conteúdos. Confira os demais posts desta trilha:
- Eficiência Legislativa: o que é e sua importância
- Como funciona o poder legislativo?
- Você está aqui
- Como é a tramitação de uma lei
- Entrevista com especialistas: o Poder Legislativo é eficiente?
- Como é a eficiência legislativa em outros países?
- O sistema legislativo brasileiro em números
A tripartição dos poderes públicos
Historicamente, é atribuída a Charles-Louis de Secondat, amplamente conhecido como Barão de Montesquieu, a necessidade de separação dos poderes públicos para o pleno funcionamento de um regime político.
A partir das inúmeras ideias apresentadas em sua obra O Espírito das Leis, Montesquieu estabeleceu um profundo e extenso eixo de estudos. Nesse sentido, a separação dos poderes públicos aparece como uma ferramenta imprescindível para que um sistema político não se torne disfuncional e incapaz de cumprir as suas reais obrigações para com o povo.
No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 assegura a existência de tais poderes em seu artigo 2º, ao estabelecer que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (Brasil, 1988).
Além disso, a separação dos Poderes estão garantidas na Constituição como cláusulas pétreas, ou seja, é um dispositivo constitucional que não pode ser alterado nem mesmo por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Dessa forma, compreende-se que a Constituição busca resguardar, sobretudo, o exercício do Estado Democrático de Direito através da definição de limites entre as competências de responsabilidade de cada um dos poderes públicos da República Federativa do Brasil.
E além da questão da tripartição de poderes, também observamos 3 níveis de atuação desses poderes: o federal, o estadual e o municipal. Isso acontece devido ao modelo Federativo que adotamos.
E por que o Brasil é uma Federação?
Nesse ponto, cabe destacar que a extensão do território brasileiro é a principal justificativa para a sua condição federada.
Devido às suas dimensões continentais (mais de 8,5 milhões de km², o equivalente a 92 vezes o território de Portugal), a administração pública completa de todo o território brasileiro só é possível por meio da divisão de responsabilidades e competências aos diferentes entes federados, que devem atuar conjuntamente para o cumprimento dos objetivos fundamentais da República Brasileira, definidos pelo artigo 3º da Constituição Federal:
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (Brasil, 1988)
Em seu artigo 18, a Constituição ainda estabelece que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil é composta pela União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, definindo as suas principais particularidades e configurando suas atribuições no âmbito da administração pública brasileira. Desse modo, é fundamental percebermos que o Estado brasileiro é composto por seus entes federativos, os quais possuem, cada um, certo grau de autonomia em relação aos demais.
O Poder Legislativo no Brasil
O Poder Legislativo é um dos alicerces do Direito Público brasileiro. Este poder é regido pelos princípios da soberania popular e da representação, conforme definido pelo parágrafo único do artigo 1º do texto constitucional, que dispõe que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” (Brasil, 1988).
Nesse sentido, é importante destacar o que expressa o artigo 14 da Constituição Federal, que nos diz que:
“A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular.”
Assim, podemos perceber que a legislação brasileira, já em sua Carta Magna, defende a participação popular nas atividades políticas do país. As três ferramentas desse trecho da Constituição expressam alguns dos mecanismos existentes para que os cidadãos se envolvam na tomada de decisões na esfera pública.
No entanto, além desses instrumentos (voto periódico, plebiscitos, referendos e projetos de leis de iniciativa popular), existem outros mecanismos práticos de participação política dos cidadãos. Entre eles, destacamos as audiências públicas, os conselhos deliberativos, as associações comunitárias, o acesso à informação e as interações entre cidadãos e Estado promovidas por diversos portais virtuais, como o e-Cidadania (Senado Federal) e o e-Democracia (Câmara dos Deputados).
O processo legislativo brasileiro
Como já vimos, as leis expressam um instrumento importante na regulação da vida das pessoas em sociedade e do funcionamento do Estado. Mas entender o processo legislativo em si é tão fundamental quanto as leis elaboradas, já que ele representa a oportunidade de que diversas demandas dos setores sociais sejam colocadas em pauta e debatidas pelos parlamentares.
Desse modo, antes que essas demandas e outras matérias legislativas se tornem atos normativos, elas tramitam nas Casas Legislativas de cada um dos entes federados:
- No nível federal, esse processo ocorre no Congresso Nacional;
- No nível estadual, nas Assembleias Legislativas (no caso do Distrito Federal, na Câmara Legislativa do Distrito Federal);
- No nível municipal, nas Câmaras Municipais.
É importante destacar que cada um dos entes federados dispõe de certo grau de autonomia em relação aos demais para o cumprimento de suas competências legislativas. Nesse caso, como resguarda a Constituição Federal, cada ente possui competências privativas (exclusivas de sua responsabilidade) e competências concorrentes (compartilhadas com outros entes), por meio das quais se organiza o processo legislativo brasileiro.
As principais etapas do processo legislativo brasileiro
O processo legislativo brasileiro é composto por um conjunto de etapas que dão legitimidade às propostas apresentadas nos parlamentos para que se tornem leis ou atos normativos válidos.
A primeira etapa é a da iniciativa, na qual os parlamentares devem apresentar as propostas elaboradas para a Mesa Diretora da Casa Legislativa em questão. Quando as propostas são aceitas, elas são enviadas para as Comissões Temáticas, as quais são compostas por grupos de parlamentares que farão a análise das matérias conforme seus temas.
Em seguida, ocorre a discussão, momento em que se deve buscar expandir a compreensão das propostas para além das paredes do plenário das Casas Legislativas, de forma a permitir o envolvimento da maior parcela possível da sociedade civil em sua construção. Durante o processo, as propostas podem receber emendas para que sejam adicionadas às matérias enquanto tramitam nas Casas Legislativas, o que ocorre antes da votação em plenário.
Após a inserção das emendas e a votação em plenário, se as propostas forem aprovadas, elas passam para a fase de sanção pelo Poder Executivo. Se não forem aprovadas em plenário, as propostas são arquivadas. No entanto, se forem aprovadas pelo plenário, o Poder Executivo pode, por sua vez, sancioná-las (e, posteriormente, promulgá-las) ou vetá-las. Mas, quando aprovadas pelo Legislativo e vetadas pelo Executivo, as propostas ainda podem ser promulgadas por atos próprios do Legislativo. Após a promulgação, os atos normativos devem ser publicados nos meios oficiais (como o Diário Oficial) para que possam começar a valer.
Poder Legislativo: nível federal
No Brasil, a instituição social e politicamente legitimada para o exercício do Poder Legislativo no nível federal é o Congresso Nacional. O Congresso é um órgão bicameral, ou seja, um parlamento formado por duas Casas Legislativas: a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, os quais detém, em conjunto, a responsabilidade de elaborar a legislação federal.
Câmara dos Deputados
Em primeiro lugar, a Câmara dos Deputados é consagrada como a câmara baixa (ou câmara inferior) do sistema parlamentar brasileiro e agrega os Deputados Federais (ao todo, 513 por legislatura), eleitos para um mandato de quatro anos por eleições proporcionais, nas quais o voto do eleitor prioritariamente vai para o partido do candidato.
Entre as suas principais características, pode-se destacar a sua proximidade com os anseios dos cidadãos. No contexto popular brasileiro, a Câmara dos Deputados é, em sua essência, a casa do povo, na qual as demandas diretas e de competência federal são inicialmente encaminhadas para o debate público.
Senado Federal
Em segundo lugar, o Senado Federal é consagrado como a câmara alta (ou câmara superior) do sistema parlamentar brasileiro. É composto por 81 Senadores a cada legislatura, os quais são eleitos para um mandato de oito anos a partir de eleições majoritárias, nas quais são eleitos aqueles que têm mais votos (o voto do eleitor vai para o candidato, e não para o partido).
Além disso, o preenchimento das vagas no Senado Federal ocorre em 1/3 e 2/3 a cada eleição, renovando parcialmente seus membros. Essa modalidade eletiva reforça seu caráter essencial, que é o de atuar como revisor mais afastado das vontades populares, a fim de agir com mais precisão técnica e estando menos sujeito às possíveis imprecisões dos anseios populares.
Sendo assim, por meio de projetos legislativos que serão apreciados em plenário pelos parlamentares, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal compartilham a responsabilidade de propor: Emendas à Constituição Federal; Leis Ordinárias, Complementares e Delegadas; Decretos Legislativos; além de outros atos normativos internos, como Regimentos, Resoluções e Portarias.
Além disso, existem matérias legislativas federais que precisam passar pelo crivo do Poder Legislativo, mas que são originadas no Poder Executivo (o que também se repete nos âmbitos estadual e municipal). É o caso das Leis Orçamentárias (Planos Plurianuais, Leis de Diretrizes Orçamentárias e Leis Orçamentárias Anuais), das Medidas Provisórias, dos Decretos Legislativos e dos Projetos de Leis.
Após promulgados os atos normativos de competência federal, a sua publicação deve ocorrer no Diário Oficial da União para que sejam vigentes.
Poder Legislativo: nível estadual
Nos Estados brasileiros, a legitimidade para o exercício do Poder Legislativo é conferida às Assembleias Legislativas (no caso do Distrito Federal, a Câmara Legislativa do Distrito Federal). Fazem parte desses órgãos os deputados estaduais/distritais, eleitos periodicamente para um mandato de quatro anos por eleições proporcionais.
São objetos de legislação de competência dos Estados federados: Emendas à Constituição Estadual; Leis Ordinárias, Complementares e Delegadas; Decretos Legislativos; e, assim como no âmbito federal, outros atos normativos internos, direcionados ao próprio funcionamento das Casas Legislativas.
O texto legislativo mais importante no nível estadual é a Constituição Estadual, um documento que estabelece as competências de definição de normas gerais, preenchendo as lacunas deixadas pela Constituição Federal. Ainda assim, esta última serve como Carta Maior e que deve ter as suas definições respeitadas.
Após promulgados os atos normativos na esfera estadual, estes devem ser publicados nos Diários Oficiais dos estados para que tenham a sua vigência iniciada.
Poder Legislativo: nível municipal
Na esfera municipal, as Câmaras Municipais são as instituições para o exercício das funções legislativas do Estado. Os vereadores, representantes eleitos pelos cidadãos por eleições proporcionais a cada quatro anos, são os responsáveis pela atuação legislativa e a fiscalização no município.
Esses parlamentares legislam por meio da proposição de: Emendas à Lei Orgânica Municipal; Leis Ordinárias e Complementares; Decretos Legislativos; Requerimentos, Recursos e Indicações Legislativas; Moções; além de outros atos normativos que também regulam o funcionamento interno das Casas Legislativas.
Cada um dos mais de cinco mil municípios brasileiros é regido por uma Lei Orgânica própria, que é apresentada como um documento jurídico contendo determinações legislativas que servem de base para o funcionamento e para a organização político-administrativa nas cidades. Esse é o texto que preenche as lacunas legislativas deixadas pelas Constituições Federal e Estadual, estando mais próximo da realidade local.
Após os atos normativos de competência municipal serem promulgados pelo Poder Público, devem ser publicados nos Diários Oficiais dos Municípios para que a sua vigência tenha validade.
Por que é importante entender as diferenças?
Como pudemos perceber, o Poder Legislativo tem uma enorme importância no contexto brasileiro. Dentre outros aspectos, a sua existência é baseada na ideia de que a vida em sociedade precisa ser regida por leis que sejam válidas para todos e que sejam guiadas pela vontade geral, como atesta Jean-Jacque Rousseau.
Dessa forma, entender a estrutura e o funcionamento do processo legislativo brasileiro é uma atitude civil de responsabilidade de todos os cidadãos. Essa compreensão é importante para buscarmos garantir que o Estado se torne cada vez mais democrático e permitir que o país avance em direção à redução dos problemas presentes nas diferentes realidades da população, fazendo a valer a máxima constitucional de que todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido.
E aí, compreendeu as diferenças entre o legislativo federal, estadual e municipal? Deixe suas dúvidas nos comentários!
Referências:
- Brasil: Constituição Federal, 1988
- Charles-Louis de Secondat: O Espírito das Leis, 1996
- Jean-Jacques Rousseau: Do Contrato Social, 2014