Última atualização em 4 de outubro de 2019.
O Projeto de Lei 280/2016 promove mudanças na Lei 4.898/1965, que regula os crimes de abuso de autoridade. A proposta criou uma polêmica relacionada à Operação Lava Jato. Isso porque ela daria margem para limitar o trabalho de agentes da Justiça. Contudo, acaba de ser aprovada na Câmara de Deputados e aguarda a sanção do presidente da república. Sendo assim, o que diz a nova proposta para a legislação sobre abuso de autoridade?
O que se define por abuso de autoridade?
A lei atual, que data de 1965, define como abuso de autoridade qualquer forma de atentado a uma série de direitos do cidadão, quais sejam:
- liberdade de locomoção;
- inviolabilidade do domicílio;
- sigilo da correspondência;
- liberdade de consciência e de crença;
- livre exercício do culto religioso;
- liberdade de associação;
- direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;
- direito de reunião;
- incolumidade física;
- direitos e garantias assegurados ao exercício profissional.
O sujeito ativo do crime de abuso de autoridade – ou seja, quem comete o crime – é sempre uma pessoa no exercício de cargo, emprego ou função pública, mesmo que contratado para trabalho temporário e sem remuneração.
Um de muitos exemplos possíveis de abuso de autoridade é forçar alguém a dançar em uma abordagem policial – infelizmente, um caso real. Outro é coagir alguém a criar prova contra si mesmo. Qualquer ato em que o servidor público se utilizar indevidamente de suas prerrogativas enquanto agentes do Estado pode ser considerado abuso de autoridade.
As penas aos condenados por abuso de autoridade variam, mas em geral são leves: multa, detenção de 10 dias a 6 meses, ou, nos casos mais graves, perda do cargo e inabilitação para qualquer função pública por no máximo três anos.
Por que fazer uma nova lei de abuso de autoridade?
Desde 2009, o Senado discute a necessidade de atualização da legislação sobre o abuso de autoridade. Segundo especialistas, a lei de 1965 trata apenas genericamente desses crimes. Não há detalhes sobre suas diferentes formas, nem sobre quais penas devem ser aplicadas a cada caso. Na prática, a lei atual tem pouca força e não é aplicada adequadamente. Assim sendo, o novo projeto de lei acaba de ser aprovado pelo senado e aguarda a sanção do atual presidente, Jair Bolsonaro.
A proposta em discussão no Senado – feita em 2016 pelo então presidente da Casa, Renan Calheiros – procura superar esse problema de aplicabilidade. Para isso, especifica, em 30 artigos, diversos casos de abuso de autoridade. As penas para esses crimes variam de três meses a cinco anos de prisão, além de multas. Tanto Renan, quanto outras autoridades, como o ministro do Supremo Gilmar Mendes, defenderam que a nova legislação resguarda cidadãos comuns, que são os que mais sofrem com os abusos cotidianos cometidos por agentes públicos em todo o Brasil.
Veja alguns exemplos de crimes citados no PL 280/2016 no infográfico abaixo!
Que tal baixar esse infográfico em alta resolução?
Afinal, por que existe polêmica em torno do abuso de autoridade?
A maior crítica em relação ao projeto de Calheiros é que ele se deu em um momento suspeito. Com o avanço da Operação Lava Jato, autoridades públicas importantes figuraram em investigações criminais relevantes. A nova legislação dos crimes de abuso de autoridade teria como objetivo principal constranger juízes e procuradores de cumprir as funções que lhes são atribuídas por lei. Isso porque, em sua versão original, condenava juízes que adotassem interpretações diferentes da lei.
Se entrasse em vigor com esse dispositivo, a nova lei poderia colocar um freio nas investigações e condenações dessas e até de outras operações policiais que têm desmantelado grandes esquemas de corrupção no país, porque constrangeria juízes a se ater a interpretações menos diversificadas.
O juiz federal Sérgio Moro classificou o projeto como um “atentado à independência da magistratura“. Já o procurador federal Deltan Dallagnol, que também integra a força-tarefa da Lava Jato, classificou o projeto como “intimidação“.
Além disso, alguns juristas estranham a agilidade com que a proposta avançou no Senado. Em um primeiro momento, ela tramitou em caráter terminativo por uma comissão especial, de modo que seria aprovado sem análise em plenário. Mas, em meados de novembro, Renan marcou a apreciação da matéria diretamente no plenário, no dia 06 de dezembro. A mudança teria ocorrido porque o parecer da comissão era incerto, segundo o jornal Estado de São Paulo.
Ouvido pelo portal Nexo, o procurador regional da república Vladimir Aras afirmou que a revisão dos crimes de abuso de autoridade deve ser discutida com mais paciência. Ele observa que essa discussão já está sendo feita no contexto da atualização do Código Penal, em andamento desde 2012 no Congresso. Por isso, Aras foi, na época, contra a proposta de Renan.
Crime de responsabilidade para juízes e procuradores
Em paralelo ao projeto em tramitação no Senado, a Câmara também fez sua contribuição sobre o assunto. No projeto das 10 medidas contra a corrupção, os deputados incluíram dispositivo que prevê que juízes e procuradores federais são passíveis de responsabilização por abuso de autoridade. O projeto prevê punição a juiz que for “desidioso” no cumprimento do cargo ou que “proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções“. Regras semelhantes são aplicadas aos procuradores do Ministério Público. Essas condutas são consideradas vagas por especialistas e poderiam abrir espaço para represálias.
Além disso, o projeto considera esses e outros casos como crimes, e não apenas como infrações administrativas, como é hoje, de modo que juízes e promotores poderiam ser presos por abuso de autoridade por até dois anos.
Houve abuso de autoridade na Operação Lava Jato?
Se o PLS 280/2016 é rechaçado pelo Ministério Público e por magistrados como Sérgio Moro, por outro lado é defendido por pessoas que acreditam que a atuação de agentes públicos na Operação Lava Jato incorreu em casos de abuso de autoridade. As acusações mais conhecidas contra Moro nesse sentido envolvem o ex-presidente Lula.
A condução coercitiva de Lula, por exemplo, feita em março de 2016, foi considerada por muitos como desnecessária, pois o acusado estaria colaborando normalmente com as investigações. Mas o episódio que mais causou controvérsia sobre a atuação de Sérgio Moro foi o da divulgação de conversa telefônica entre Lula e a então presidente Dilma, em março de 2016.
Moro tornou público, no mesmo dia em que foi gravado, áudio em que Dilma orienta Lula a buscar documento que o tornaria oficialmente ministro. Isso era importante porque o líder petista passaria a ter foro privilegiado e, assim, deixaria de ser investigado e julgado na primeira instância – onde está o juiz Sérgio Moro.
Na época, Dilma negou que a conversa configurasse uma tentativa de obstruir a justiça. A ex-presidente afirmou que havia a possibilidade de Lula não conseguir comparecer à cerimônia de posse e que por isso, preventivamente, despachou o documento. Mais tarde, Moro pediu desculpas pela divulgação do áudio, que também foi vista como inapropriada, inclusive por ministros do STF.
A atuação de Moro frente à Lava Jato estava sendo muito bem recebida pela população, mas também questionada em certos aspectos por políticos ou por magistrados. Entretanto, atualmente, as atitudes do juiz têm levantado mais questionamentos, devido a publicação das conversas entre Moro e Dallagnol pelo site “The Intercept Brasil”. Essas conversas comprometem a Lava Jato, por conta da possível quebra de imparcialidade judicial.
Tramitação
O projeto de lei foi aprovado em plenário no Senado em 26 de abril de 2017 – com 54 votos a favor e 19 contra – e, na noite do dia 14 de agosto de 2019, aprovado na Câmara dos Deputados. A versão final do projeto foi apresentada pelo relator da Comissão de Constituição e Justiça Roberto Requião.
A versão de Requião também foi alterada por conta de críticas de juízes, procuradores e promotores de justiça, que discordavam de um treco do relatório original Requião. O trecho em questão definia que não haveria crime se o agente público estiver amparado em interpretação “razoável” da lei. De acordo com os críticos, isso abriria espaço para arbitrariedades e poderia ter efeitos nas investigações e julgamentos da Operação Lava Jato, por exemplo. Por isso, a expressão “razoável” foi retirada do trecho em questão, que está no § 2º, artigo 1º do projeto.
Além disso, a lei aprovada no Senado em 2017 prevê que a autoridade que iniciar uma persecução criminal “sem justa causa fundamentada” poderá ser presa de 1 a 4 anos. A expressão usada no relatório de Requião era “com abuso”, e foi também criticada por procuradores, pois seria mais uma forma de constranger juízes e promotores.
Assim, a versão final do projeto – após devidas alterações – foi encaminhada para o Presidente da República, Jair Bolsonaro. Vale lembrar que o presidente tem poder de veto ao sancionar a lei. Nesse sentido, no dia 5 de outubro, Bolsonaro vetou 36 dos 108 dispositivos contidos em 19 artigos do projeto.
Entre os trechos vetados por Bolsonaro estavam:
- a punição para quem submeter o preso ao uso de algemas quando não há resistência à prisão;
- a punição para agentes que induzirem pessoas a praticarem crimes para forçar um flagrante
- artigo que previa detenção de quem executasse prisão, captura ou detenção sem ordem judicial ou flagrante previsto por lei;
- artigo que estabelecia detenção para quem fizesse registros de filmagem ou fotografia de presos, internados, investigados, indiciados ou vitimas, sem consentimento.
Entretanto, no final de outubro, o Congresso rejeitou 18 vetos do presidente ao projeto de lei. Isso significa que os dispositivos recuperados pelos parlamentares seguirão para promulgação por parte do presidente Jair Bolsonaro – caso o presidente não promulgar os trechos em 48h, a tarefa segue para o presidente do Senado.
A maioria dos vetos rejeitados são referentes a 15 condutas tipificadas pela lei. Com essa ação do Congresso, as condutas voltam a legislação e podem ser punidas com perda de cargo público e prisão, de acordo com as informações do Senado Federal.
Assim, alguns dos vetos derrubados foram:
- é crime não se identificar como policial durante uma captura;
- é crime impedir encontro do preso com o seu advogado;
- é crime decretar prisão fora das hipóteses legais;
- é crime atribuir culpa publicamente antes da formalização de uma acusação.
Interferência na Lava Jato ou preocupação com um cotidiano de abusos de autoridade no país inteiro: o que você acha sobre o novo projeto de lei? Deixe sua opinião nos comentários!
Referência:
Senado: aprovado projeto do abuso de autoridade
Agência Brasil: Congresso derruba vetos da Lei de abuso de autoridade
Agência Brasil: Bolsonaro sanciona Lei de Abuso de Autoridade