Nós já explicamos o que é a política antitruste em outro texto aqui no Politize!. Então, neste conteúdo, o Politize! te explica como essa prática aparece na legislação brasileira.
Brevemente, o que é uma política antitruste?
Basicamente, antitruste quer dizer algo contrário à trustes, ou seja, contrário a formação de trustes dentro de um mercado. Assim, uma política antitruste pode ser entendida, nesse mesmo sentido, como uma legislação contrária à formação de monopólios e fatores que possam prejudicar a livre concorrência.
Qual é a origem da política antitruste?
Agora que sabemos no que consiste a política antitruste, vamos entender qual a origem dessa política.
O surgimento das defesas das concorrências, no geral, parte da simples existência do comércio e do mercado. Nesse sentido, foi a partir do século XVIII que a palavra concorrência começou a ser utilizada no sentido técnico-econômico (DENNIS, 1975). Essa época também foi marcada pelo surgimento das ideias e do Estados Liberais: mais conhecida como a época do Iluminismo.
Para saber mais sobre o Iluminismo, clique aqui!
As ideias liberais, resumidamente, se baseiam nos ideais individuais, como direito à propriedade privada e a limitação do Estado perante à vida privada e à economia, tendo como principais autores John Locke – pai do liberalismo político – e Adam Smith – pai do liberalismo econômico.
Na época da ascensão dessas ideias, o Estado transitava de uma economia mercantilista para um mercado capitalista. Assim, nesse período, o modo capitalista de produção começou a se desenvolver e com isso surgiu uma nova preocupação para o mercado: o poder exagerado que uma organização empresarial poderia conquistar (monopólio). Para tanto, surgiu também uma nova necessidade do Estado: regular o mercado, de modo a proteger a livre concorrência.
A partir daqui, existem divergências quanto à origem da política antitruste. Alguns defendem que o berço dessa política se deu na Áustria e se disseminou para outros países da Europa; enquanto outros defendem que nasceu no continente americano, especificamente no Canadá, e posteriormente no Estados Unidos, através da criação da lei Sherman Act.
E no Brasil?
No contexto brasileiro, as medidas antitrustes começaram no período da Era Vargas – período marcado pelo desenvolvimento da indústria nacional e início da urbanização. Contudo, políticas de defesa da concorrência brasileira só foram efetivamente desenvolvidas mais tarde.
Aqui, para deixar mais didático para o leitor, vamos nos concentrar somente na criação da lei específica para combater condutas anticompetitivas. A primeira vez que uma lei desse tipo foi criada aconteceu em 1962, durante o Governo de João Goulart, foi a Lei 4.137/1962, que criou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). A lei foi fortemente influenciada pelas legislações norte-americanas, vigentes desde o século XIX.
O órgão permaneceu estagnado até 1991, pois não era considerado eficaz já que encontrava várias barreiras de atuação no Poder Judiciário. Desse modo, o CADE foi considerado por muito tempo como um órgão irrelevante. Assim, de modo geral, após a aprovação, a Lei 4.137/1962 foi praticamente esquecida por conta da Ditadura Militar, já que também não existiram preocupações por parte do governo em evoluir a legislação antitruste no Brasil – principalmente, porque o Poder Executivo, que controlava o Congresso Nacional no momento, não possuía interesse em criar esse tipo de combate à concentração empresarial.
Assim, foi somente a partir de 1988 que as políticas antitrustes, de fato, começaram a se desenvolver no Brasil. Na Constituição Federal de 1988, no art. 170, foi reconhecido como direito fundamental:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.
Naquele momento, o papel do Estado brasileiro foi redefinido – o país passou de uma economia altamente concentrada e estatal para uma economia com tendências liberais e em prol da competitividade econômica. Uma das marcas do período, por exemplo, foram o inicio das privatizações e da abertura econômica brasileira para importações do governo Collor.
Diante disso, termos como regulação econômica, política de defesa da concorrência, política antitruste, agências reguladoras e poder de mercado foram se tornando mais comuns no dia a dia brasileiro (Margarido, 2004).
Finalmente, no período de 1994 a 2010, a política antitruste se modificou significativamente, promovendo profundas mudanças nas políticas de defesa da concorrência brasileira. Assim, por exemplo, com a Lei 8.884/94, o CADE se transformou em uma autarquia federal, independente, vinculada ao Ministério da Justiça, que tinha como objetivo defender a livre concorrência no Brasil.
Vale destacar que a Lei 8.884/94 foi reformulada, anos depois, já que era considerada insuficiente para a defesa da livre concorrência no Brasil. Assim, em 2012, a Lei 12.529/2011 foi criada com o intuito de modernizar e consertar os problemas da Lei anterior, estruturando o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), composto pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
Então, como a lei antitruste brasileira é estruturada?
A Lei nº. 12.529, de 30 de novembro de 2011, dispõe sobre a estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, tendo como sigla “SDBC”.
De acordo com a lei, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência é composto pelo Conselho Administrativo de Defesa da Economia (CADE) e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE). Entretanto, de acordo com o Decreto n° 9.266 de 2018, assinado durante o governo Temer, a SEAE foi extinta, e duas novas secretarias foram criadas a partir do remanejamento de competências e cargos: a Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência; e a Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loterias.
Além disso, no Decreto n° 9.679, de 2 de Janeiro de 2019, assinado durante o Governo Bolsonaro, com a “extinção” do Ministério da Fazenda, foi criado o Ministério da Economia. Após isso, o Governo decidiu, com base nesse Decreto e no Decreto n° 10.072 de 18 de Outubro de 2019, substituir a Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loterias para a Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria.
Atualmente, então, os Decretos n° 10.072, de 18 de outubro de 2019, e o n° 10.366, de 22 de Maio de 2020, são os que estruturam e regulam, de forma prática, a Lei Antitruste no Brasil, em conjunto com o CADE.
Resumidamente, o SDBC é, atualmente – em julho de 2021 -, formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e pela Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (SEPRAC). Não se sabe ao certo se a Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (SECAP) entra nessa formação, mas isso será explicado no decorrer do texto.
DO CADE
De acordo com a Lei n° 12.529, o CADE é um órgão julgador, que atua em todo o território nacional, possuindo natureza jurídica de autarquia federal (que exerce um serviço autônomo, com administração e patrimônio próprios), vinculada ao Ministério da Justiça, com sede no Distrito Federal.
Vale lembrar que o Politize! possui um texto falando sobre o CADE clicando aqui
O CADE é composto pelos seguintes órgãos:
- Tribunal Administrativo de Defesa Econômica;
- Superintendência-Geral;
- Departamento de Estudos.
Do Tribunal Administrativo de Defesa Econômica
O Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, que tem a função de julgamento, é composto por um Presidente e seis Conselheiros, que são escolhidos dentre cidadãos com mais de 30 (trinta) anos, com notório conhecimento jurídico ou econômico e de reputação ilibada.
Os membros do Tribunal são nomeados pelo Presidente da República após aprovação do Senado Federal.
O mandato do Presidente e dos Conselheiros é de 04 (quatro) anos, de forma não coincidente, ou seja, o Presidente e os Conselheiros não são nomeados ao mesmo tempo, de forma que há troca de Presidente em meio ao mandato dos Conselheiros e vice-versa.
A lei veda a recondução dos mandatos de Presidente e Conselheiros, de forma que há uma alternância obrigatória.
Ao Plenário do Tribunal compete, dentre outras finalidades:
- Decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei;
- Decidir os processos administrativos para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica instaurados pela Superintendência-Geral;
- Aprovar os termos do compromisso de cessação de prática e do acordo em controle de concentrações;
- Apreciar processos administrativos de atos de concentração econômica, na forma desta Lei.
As decisões do Tribunal são tomadas por maioria, desde que presentes, no mínimo, quatro membros. Elas também são soberanas administrativamente, isto é, não cabe ao Poder Executivo revisá-las. De tal forma, a execução das decisões deve ser imediata e comunicada, em seguida, ao Ministério Público, para as demais medidas legais cabíveis no âmbito de suas atribuições.
Já o Presidente do Tribunal, tem como principais funções:
- Representar legalmente o CADE no Brasil ou no exterior, em juízo ou fora dele;
- Presidir as reuniões do Plenário, com direito a voto, inclusive o de qualidade (voto de desempate);
- Fiscalizar a Superintendência-Geral na tomada de providências para execução das decisões e julgados do Tribunal;
- Submeter à aprovação do Plenário a proposta orçamentária.
Os Conselheiros, por sua vez, possuem as seguintes atribuições, dentre outras:
- Emitir voto nos processos e questões submetidas ao Tribunal;
- Proferir despachos e lavrar as decisões nos processos em que forem relatores;
- Requisitar informações e documentos de quaisquer pessoas, órgãos, autoridades e entidades públicas ou privadas, a serem mantidos sob sigilo legal;
- Adotar medidas preventivas, fixando o valor da multa diária pelo seu descumprimento;
Da Superintendência-Geral
A Superintendência-Geral é composta por um Superintendente-Geral e dois Superintendentes-Adjuntos.
O Superintendente-Geral é escolhido entre cidadãos com mais de trinta anos de idade, que possuam vasto conhecimento jurídico ou econômico e reputação ilibada, e também é nomeado pelo Presidente da República após aprovação do Senado Federal.
O mandato do Superintendente-Geral é de 02 (dois) anos, permitida uma única recondução para período subsequente.
Cabe à Superintendência-Geral, além de outras medidas:
- Acompanhar as atividades e práticas comerciais de pessoas físicas ou jurídicas que detiverem posição dominante em mercado relevante de bens ou serviços, para prevenir infrações da ordem econômica, podendo, para tanto, requisitar as informações e documentos necessários, mantendo o sigilo legal, quando for o caso;
- Promover, em face de indícios de infração da ordem econômica, procedimento preparatório de inquérito administrativo e inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica;
- Instaurar e instruir processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica;
- Desenvolver estudos e pesquisas objetivando orientar a política de prevenção de infrações da ordem econômica.
Do Departamento de Estudos Econômicos
O Departamento de Estudo Econômicos é dirigido por um Economista-Chefe, que tem a função de elaborar estudos e pareceres econômicos, de ofício (por iniciativa própria) ou a pedido do Plenário do Tribunal, do Presidente do Tribunal, do Conselheiro ou do Superintendente-Geral.
O Economista-Chefe é nomeado de forma conjunta pelo Superintendente-Geral e pelo Presidente do Tribunal, dentre cidadãos de reputação ilibada e com notório conhecimento econômico.
O Economista-Chefe pode participar das reuniões do Tribunal, porém, não tem direito a voto.
Para saber quem compõem a estrutura do CADE, clique aqui
Resumidamente, pode-se definir que o CADE exerce três funções, sendo elas preventiva, repressiva e educativa
Preventiva porque analisa as fusões e outros atos de concentração econômica entre grandes empresas que colocam em risco a livre concorrência; repressiva porque investiga e posteriormente julga cartéis e outros tipos de organizações que são nocivas à livre concorrência; educativa porque instrui o público em geral, disseminando a cultura da livre concorrência.
DA SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO ECONÔMICO
De acordo com a Lei 12.529/2011, a SEAE ainda existe. Entretanto, como dito anteriormente, ela foi extinta de acordo com alguns Decretos, sendo transformada, a partir de 2018, em dois órgãos.
Atualmente, o órgão que compõem o SBDC, junto ao CADE, é a Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (SEPRAC). Como exposto anteriormente, não se sabe se a Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (SECAP) faz parte do conjunto SDBC, uma vez que dentro do Decreto atual n°10.366 que regula a estrutura e complementa a lei 12.529/2011 não está explícito que o SECAP faz parte desse conjunto.
Sabendo disso, vamos nos basear somente no resumo obtido no site de informações do gov.br sobre as funções do SEPRAC, e não mais na Lei 12.529/2011, para não haver confusões.
Segundo o site da SEPRAC,
[…]
Entre as atribuições legais da secretaria está a elaboração de estudos que analisam, do ponto de vista concorrencial, políticas públicas, autorregulações e atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, de consumidores ou usuários de serviços.
Na maior parte das vezes, a Seprac opina em propostas legislativas que tramitam no Congresso Nacional; em proposições de agências reguladoras; em avaliações solicitadas pelo Cade, pela Câmara de Comércio Exterior ou pelos fóruns nos quais o Ministério da Fazenda participa; na qualidade de amicus curiae em processos administrativos e judiciais
Ou seja, a SEPRAC tem como responsabilidade a elaboração de estudos sobre a livre concorrência que sejam de interesse em geral dos agentes econômicos e a formular opiniões sobre propostas de interesse geral dos agentes econômicos.
E existem leis similares em outros países?
Como mencionamos, a lei brasileira foi fortemente influenciada pela legislação estadunidense do século XX. Assim, hoje, os Estados Unidos possuem algumas leis antitrustes, sendo duas mais conhecidas: Sherman Act Antitrustes e Clay Antitrust Act. Já na Europa, por exemplo, as principais regulações da política antitruste se encontram no Tratado de Roma, de 1958. A principal diferença entre as leis nessas duas regiões é a finalidade delas – na Europa, o Tratado tem como objetivo formar um mercado único da comunidade europeia, com valores de cooperação e protecionismo estatal, enquanto as leis estadunidense estão mais ligadas à valores de liberdade econômica, tendo, assim, a preservação da concorrência como um fim.
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REFERÊNCIAS
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