Nesta semana, a coluna da Comissão Estadual da Jovem Advocacia, traz lições relacionadas à Lei 7.210/94, conhecida como Lei de Execução Penal ou LEP, para os mais íntimos.
Quando o assunto é Direito, uma das primeiras coisas que aparece no imaginário popular é a área criminal. Isso acontece, sobretudo, em função da cobertura dos telejornais em relação às investigações policiais e pelo assusto estar presente no cotidiano de todos os brasileiros.
Assim, é comum encontrar nas conversas diárias – fora dos tribunais e dos escritórios de advocacia – diversas divagações acerca dos desfechos dos mais diversos crimes noticiados. Pensando nisso, elaboramos este texto para apresentar uma lei de extrema importância na área criminal, a Lei de Execução Penal (também conhecida como “LEP”) e alguns de seus principais pontos.
Onde a Lei de Execução Penal está inserida no processo criminal?
A apuração de um crime normalmente passa por algumas fases: a) uma fase policial ou de investigação; b) inicia-se, na sequência, um processo (no âmbito criminal) em que ao término será proferida uma sentença em que se concluirá pela absolvição ou pela condenação do acusado.
Quando condenado, o acusado receberá uma pena, que poderá ser tanto uma pena privativa de liberdade (redução do direito de ir e vir) quanto uma pena restritiva de direitos, como por exemplo a prestação de serviços de serviços à comunidade.
De qualquer forma, Independentemente da natureza da pena atribuída, o fato é que a sentença precisará ser cumprida, iniciando-se aí o que se chama de execução da pena, é que aí que entra a importância da LEP.
Mas, afinal, o que é a Lei de Execução Penal?
Para que se concretize o cumprimento da Pena, é necessário que se realize uma série de atos, tanto administrativos como judiciais [ii]. Nesse sentido, a Lei de Execução Penal nada mais é que o instrumento que reúne as principais regras a respeito dessa fase – ainda que muitas delas também sejam encontradas em legislações diversas.
Como se inicia o processo de execução?
Com o objetivo efetivar o que está na sentença ou decisão criminal, o processo de execução se inicia com a guia de recolhimento.
A guia de recolhimento é um formulário que contém os principais dados da ação penal. Ela é elaborada pela vara em que tramitou o processo que gerou a condenação e enviada para uma vara de execuções, onde será iniciado um novo processo para administrar e fiscalizar o cumprimento da pena.
A vara de execuções é chefiada por um juiz, que se se encarrega de fiscalizar o cumprimento da pena da pessoa que foi condenada.
Assim, por exemplo, se alguém foi julgado pelo juiz “XYZ” da “5ª Vara Criminal”, a própria 5ª Vara, do juiz “XYZ”, irá elaborar essa guia e encaminhar para uma outra vara – a de Execuções Criminais – a cargo agora do juiz “ABC”, que, com essa guia, dará início ao processo de execução.
Até a chegada da guia de recolhimento o condenado não poderá fazer nenhum pedido relacionado ao cumprimento de sua pena (como, por exemplo, um pedido para progredir de regime). Isso porque, sem ela, o processo de execução (cumprimento) não se inicia, e é nele que são discutidas essas questões.
Além disso, no caso das penas privativas de liberdade, a execução poderá ser provisória se o réu estiver aguardando preso o julgamento do recurso.
Nesse caso, será expedida uma guia de recolhimento provisória para que o condenado não tenha seus benefícios afetados e mesmo antes do início da pena efetiva, já seja contabilizado o tempo de prisão.
As garantias da Lei de Execução Penal
Agora que já ficou claro o que é a LEP e a sua importância para a execução da pena, a, passamos para algumas previsões importantes trazidas pelas LEP.
a) Assistência do Estado ao preso durante a execução da pena
O artigo 12 da LEP, por exemplo, institui que é dever do Estado fornecer ao preso assistência material (alimentação, vestuário, higiene etc.), assistência à saúde, e assistência jurídica, educacional, social e religiosa.
b) O trabalho do preso
Ao contrário do que muitos costumam pensar, o trabalho do preso condenado em definitivo é obrigatório – ao menos para o artigo 31 da LEP.
Na prática, a obrigatoriedade do trabalho do condenado esbarra na falta de oferta de postos de trabalho, além da proibição de trabalhos forçados pela Constituição Federal. No final das contas, isso acaba se relacionando muito mais com os benefícios que serão acessados (ou não) a depender da realização do trabalho.
Dito isso, além da obrigatoriedade, a Lei de Execução penal também disciplina outras questões relacionadas ao trabalho no período de reclusão, como, por exemplo, a remuneração e a jornada de trabalho.
No artigo 29, por exemplo, a LEP estabelece que a remuneração do preso não seja inferior a ¾ do salário-mínimo, e determina, ainda, que parte do valor tenha uma destinação específica.
No caso, a princípio, o valor deve servir para: a) ressarcir danos causados pelo crime; b) assistir à família; c) cobrir pequenas despesas pessoais; e d) ressarcir o Estado pelas despesas com a manutenção do condenado [iii]. Somente quando satisfeitas essas aplicações é que o restante do valor poderá constituir pecúlio (poupança), a ser entregue ao condenado quando for colocado em liberdade.
A respeito da jornada de trabalho, o preso terá uma jornada mínima de 6 horas e máxima de 8 horas.
c) Trabalho: externo ou na própria prisão?
O trabalho muitas vezes é realizado no próprio estabelecimento prisional.
Para presos em regime fechado, o trabalho externo é possível desde que sejam tomadas todas as cautelas para impedir a fuga, muito embora ele não seja comum.
Já no regime semiaberto, o trabalho externo é um pouco mais comum e dispensa escoltas. Além disso, o trabalho externo dependerá de avaliação de autorização do juiz (vide art. 37, Lei de Execução Penal).
d) Remição da pena
Sim, com cê-cedilha.
Diferentemente da remissão, com “ss”, que indica o perdão voluntário e misericordioso do crime, a remição da Lei de Execução Penal, com “ç”, é aquela que indica o perdão conquistado por esforços e méritos.
Prevista no artigo 126, a remição é o desconto como pena cumprida pelo tempo de trabalho ou de estudo realizados pelo preso.
Assim, conforme esse mesmo artigo, o preso terá direito de reduzir 1 (um) dia de pena para cada 12 horas de estudo [iv] ou para cada 3 (três) dias de trabalho.
Há uma situação, porém, em que o preso poderá perder uma parte dessa redução conquistada. É o caso da ocorrência de falta grave.
Faltas graves são infrações cometidas pelos presos, normalmente de natureza disciplinar, como fugir, utilizar celular na prisão, incitar rebeliões etc. (art. 50, Lei de Execuções Penais). Diante desse tipo de situação, a Lei de Execução Penal autoriza o juiz a determinar perda de até 1/3 dos dias remidos.
d) Bônus na remição
Por outro lado, conquistas significativas também podem fazer com que os dias remidos se multipliquem. É o caso dos sentenciados que concluírem o ensino fundamental, médio ou superior na prisão. Quando isso acontecer, o preso receberá um bônus que aumentará em 1/3 os dias remidos pelo estudo.
Outras previsões da Lei de Execução Penal
Além do que já destacamos, também é na LEP que se encontram, por exemplo, as regras para progressão de regime (isto é, as circunstâncias em que alguém poderá sair de um regime fechado para o semiaberto, e assim por diante). Esse assunto, contudo, mereceria um texto exclusivamente para ele.
A LEP ainda dispõe sobre diversas outras situações que serão discutidas e resolvidas no processo de execução. É o caso da unificação das penas (procedimento que precisará ser feito pelo juiz quando o preso tiver mais de uma condenação, para que se possa avaliar adequadamente os benefícios, o regime de cumprimento de pena e outros).
O juiz a cargo do processo de execução também decidirá sobre a concessão de autorizações para saídas temporárias, regressões de regime, aplicação de novas leis que se apliquem ao caso (desde que benéficas ao sentenciado), sobre a colocação do preso em regime disciplinar diferenciado (ou “RDD”)[v] etc.
Há, enfim, uma gama de situações que são objeto do processo de execução penal e que são regulamentadas pela LEP. Este texto, porém, tem caráter meramente informativo e educativo, não havendo como esgotarmos o tema.
Caso você precise de alguma orientação mais específica acerca de algum caso concreto, não deixe de consultar um advogado.
Referências:
[i] A pena privativa de liberdade consiste numa redução do direito de ir e vir, enquanto a pena restritiva de direitos é uma pena alternativa à prisão (o condenado sofre limitação em seus direitos como forma de cumprir pena; p. ex.: prestação de serviços à comunidade).
[ii] MIRABETE, p. 289 apud ISHIDA, V. K. Prática Jurídica de Execução Penal. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 15. ISBN: 978-85-224-9779-9. Disponível em: <https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788522497799/>. Acesso em: 10 Apr 2021.
[iii] Ressarcimento proporcional.
[iv] Divididas em pelo menos três dias.
[v] Tipo de sanção disciplinar aplicada a presos que cometerem infrações durante o cumprimento da pena; também é usado como uma medida cautelar para presos que apresentem risco à ordem do estabelecimento prisional.