
Apesar de se tratar de um incentivo cultural, a Lei Rouanet frequentemente é alvo de polêmicas e é retratada de forma negativa. No último mês, o debate se intensificou devido às críticas direcionadas a artistas que têm seus projetos financiados pela lei, o que acarretou na CPI do Sertanejo.
Mas você sabe como uma lei de incentivo à cultura é capaz de gerar tantas polêmicas e, até mesmo, uma suposta instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito? Nesse texto, a Politize! te explica.
Antes de entender as polêmicas da Lei Rouanet, conheça a lei
A Lei Federal de Incentivo à Cultura, ou Lei Rouanet, trata-se de uma lei que tem como objetivo captar e canalizar recursos para o setor cultural, possibilitando essa ação por meio do mecanismo de incentivo fiscal.
Sob determinação da Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, a Lei Rouanet prevê que empresas podem apoiar projetos com até 4% do Imposto de Renda que se deve ao governo, enquanto pessoas físicas podem patrocinar o equivalente a 6% do IR.
Mas esse processo é bastante criterioso e os projetos culturais passam por diversas etapas até serem, de fato, aprovados.
Entretanto, o desconhecimento em torno desse trâmite também gera muita desinformação e polêmicas envolvendo tal lei. Aliás, o foco deste artigo é justamente entender as origens das polêmicas mais recentes da lei, além de outras que já ocorreram no passado.
Mas se você quer conhecer a Lei Rouanet com mais detalhes, aqui na Politize! tem um artigo completo só sobre ela.
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Polêmicas da Lei Rouanet em 2022: como tudo começou
A polêmica mais recente no que diz respeito à Lei Rouanet tem como figuras centrais os cantores Anitta e Zé Neto.
Tudo começou quando durante um show em Sorriso, Mato Grosso, o cantor, que faz parte da dupla sertaneja Zé Neto e Cristiano, mandou uma indireta para Anitta. Na ocasião do dia 12 de maio de 2022, o cantor disse ser um artista que não dependia da Lei Rouanet.
Após tais críticas direcionadas a legislação e indiretas à Anitta, o cantor também foi bastante criticado na internet. Indo além das críticas ao seu posicionamento, internautas começaram a analisar e questionar os valores exorbitantes dos cachês pagos com dinheiro público aos seus shows – bem como o dinheiro pago aos shows de outros artistas.
Nesse sentido, o que inicialmente parecia apenas um conflito entre músicos brasileiros, em seguida tornou-se uma série de investigações envolvendo Ministérios Públicos. Por isso, atualmente se fala na “CPI do Sertanejo”.
No decorrer do texto, vamos falar sobre ela, mas antes, no próximo tópico, entenda a diferença entre o pagamento de shows utilizando recursos da Lei Rouanet e verbas municipais.
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Lei Rouanet e prefeituras: quem paga o cachê dos artistas?
No que diz respeito ao cachê pago para os artistas e o gerenciamento de dinheiro público destinado ao setor cultural no Brasil, existem diferenças fundamentais entre a lei de licitações e a Lei Rouanet.
No caso da Lei Rouanet, o projeto aprovado pode ser executado de duas formas: sem a cobrança de ingresso ou com a cobrança – mas esse dinheiro não retornará para a administração pública, visto que foi utilizado para executar o projeto.
Já em relação a lei de licitações, quando a prefeitura faz a contratação do show de um artista, ela tem o direito de capitalizar o evento, vender patrocínio e restituir o dinheiro para os cofres públicos. Segundo especialistas, é justamente nisso que a captação pela Lei Rouanet e o recebimento por licitação divergem.
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E a CPI do Sertanejo? O que é?
Apesar das últimas semanas se falar muito na “CPI do Sertanejo”, atualmente não existe nenhuma Comissão Parlamentar de Inquérito em andamento como o nome sugere.
Todavia, é assim que a sucessão de eventos polêmicos envolvendo a Lei Rouanet e a investigação de cantores como Zé Neto e Gusttavo Lima tem sido denominada nas redes sociais.
Assim, a chamada “CPI do Sertanejo” trata-se de uma investigação para apurar o uso de dinheiro público para cachês elevados de cantores no país, que ocorreram pelas prefeituras e ficaram visados pelos Ministérios Públicos estaduais.
Tal questão tem ganhado ainda mais destaque nas redes sociais por seu caráter político, uma vez que os cantores atrelados à polêmica seriam apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e já teriam defendido, mais de uma vez, o fim da Lei Rouanet e o uso de verba pública.
Entretanto, vários cantores realizam shows os quais os cachês são pagos com dinheiro público e, em muitos casos, com baixa supervisão governamental.
A exemplo disso, tem-se o caso de Teolândia, uma cidade na Bahia com cerca de 20 mil habitantes que utilizaria o valor “equivalente ao da ajuda de emergência recebida do governo por causa das chuvas do ano passado, para bancar uma festa com músicos famosos, sendo Lima a atração principal” (VEJA, 2022).
Outros casos polêmicos envolvendo a Lei Rouanet
Como já foi dito, as polêmicas da Lei Rouanet não começaram com a discussão entre Zé Neto e Anitta. Antes, outros artistas e projetos também já passaram por situações parecidas.
Um exemplo é o fato do documentário sobre Mário Covas (ex-governador de São Paulo pelo PSDB) ter sido rejeitado em 2014, sob a justificativa de ser um ano de eleição.
Porém, em 2006, ano em que também houve eleições, o órgão aprovou dois projetos sobre Leonel Brizola.
Outro projeto que gerou discussão foi a turnê de Cláudia Leitte em 2013. Ela foi autorizada a captar quase R$6 milhões para fazer 12 shows nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.
Segundo a assessoria da cantora na época, o objetivo era levar os shows para lugares onde seria inviável ter um evento desse porte, com todos os custos inerentes a um show como o dela. Em função das críticas, a turnê recebeu o apoio de R$1 milhão, em vez dos R$6 milhões iniciais.
Em 2016, a cantora se envolveu em outra polêmica. Cláudia Leite recebeu autorização para captar mais de R$350 mil para uma biografia, que seria realizada pela Ciel Empreendimentos.
No início de fevereiro do mesmo ano, o Tribunal de Contas da União publicou a determinação de que projetos culturais que apresentassem forte potencial lucrativo e capacidade de atrair investimentos privados não poderiam mais captar recursos através da lei. Apesar da produtora dizer que a biografia teria um impacto cultural positivo, a cantora desistiu da publicação.
Essa decisão do TCU foi consequência da análise do show do Coldplay no Rock in Rio em 2011. O evento tinha uma estimativa de renda de R$ 34 milhões e conseguiu autorização para captar R$ 12,3 milhões. Desse total, só R$ 6,7 milhões foram captados efetivamente.
A cantora Maria Bethânia também desistiu de um projeto por causa das críticas. Ela chegou a ser autorizada a captar recursos para um blog, onde publicaria vídeos lendo poesia. Não levou o blog adiante, apesar de ser autorizada a captar cerca de R$1 milhão.
Em 2006, o Cirque du Soleil foi autorizado pelo Ministério da Cultura a captar R$9,4 milhões para a primeira turnê brasileira. Após receberem críticas, não solicitaram incentivo para as outras turnês.
Há quem diga que a Lei Rouanet é benéfica para artistas e para os cidadãos, que passam a ter acesso à cultura como não tinham antes. Os cidadãos também a reconhecem como uma fonte de renda para grupos de arte comunitários poderem sobreviver. Para alguns, a Lei Rouanet acaba beneficiando apenas os “amigos” do governo e rejeitando projetos com visões contrárias.
Para saber o que cada grupo pensa em relação à Lei Rouanet, separamos os argumentos a favor e contra. Confira!
Argumento a favor e contra a Lei Rouanet
Argumentos favoráveis:
- Sem a Lei Rouanet, muitos projetos culturais seriam inviáveis, como uma sessão de cinema para deficientes, a biografia de alguém que foi importante, os espetáculos de um grupo de teatro de uma cidade pequena.
- Permite o contato dos cidadãos com a cultura, de duas formas: levando manifestações culturais para a comunidade em geral e possibilitando que o cidadão apoie projetos com seu Imposto de Renda.
- Para as marcas, o retorno vem com a publicidade, então também é um caso em que todo mundo sai ganhando.
- Para os artistas, a Lei facilita muito. Você apresenta a ideia e a partir do momento que capta todos os recursos é que você inicia a execução, então quem produz a obra/show/espetáculo não sai no prejuízo.
Argumentos contrários:
- Quem é contra a Lei Rouanet afirma que esses recursos públicos, que iriam para o governo, deveriam ser usados em outras coisas, como por exemplo saúde e educação.
- Outras pessoas concordam com o incentivo à cultura, mas não concordam com a forma que os projetos são selecionados, processo que gerou todas as polêmicas citadas. Há quem diga que o incentivo só serve para as obras que reforcem as ideias de quem está à frente dos membros do governo.
- A renda se concentra nas grandes produtoras, pois elas despertam interesse das empresas. Segundo o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira, que defende reformas na lei, 80% da verba pela Lei Rouanet vai para produtores já estabelecidos em São Paulo ou Rio de Janeiro.
- Projetos com potencial comercial também dividem opiniões, afinal o cidadão acaba pagando duas vezes pela obra: com seu Imposto e depois pagando o ingresso para ver o filme/espetáculo ou comprar o livro financiado.
E aí, compreendeu a polêmica em torno da “CPI do Sertanejo”? O que você acha da Lei Rouanet? Deixe nos comentários a sua opinião!
Referências:
- G1 – Shows de prefeituras: Ministério Público questiona eventos em 29 cidades de 6 estados após polêmica
- Isto É – Zé Neto ataca Anitta em show e fãs reagem defendendo a cantora
- Isto É – Lei Rouanet, polêmicas e shows cancelados; entenda o que é a ‘CPI do Sertanejo’
- Metrópoles – Lei Rouanet x cachê de prefeituras: especialistas explicam diferenças
- Planalto – Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991
- UOL – CPI DO SERTANEJO: entenda por quê cantores e shows estão sendo investigados; relembre o caso e saiba como Anitta foi o pivô da revelação dos escândalos
- Veja – As diferenças entre cachê pago pela prefeitura e Lei Rouanet