Você sabe o que é livre concorrência?
Em poucas palavras, a livre concorrência deriva da livre iniciativa. Essa, por sua vez, é o direito que qualquer pessoa tem de abrir seu próprio negócio. A livre concorrência determina que as empresas podem concorrer entre si livremente, sem que uma empresa inviabilize a atuação de outra, como meio de favorecer-se.
Mas você sabe onde e quando a livre concorrência surgiu? E acredita que ela deve ter limites, ou não? Neste artigo, a Politize! vai te explicar o que é a teoria da livre concorrência, como ela surgiu e de que forma ela aparece nas leis brasileiras. Continue na leitura!
As origens da Livre Concorrência
A livre concorrência tem sua origem na Europa, na efervescência da Idade Moderna, em meados do século XVIII. Até então, o comércio era realizado por meio das corporações de ofício, as quais limitavam tanto o acesso ao mercado, quanto a própria atividade comercial.
As corporações de ofício eram compostas por artesãos e comerciantes. Elas surgiram em meio à re-urbanização que marcou o fim da Europa Medieval. Assim, existiam, as corporações de alfaiates, ferreiros, marceneiros, carpinteiros, e demais profissões. Logo, só eram autorizados a atuar em uma atividade aqueles que fizessem parte dessas corporações.
Em termos atuais, diríamos que o qua havia era uma espécie de “cartel”, ou oligopólio, em que só determinadas organizações poderiam atuar no comércio local. Assim, o comércio estava atrelado à ideia de privilégio, não de liberdade de atuação, como é o pensamento comum no mundo de hoje.
A situação mudou a partir de 1789, ano que marca o início da Revolução Francesa. Esse processo revolucionário incorporou os ideais vanguardistas do Iluminismo para combater o Antigo Regime – este pautado pela monarquia absolutista, a presença incontestável da Igreja Católica e a desigualdade que marcava uma sociedade estratificada.
O conceito de liberdade e a existência de direitos individuais inerentes a cada cidadão nortearam a revolução. Por meio da promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, ficaram estabelecidas as liberdades econômica, de expressão e religiosa; bem como a limitação dos poderes dos governantes pela percepção de que todos os indivíduos são iguais perante a lei.
Entre os 17 artigos que compõem a Declaração, destacam-se o artigo 4º, que estabelece a liberdade enquanto direito natural do cidadão, bem como o artigo 17º que destaca a propriedade privada como direito inviolável e sagrado. Estes dois pontos são fundamentais para entender a sociedade que se formou após a Revolução.
Em 1791, foram editadas duas leis: a Le Chapelier, a qual pôs fim às corporações de ofício; e o Décret d’Allarde, que determinava a liberdade de comércio e indústria, possibilitando a qualquer pessoa realizar seu ofício e ter seu negócio próprio. Passava a valer o princípio da liberdade de iniciativa, que está intimamente relacionado ao da livre concorrência.
Em resumo, a Revolução Francesa mudou os rumos da história, inspirando outras nações europeias a fazerem suas próprias transições para modelos de organização social pautados pela liberdade e pela ascensão da burguesia. Dessa forma, estes princípios que regem o comércio – de liberdade e concorrência – se espalharam mundo afora.
Veja também nosso vídeo sobre o liberalismo!
Os teóricos da livre concorrência
Nesta seção vamos abordar a concepção clássica de livre concorrência, trazendo as explicações de Adam Smith e Stuart Mill para o processo concorrencial e seus benefícios para a economia. Não perca as explicações abaixo!
Adam Smith e a mão invisível do mercado
Um dos mais importantes teóricos do liberalismo econômico e da livre concorrência é Adam Smith (1723-1790). O filósofo e economista escocês é considerado pai da economia política moderna. Em 1776, quando escreve seu livro A Riqueza das Nações, Adam Smith expõe um dos conceitos basilares de sua teoria – a mão invisível do mercado.
Este conceito explica que, em uma economia livre – ou seja, em que não há controle do Estado sobre a economia – o mercado é capaz de se autorregular. Isso porque em uma economia em que impera a liberdade de iniciativa e a livre concorrência, os produtores e comerciantes competem entre si pelos mesmos consumidores.
Quanto maior é a oferta de determinado bem, menor é o seu preço, já que há muitas mais opções para o consumidor escolher. Assim, o consumidor procura pelo preço mais barato. Por consequência, o preço dos produtos é forçado para baixo, até chegar a um ponto de equilíbrio em que ambos os lados – vendedores e consumidores – estão satisfeitos.
Dado que a realização de trocas, para Smith, é algo natural do ser humano, a livre concorrência permitiria a maximização dos interesses individuais por meio das trocas.
Em outras palavras, ao passo que todas as pessoas buscam por seus interesses pessoais e os alcançam, essa característica “egoísta” do ser humano traria benefícios para todos. Dessa forma, o autor entende que a livre operação dos mercados leva ao progresso social.
John Stuart Mill e as consequências da competição concorrencial
John Stuart Mill (1806-1873), filósofo e economista britânico, vai além da concepção de Adam Smith, ao entender a livre concorrência como um mecanismo que direciona a economia. Para Mill, além dos preços dos bens de consumo, os aluguéis, lucros e salários também são determinados pelo princípio concorrencial.
No caso, o preço dos aluguéis seriam guiados pela quantidade de locatários buscando imóveis em relação à disponibilidade de imóveis a serem locados pelos proprietários. Da mesma maneira, os salários seriam determinados pela concorrência entre os capitalistas (os “patrões”) e os trabalhadores. Os lucros dos capitalistas, então, seriam uma consequência deste processo.
Mill explica que os preços, em geral, independem da vontade das pessoas, sendo determinados unicamente pela concorrência do mercado – em outras palavras, pela competição incessante por preços. Dessa forma, os preços flutuam de acordo com a oferta e a demanda.
Ao contrário de Smith, na percepção de Stuart Mill, a livre concorrência não é o melhor meio de se chegar ao progresso econômico e social, mas sim um estímulo necessário. Mill discute em suas obras os malefícios da livre concorrência – como a tendência de queda da taxa de lucro.
Por essa ótica, em uma competição incessante por preços cada vez menores, os capitalistas reduzem sua capacidade de obter lucros. Dessa maneira, a prosperidade e a riqueza chegariam a níveis estacionários. Com menores lucros, os salários também se reduziram, afetando a qualidade de vida dos trabalhadores.
O Estado teria duas alternativas, segundo Mill: aumentar a produção, visando à exportação, ou reduzir sua população. Outro economista clássico, David Ricardo (1772-1823), faz outra proposta: instituir o salário mínimo, de forma a inibir um estado de miséria dos trabalhadores.
Livre concorrência: uma questão do direito ou da economia?
Apesar de a livre concorrência aparecer, comumente, em manuais de economia, o princípio também está presente na constituição brasileira. O Artigo 170 da Constituição Federal determina, por exemplo, a liberdade de iniciativa, que garante ao empresário o direito de criar seu negócio de acordo com o propósito que pretende alcançar.
Carlos Jacques Vieira Gomes, analista jurídico, explica que a liberdade de iniciativa também carrega consigo uma função social. Isso significa que o empresário não detém um ‘poder anárquico’ sobre o seu negócio, ele deve atuar de forma responsável perante à sociedade e está sujeito ao cumprimento das leis.
O princípio da liberdade de iniciativa certifica, por consequência, a liberdade de concorrência entre as empresas que se estabelecem no território nacional. Fica vedada, portanto, a concorrência desleal entre as firmas. A Lei nº 9.729/96 tipifica os crimes de concorrência desleal, incluindo, por exemplo, utilizar nome e características do concorrente, para confundir o consumidor.
Cabe ao Estado, portanto, garantir a livre concorrência. Um exemplo da atuação do estado é a sanção da Lei nº 12.529/11, chamada de ‘Lei Antitruste’. Essa lei busca prevenir e repreender a formação de monopólios e cartéis no Brasil. Assim, garante-se um ambiente econômico menos propenso à concorrência desleal.
Quais os limites da livre concorrência?
Ao contrário do que previu Adam Smith e os demais economistas clássicos, a livre iniciativa, historicamente, não impulsionou a livre concorrência. Uma primeira explicação para isso é que os agentes econômicos perceberam que alcançam melhores resultados cooperando para limitar a concorrência, em vez de concorrer entre si.
Coube ao poder público, então, agir para evitar esse tipo de ação conjunta cujo objetivo é elevar os preços para aumentar o lucro dos capitalistas e patrões. Assim, surgiram leis como a Lei Antitruste, descrita acima, para proteger os consumidores e a sociedade, de uma forma geral.
Além disso, alguns economistas apontam que a ideologia do livre mercado, a qual baseia-se na livre concorrência, não promove o progresso social. Em um contexto em que os capitalistas procuram maximizar seus lucros, opta-se por pagar aos trabalhadores o menor salário possível. A desigualdade, portanto, é estabelecida já de início.
Com os avanços tecnológicos e a substituição da força de trabalho humana pelas máquinas, a desigualdade aumentou. A explicação do economista Gary Backer é de que há poucas pessoas que possuem a qualificação necessária para assumir esses postos de trabalho ligados à tecnologia. Caberia ao Estado, então, aumentar seus investimentos em educação, por exemplo.
Por outro lado, David Howell aponta que a escalada da desigualdade se deve a um Estado cada vez mais liberal e enxuto. Com a desregulamentação do trabalho, isto é, com menos leis que protegem os trabalhadores, eles têm menos poder de barganha para lutar por salários mais justos e melhores condições de trabalho.
Nesse sentido, o Estado deveria atuar como mantenedor do bem-estar social, atuando para diminuir as desigualdades, por exemplo, buscando garantir os direitos humanos de segunda geração, os quais prezam pela igualdade. São eles: o acesso básico à habitação, à educação, à moradia, à saúde, ao trabalho, ao lazer, entre outros direitos estabelecidos.
E aí? Conseguiu entender o que é a livre concorrência? O que você pensa das suas problemáticas nos dias atuais? Deixe suas dúvidas e opiniões nos comentários!
Referências
- Barreto Veiga Advogados – A Livre Concorrência como Princípio do Direito
- Educa Mais Brasil – Corporações de Ofício
- FARIA, Heraldo Felipe de. Livre concorrência na concepção de Adam Smith. Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 8, n. 8, p. 287-300, jul. 2010.
- GOMES, Carlos Jacques Vieira. O princípio constitucional da livre concorrência: corolário da livre iniciativa ou princípio autônomo da ordem econômica? In: DANTAS, Bruno; CRUXÊN, Eliana; SANTOS, Fernando; LAGO, Gustavo Ponce de Leon (org.). Constituição de 1988: O Brasil 20 anos depois. Volume IV: Estado e Economia em vinte anos de mudanças. 1. ed. Brasília: Senado Federal, 2008. p. 1-11.
- LACERDA, Caio Eduardo Botelho. Teoria da Concorrência Real: noção clássica-marxista da concorrência capitalista e a evidência empírica. Grupo de Pesquisa em Economia Política da Macroeconomia, Marabá, p. 1-9, maio 2014.
- Le Monde Diplomatique Brasil – O crescimento da desigualdade no capitalismo contemporâneo
- Politize! – Direitos humanos: conheça as três gerações!
- Politize! – Iluminismo: o que foi e qual a sua importância
- Politize! – Revolução Francesa: etapas, causas e consequências
- SCOVILLE, Eduardo H. Martins L.; OLIVEIRA, Gilson Batista de. As contribuições e o pensamento de John Stuart Mill no campo da economia. Revista FAE, Curitiba, v. 17, n. 1, p. 80-95, jan. 2014. Semestral.
- SUNO – Mão invisível: entenda o conceito de autorregulação do mercado
- UFSM – Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789