Para o senso comum, a palavra Lobby é instantaneamente associada à prática de corrupção, tráfico de influência e atos ilícitos. Essa associação, contudo, ajuda a manter o debate em relação a regulamentação da atividade superficial e pouco informativo.
Desde 1984, foram apresentadas dezessete proposições legislativas com o objetivo de regulamentar essa atividade. Neste conteúdo, o Politize! te explica o que é o Lobby, a sua importância para a democracia e quais os passos para a sua regulamentação.
O que é Lobby?
Antes de avançarmos, temos que definir o que é Lobby. Nas palavras de Farhat (2007, p.50),
“Lobby é toda atividade organizada, exercida dentro da lei e da ética, por um grupo de interesses definido e legítimo, com o objetivo de ser ouvido pelo poder público para informá-lo e dele obter determinadas medidas, decisões e atitudes.”
Assim, o Lobby desenvolve sua função por meio do trabalho de convencimento e persuasão ao oferecer informações, dados e análises relacionados às suas reivindicações.
É uma atividade que faz com que as exigências e pleitos da sociedade cheguem até o poder público. Ela pode ser praticada tanto por grupos civis quanto por grupos profissionais que intermedeiam os interesses de empresas, corporações ou partidos políticos. O processo de formulação da Constituição Federal de 1988 (CF 88), por meio da Assembleia Constituinte de 1987, é um exemplo da presença e atuação de inúmeros grupos de pressão com a finalidade de influenciar o trabalho dos constituintes ao apresentar suas demandas e interesses (CARVALHO, 2009).
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A importância do Lobby para a Democracia
O modelo de democracia utilizado no Brasil é o representativo, que consiste na designação de representantes pela população para representarem seus interesses. Por meio do sufrágio universal, a democracia representativa conseguiu assegurar quantitativamente a participação da grande maioria dos cidadãos no processo eleitoral. Contudo, a constante complexificação e sofisticação da sociedade fazem com que a representação única e exclusivamente pelo voto, e de 4 em 4 anos, seja limitada. Isso significa que é cada vez mais difícil representar todos os interesses das diversas camadas e esferas da população, principalmente, as marginalizadas.
Dessa forma, o trabalho dos lobistas de informar e defender interesses, seja junto ao Legislativo ou ao Executivo, aparece como uma ferramenta para o pleno funcionamento da Democracia. A atuação dos grupos de pressão é um mecanismo de representação de interesses legítimo e inerente à Democracia, afinal não há Democracia sem o exercício de grupos organizados com o objetivo de fiscalizar, colaborar ou apresentar suas demandas aos governantes e parlamentares.
Assim, o exercício da atividade de lobby auxilia o parlamento e o governo na tarefa de atender as demandas da sociedade de forma mais ampla – até porque não há nenhum deputado, senador, ministro, governador ou presidente, que seja especialista em todos os assuntos e temas que interessam a sociedade. Essa participação junto aos parlamentares e aos membros do Poder Executivo possibilita que eles tomem decisões acerca das demandas da sociedade de forma mais técnica e responsável.
Portanto, as atividades exercidas pelos grupos de pressão, como o lobby e o advocacy, são instrumentos legítimos de participação da sociedade nas tomadas de decisões, inclusive com amparo em nível constitucional e infraconstitucional. Vale destacar que a diferença entre o lobby e o advocacy é sutil, sendo o primeiro mais ligado à defesa de interesses visando influenciar diretamente o agente público e/ou político, e o segundo sendo compreendido como a defesa de uma causa onde há geralmente a reivindicação de direitos para a população, muito praticado por Organizações da Sociedade Civil.
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Então, Lobby não é corrupção?
Ao contrário da ideia predominante no senso comum, a atividade de Lobby não é sinônimo de corrupção. O Lobby é, na verdade, uma ferramenta disponível para a sociedade promover e defender seus interesses.
Essa associação do Lobby com atividades ilícitas ocorreu por meio da mídia, que contribuiu para a disseminação da ideia de que a atividade está diretamente associada ao tráfico de influência e à corrupção. Afinal, por diversas vezes, os veículos de comunicação apresentaram o lobista como um indivíduo que busca vantagens indevidas por meio de ameaças ou ofertas de recompensas ilegais.
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O processo de regulamentação do Lobby
Apesar de não ser regulamentada, a atividade do Lobby pode ser praticada pois encontra amparo constitucional. O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 deixa clara a congruência da atividade com o ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito. Entre os direitos dispostos no artigo 5º, podemos citar:
- (i) liberdade de manifestação de pensamento (inciso IV);
- (ii) expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (inciso IX);
- (iii) liberdade de reunião (inciso XVI); liberdade de associação para fins lícitos (inciso XVII);
- (iv) acesso à informação pública de interesse particular, coletivo ou geral (inciso XXXIII); e
- (v) petição aos poderes públicos, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder (inciso XXXIV, alínea a).
Então, o que mudaria com a regulamentação da prática?
Um dos argumentos sobre a necessidade de regulamentar a atividade é que isso reduziria as assimetrias entre os grupos de pressão mais poderosos e menos poderosos, e dificultaria a realização de práticas ilícitas. Isso porque algumas das finalidades predominantes da regulamentação do Lobby são a ampliação da transparência e da accountability por meio da prestação de contas, da divulgação de gastos do lobista e do maior detalhamento das práticas e das relações estabelecidas entre os lobistas e os políticos. Esses fatores podem ser muito importantes para coibir potenciais práticas de corrupção e tráfico de influência e, ao mesmo tempo, auxiliar na fiscalização de possíveis ações que vão em desencontro com a legalidade
Ainda, também é esperado que a publicização do Lobby gere diversos subprodutos, como:
- Combata acordos secretos e ilícitos entre lobistas e agentes públicos;
- Incentive os interesses organizados a apresentar melhores argumentos em defesa de seus pleitos;
- Facilite o trabalho realizado pela mídia e por organizações sociais de defesa do interesse público;
- Desperte a atenção dos cidadãos para os processos decisórios em curso, bem como para os interesses que esses processos mobilizam;
- Motive segmentos sociais desmobilizados a participar do jogo político.
Quanto ao objetivo de equilibrar o jogo de interesses, a ideia é garanti-lo obrigando os tomadores de decisão a recepcionarem correntes de opinião diversas, sempre que forem alvos de um lobby específico, enquanto estiverem se instruindo para a deliberação (MANCUSO; GOZETTO, 2011, p. 126).
Vale mencionar que autores como Raj Chari, John Hogan e Gary Murphy alertam que a regulamentação poderia, em vez de reduzir as assimetrias entres os grupos de pressão, criar obstáculos para a atuação de grupos menos poderosos e institucionalizados. Por isso, seria fundamental a criação de dispositivos que auxiliem no combate dessas assimetrias, garantido a igualdade de oportunidade para todos os grupos de pressão na defesa de seus interesses.
Em 2021, existem duas propostas de regulamentação do lobby em tramitação no Congresso Nacional. A primeira (PLS n 203/1989) foi apresentada há mais de 30 anos pelo então senador Marco Maciel (PFL), foi aprovada no Senado mas segue engavetada na Câmara dos Deputados (PL n 6.132/1990). A segunda (PL n 1.202/2007) foi apresentada pelo deputado Carlos Zarattini (PT) mas também não avançou. As duas propostas têm como objetivos principais trazer transparência para atividade e reduzir as assimetrias entre os grupos de pressão no jogo de interesses.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
CARVALHO, Fagner dos Santos. O papel dos grupos de interesse e pressão na formatação e fortalecimento da democracia brasileira: o caso do departamento intersindical assessoria parlamentar (diap) durante o processo da constituinte (1987/1988) brasileira.. Aurora, Marília, v. 5, p. 32-39, dez. 2009.
CHARI, R.; HOGAN, J.; MURPHY, G. Regulating lobbying: a global comparison. Manchester: Manchester University Press, 2010.
DAHL, Robert. Sobre a Democracia. Brasília: Unb, 2001.
FARHAT, Said. Lobby: o que é. como se faz.. São Paulo: Aberje, 2007.
MANCUSO, W. P.; GOZETTO, A. O. Lobby: instrumento democrático de representação de interesses? Revista Organicom, v. 8, n. 14, 2011.
SANTOS, Manoel Leonardo; CUNHA, Lucas. Percepções sobre a Regulamentação do Lobby no Brasil: convergências e divergências. Brasília: Ipea, 2015.