Ouviu falar do “Novo Marco Ferroviário” mas não sabe o que é? A regulação do setor ferroviário é tema de um projeto de lei e uma das principais pautas do governo Bolsonaro na área de infraestrutura. Vem saber mais!
O setor ferroviário no Brasil
As ferrovias brasileiras começaram a ser construídas ainda no período do Império, com investimento estrangeiro, principalmente britânico. O objetivo central das ferrovias no Brasil, desde aquela época, é a exportação da produção de commodities brasileiras, que se sobrepõe ao transporte de passageiros, por exemplo.
Todas as malhas ferroviárias pertenciam à União e algumas eram operadas por empresas privadas. Em 1957, buscando unificar a gestão das malhas, foi criada por Juscelino Kubitschek, uma empresa estatal chamada Rede Ferroviária Federal S/A. Devido à decadência das exportações brasileira no período pós Segunda Guerra Mundial e diminuição de investimentos no setor, o governo federal decidiu desestatizar a malha ferroviária nacional, concedendo a operação à iniciativa privada.
Hoje, são poucas as empresas privadas que operam no setor. A Rumo Logística é a maior operadora ferroviária do país, e conta com quase 14 mil quilômetros de linhas ferroviárias, sendo a maior responsável pelo transporte ferroviário nas regiões Sul e Centro-Oeste e no estado de São Paulo. MRS Logística e Vale são outras empresas com atuação expressiva. Você pode checar todas as concessões ferroviárias no site da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), agência que realiza a regulação do setor de transportes, nesse link.
Transporte de Cargas no Brasil
A Confederação Nacional dos Transportes (CNT) publicou, em 2011, um estudo que demonstrou que o transporte de cargas no Brasil é predominantemente realizado por meio das rodovias. Cerca de 61,1% da carga transportada em 2009, utilizou o modal rodoviário, e apenas 21% foi movimentada por ferrovias.
Contudo, no que se refere ao transporte de grandes quantidades de carga, o modal rodoviário possui um custo mais alto, que depende da variação do preço do diesel, da manutenção das estradas e da quantidade de carga transportada. Além disso, demanda grande quantidade de tempo para chegar aos portos, local onde se inicia a exportação da produção. Com isso, o Governo Federal tem investido cada vez mais no modal ferroviário, que possui menor custo e mais agilidade. Dessa forma, o Ministério da Infraestrutura tem atuado para investir na construção de novas ferrovias e na continuidade de operação das ferrovias já existentes.
Regulamentação do setor
A primeira regulamentação para o setor ferroviário foi feita em 1996, através de um Decreto, que estabeleceu o Regulamento dos Transportes Ferroviários. Porém, o conteúdo do dispositivo não acompanhou a modernização do setor ao longo dos anos.
A evolução do modal ferroviário no país levou o órgão que regula o setor de transportes no Brasil, a ANTT, a emitir diversas resoluções que tratam desde as tarifas a serem cobradas para o transporte até as determinações sobre acidentes ferroviários. A Agência foi criada em 2001, através da Lei nº 10.233, e tem por finalidade “regular, supervisionar e fiscalizar as atividades de prestação de serviços e de exploração da infraestrutura de transportes, exercidas por terceiros, visando garantir a movimentação de pessoas e bens, harmonizar os interesses dos usuários com os das empresas concessionárias, permissionárias, autorizadas e arrendatárias, e de entidades delegadas, preservado o interesse público, arbitrar conflitos de interesses e impedir situações que configurem competição imperfeita ou infração contra a ordem econômica.”
Todas as resoluções vigentes podem ser encontradas através deste link. Como exemplo, tem-se a Resolução nº 5.945 de junho de 2021, que estabelece procedimentos relativos à desativação de trechos no âmbito das concessões ferroviárias; e a Resolução nº 4.624 de março de 2015, que regulamenta a contratação e manutenção de seguros no âmbito das concessões ferroviárias.
Na tentativa de atualizar e unir em um só lugar essa regulamentação, além de estabelecer novas formas de operação ferroviárias, vem sendo construído um texto no Senado Federal (PLS 261/2018) que visa estabelecer um Marco Legal para as Ferrovias.
A tramitação do projeto de lei
O PLS 261/2018 é de autoria do senador José Serra (PSDB/SP) e foi apresentado em maio de 2018. A matéria foi despachada para análise de três comissões no Senado: a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), a Comissão de Infraestrutura (CI) e a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Na CAE, a matéria foi aprovada em dezembro de 2018, com algumas modificações em relação ao texto original. Desde então, o projeto aguarda deliberação pela CI, em que é relatado pelo senador Jean Paul Prates (PT/RN). O senador apresentou seu parecer em novembro do ano passado, e tem tentado dialogar com o governo e com as demais partes interessadas para pautar a matéria o quanto antes.
Contudo, o projeto tem enfretado resistências de diversas partes e, para dar celeridade ao processo, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, sinalizou que deverá enviar uma Medida Provisória ao Congresso Nacional ainda em agosto de 2021.
O governo elencou, em 2021, o Marco Ferroviário como uma de suas prioridades no Congresso Nacional, e se já se demonstrou favorável ao regime de autorização e à autorregulação do setor.
Quais mudanças o projeto quer implementar?
A principal alteração que o projeto propõe é no regime de exploração de ferrovias. Atualmente, o transporte ferroviário é executado por meio de outorga de concessão ou de permissão, que necessitam de um processo prévio de licitação. Isso, na prática, significa que a malha ferroviária pertence à União, mas que a empresa privada vencedora da licitação pode operá-la por um determinado período. O exemplo abaixo explica melhor sobre o processo de concessão.
- No dia 08 de abril de 2020, um trecho da FIOL foi concedido a uma empresa chamada Bamin. A oferta apresentada no leilão foi de R$ 32,7 milhões. Este é o valor de outorga que a empresa pagou ao governo para poder prestar o serviço por determinado tempo. A partir desse momento, a União se isenta completamente de qualquer gasto com a ferrovia, mas acaba também por abrir mão do lucro. Porém, a União continua sendo proprietária da FIOL, e a Bamin irá apenas executar o serviço de transporte de cargas ou passageiros.
O PLS 261 pretende instituir o regime de autorização, caracterizado como regime privado, portanto não necessita de processo de licitação pela União. O governo Jair Bolsonaro apoia a exploração de ferrovias por autorização, pois argumento que o modelo atual pode ser demorado e custoso aos cofres públicos. De acordo com o Ministério da Infraestrutura:
“uma empresa poderá requisitar autorização para exploração de ferrovias, tendo sua proposta avaliada pelo órgão regulador ferroviário nos termos de sua viabilidade locacional. Além disso, a empresa terá liberdade para exploração de empreendimentos imobiliários e logísticos que viabilizem o seu projeto, bem como poderá se associar a uma entidade privada de autorregulação operacional, sem fins lucrativos, para a gestão eficiente dos riscos de compartilhamento e a resolução célere de eventuais conflitos.”
Como funcionaria, na prática, a solicitação do regime de autorização?
- Deverá ser realizado chamamento público (divulgação da informação através de canais oficiais do governo, Diário Oficial da União, por exemplo) para selecionar os interessados, ou a operadora ferroviária deverá requerer ao órgão responsável;
- O requerimento deve ser publicado para manifestação de outros interessados em obter autorização na mesma área;
- O órgão regulador – ANTT no âmbito federal, e os respectivos órgãos no âmbito de estados e municípios – não pode negar a solicitação, exceto por motivo técnico-operacional devidamente justificado.
Outro ponto de mudança proposto pelo projeto é a autorregulação do setor privado. Ou seja, seria retirado da ANTT e dos órgãos subnacionais essa responsabilidade, criando a possibilidade de que o “próprio mercado promova a gestão e a coordenação do trânsito de pessoas e de mercadorias por linhas de diferentes empresas, cabendo ao Poder Público atuar apenas em caso de conflitos não conciliados pelas partes”.
Além disso, o projeto também prevê a regulamentação da devolução de trechos, um dos principais problemas enfrentados pelas concessionárias. Resumidamente, quando um trecho se torna economicamente inviável, principalmente por não haver demanda para transportar cargas, a concessionária deixa de operar no trecho, o que pode causar em abandono, já que não há manutenção da malha. Porém, nos contratos firmados entre a União e as empresas não houve previsão do processo de devolução de trechos, por isso pretende-se incluir também no projeto de lei.
REFERÊNCIAS
Parecer ao PLS 261/2018, do senador Jean Paul Prates (PT/RN).
Boletim Informativo do PLS 261/2018, feito pela Secretaria Nacional de Transportes Terrestres do Ministério da Infraestrutura.
LEITE, César; Pereira, Luiz; Marinho, Christiane; Bittencourt, Jairo. “ANÁLISE COMPARATIVA DE CUSTOS ENTRE OS MEIOS DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO E FERROVIÁRIO.” XII Congresso Nacional de Excelência em Gestão & III Inovarse, 2016.
CNT, 2011. Plano CNT de Transporte e Logística 2011. – Confederação Nacional do Transporte. 370p.