Calma! A moeda comum não vai acabar com o Real brasileiro

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Lula e Alberto Fernández. Imagem: JOTA.

Em janeiro de 2023, o presidente Lula (PT) se encontrou com Alberto Fernández, presidente da Argentina. Nessa visita, um dos tópicos de discussão foi a possibilidade da criação de uma moeda comum entre os países do Mercosul.

Esta não é uma ideia nova, o presidente Lula já havia abordado o tema no seu mandato anterior como presidente, não só ele, como o ex-ministro da Economia Paulo Guedes também considerou a discussão durante o governo de Jair Bolsonaro. Além dos governos, economistas já defendiam esta ideia já em 1999, ano em que foi implementado o euro na União Europeia.

Mas o que significa a criação de uma moeda comum? Teremos o “euro latino-americano”? O real vai deixar de existir? Nesse texto, a Politize! explica o que mudaria com a criação da moeda comum!

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O que é moeda comum?

Antes de qualquer coisa, vamos entender do que se trata a moeda comum!

A moeda comum é, basicamente, uma referência monetária em comum que dois ou mais países utilizam para realizar negociações comerciais. Essa moeda é uma referência para transações financeiras, não como uma moeda circulante, como é o caso do real e do peso argentino.

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Dessa forma, nesse sistema, as importações, exportações e demais transações seriam feitas baseadas no valor da moeda comum, sem depender do dólar norte-americano (como é atualmente).

Mas o que o dólar tem a ver com isso?

Atualmente, a referência das maiorias das operações financeiras e comerciais é o dólar norte-americano. O resultado disso é que o poder econômico dos países é influenciado pelas questões econômicas envolvendo o dólar, como: disponibilidade do dólar no país e variação da cotação do dólar em relação à moeda local.

Por isso, a proposta do governo brasileiro é criar uma moeda comum para que não seja preciso recorrer ao dólar e, então, facilitar a integração entre os países do Mercosul. Além disso, o bloco comercial seria fortalecido, de acordo com os idealizadores da proposta.

Moeda comum e moeda única: qual a diferença

Então quer dizer que se criarem uma moeda comum, teremos algo parecido com o euro? 

Não. Existem diferenças entre a moeda comum (proposta do governo brasileiro) e a moeda única.

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A moeda comum, como já foi dito anteriormente, é apenas uma referência monetária para negociações comerciais, não atua como moeda circulante para a população geral, como é o caso do real.

a moeda única substitui as moedas nacionais de todos os países que participam do sistema, portanto, além de ser uma referência para transações comerciais, a moeda única se torna a moeda oficial de cada país, passando a ser utilizada pela população e por turistas para compras comuns do dia a dia.

O exemplo mais comum de moeda única é o euro, utilizado por 20 países-membros da União Europeia.

A implementação da moeda única é mais complexa, pois é necessário que haja instituições políticas compartilhadas, como Banco Central. Além disso, é preciso que os países tenham estruturas econômicas e fiscais semelhantes.

Vantagens e desvantagens

A principal vantagem da moeda comum é a facilitação das transações econômicas entre os países, no caso Brasil e Argentina, pois não haverá necessidade de converter os valores em dólar. Assim, a reserva da moeda e a variação da cotação do dólar não influenciarão mais nas exportações e importações entre os países envolvidos.

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A integração entre os países pode garantir o ganho de eficiência, credibilidade e estabilidade de preços.

Por outro lado, é possível que o novo sistema tenha custos de implementação, adaptação e formação de profissionais para lidar com a mudança. E, ainda, a mudança exigirá que os países cedam em decisões de política monetária, pois as decisões não poderão ser tomadas individualmente, deliberações como a definição de taxa de juros deverá ser tomada coletivamente.

O real brasileiro vai acabar? 

Quanto a isso, não há com o que se preocupar.

A criação da moeda comum não acabaria com o real. O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, garantiu que a moeda oficial brasileira não seria substituída, tampouco o peso argentino.

A moeda comum sequer chegaria a ser utilizada pela população, seu uso seria apenas para transações comerciais entre os dois países. Assim, os países manteriam suas próprias moedas e a criação de uma nova moeda seria utilizada apenas pelo governo.

Portanto, a população e os turistas continuariam utilizando a moeda local de seus respectivos países.

Existe moeda comum em outros países

No continente africano, temos dois exemplos de unificação de moedas: o franco CFA da África Ocidental e o franco CFA da África Central. Os blocos de países que utilizam destas unidades monetárias são:

  • Franco CFA da África Ocidental: Benin, Burkina Faso, Guiné-Bissau, Costa do Marfim, Mali, Níger, Senegal e Togo;
  • Franco CFA da África Central: Gabão, Chade, República do Congo, República Centro-Africana, Guiné Equatorial e Camarões.

Ambas moedas estão sob forte influência do Banco Central da França, apesar da emissão do franco CFA das duas regiões ficar sob responsabilidade dos bancos centrais multipaís: BC da África Ocidental e BC da África Central. O BC francês garante a paridade da moeda com o euro, porém isso implica em algumas limitações, como a impossibilidade de emitir a quantidade de dinheiro que os países quiserem, pois é preciso garantir que o estoque de moeda em circulação seja baixo para não alterar o valor do franco CFA em relação ao euro.

Além dos países africanos, outro exemplo é o dólar do Caribe Oriental. Essa moeda é indexada ao dólar americano e possui uma taxa de câmbio fixa. Os países que utilizam esta moeda são: Anguila, Antígua e Barbuda, Dominica, Granada, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas e Montserrat.

Argumentos favoráveis e contrários

Sem ter um projeto bem definido, é difícil proferir previsões sobre a proposta, porém especialistas já desenham algumas possibilidades caso a proposta siga adiante.

Favoráveis

Aqueles que são favoráveis à proposta, dizem que a vantagem da moeda comum é a promoção da integração entre os países latino-americanos e o aumento do intercâmbio comercial.

O advogado e professor da Mackenzie-RJ, Kaiser Motta Lucio de Morais Júnior, diz, em entrevista para o JOTA, que seu uso não inviabilizaria a existência das demais moedas, assim:

“Seria uma moeda nova e focada nas transações comerciais entre os dois países com o propósito de promover a integração e aumento do intercâmbio comercial”

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defende a criação de uma moeda comum e é desfavorável à criação de uma moeda única para o Mercosul.O ministro diz que a proposta ainda precisa ser debatida ao longo de vários anos e declara que está sendo feito estudo sobre a viabilidade de uma moeda digital comum para ser utilizada apenas em trocas comerciais.

Em evento com empresários em Buenos Aires, em janeiro de 2023, Fernando Haddad diz que: 

“Recebemos dos nossos presidentes uma incumbência de não adotar uma ideia que era do governo anterior, que não foi levada a cabo, da moeda única. O meu antecessor, Paulo Guedes, defendia muito uma moeda única entre Brasil e Argentina. Não é disso que estamos falando. Isso gerou uma enorme confusão, inclusive na imprensa brasileira e internacional”

Contrários

Aqueles que são contra a proposta, apontam que a independência em relação ao dólar não aconteceria totalmente e afirmam a necessidade de tempo para aplicação da proposta.

Segundo o advogado Rodrigo Jansen, sócio do escritório Leal Cotrim Advogados, a moeda facilitaria as transações entre Brasil e Argentina, porém destaca, em relato para o JOTA, que:

“O problema é que a Argentina tem pouca liquidez em dólares e não consegue incrementar significativamente o volume de operações com o Brasil. Então, caso haja essa moeda internacional, as negociações entre os dois países ficarão menos sensíveis às variações do dólar. Mas isso não significa que os preços das mercadorias ficarão imunes a variações do dólar”

O professor Mauro Rochlin, professor e coordenador do curso de MBA de Gestão Estratégica e Econômica de Negócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta a forte variação inflacionária do peso argentino.

Veja também: Inflação no Brasil e no mundo: entenda de uma forma simples o que significa o termo

“Sou um tanto cético com relação ao sucesso dessa iniciativa, muito por conta da forte instabilidade da economia da Argentina. Eles enfrentam um processo inflacionário agudo, e por conta disso, não é raro eles assistirem episódios de forte volatilidade da moeda deles, ou seja, variações muito profundas em um espaço muito curto. Então, essa volatilidade mais extremada da moeda argentina torna muito difícil se estabelecer uma moeda comum”

E aí, entendeu do que se trata a moeda comum? Quais seriam suas funções e aplicações? O que você acha da proposta? Conta pra gente nos comentários!

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Conteúdo escrito por:
Faço parte da equipe de conteúdo da Politize!. Cientista social pela UFRRJ, pesquisadora na área de Pensamento Social Brasileiro, carioca e apaixonada pelo carnaval.

Calma! A moeda comum não vai acabar com o Real brasileiro

07 set. 2024

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