O Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) se considera um movimento popular, autônomo, de base, de classe, feminista e camponês. O nome do Movimento retoma propositalmente a palavra “camponesas”, que havia sido abandonada pela legislação. Segundo Moacir Palmeira, essa censura do termo pelo Estado foi parte de uma estratégia política para dispersar os movimentos de classe que reivindicavam seu direito à terra, além dos direitos vinculados ao trabalho campesino.
Ao fim da década de 1970, surgiram diversos movimentos populares contra a ditadura militar e em defesa da redemocratização. Apesar das mulheres terem participado amplamente desses movimentos, sua atuação foi bastante invisibilizada, segundo os relatos das próprias camponesas em 1986, durante o I Encontro Nacional das Trabalhadoras Rurais.
Neste texto a Politize! explica sobre o contexto histórico em que se deu a formação do MMC. Falaremos sobre as conquistas de uma luta histórica pela efetivação de direitos. Continue a leitura para entender!
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Contexto histórico
Durante o processo de industrialização incentivado pelo governo de Juscelino Kubitschek, vigorava o debate em torno dos trabalhadores rurais. Nesse cenário de disputa política, surgiram, no estado de Pernambuco, associações de trabalhadores e trabalhadoras rurais denominadas Ligas Camponesas. Após a consolidação de 25 núcleos instalados em Pernambuco, as Ligas se espalharam por outros estados do Brasil como Paraíba, Rio de Janeiro e Goiás.
Com as disputas fundiárias em pauta, foi também criada a Superintendência de Reforma Agrária (Supra) por Jango em 1964. Entretanto, no mesmo ano, tanto as Ligas Camponesas como a Superintendência foram combatidas pela ordem política e econômica que resultou na ditadura militar. Também se consolidou um movimento internacional referente ao desenvolvimento das técnicas que visam aumentar a produtividade agrícola: a Revolução Verde. No Brasil, a “Revolução” foi implementada por meio de três pilares, seguindo o padrão adotado em outros países. Esses pilares são: a pesquisa agropecuária, a assistência técnica e o crédito rural subsidiado.
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Outras políticas foram promovidas, como desonerações tributárias para agrotóxicos e insumos agropecuários, que persistem até hoje. O foco em monocultivos dependentes de agrotóxicos contribuiu para a simplificação dos processos produtivos. Isso não só excluiu os pequenos agricultores descapitalizados, como também ignorou o aprimoramento tecnológico de seus sistemas tradicionais. Esses sistemas são baseados na alta produtividade, mas sobretudo na variedade produtiva e no uso racional dos recursos naturais.
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Economicamente, a ditadura militar ficou caracterizada pela aceleração do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e da industrialização. Mas, apesar da inflação reduzida, houve o aumento da concentração de renda e da exploração da mão de obra.
Nesse período ocorreu a fundação da primeira Organização Não Governamental (ONG) brasileira com viés ecológico. A partir disso, as críticas ao sistema produtivo fortemente mecanizado e vulnerável aos estresses ambientais se fortaleceram. Ocorreram ainda dois marcos importantes para a história dos movimentos sociais rurais. Foram eles: a elaboração da primeira legislação estadual que tratava sobre o uso de agrotóxicos no país e a formação da Federação das Associações de Engenheiros Agrônomos do Brasil.
A Federação incluiu em sua pauta as críticas ao padrão tecnológico e energético adotados pela modernização da agricultura. Efeitos que impactaram principalmente a agricultura familiar. Alterações de ordem térmica, eólica e hídrica contribuíram para o surgimento do Movimento de Agricultura Alternativa nos anos 1970.
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Durante o processo de redemocratização do Brasil surgiram articulações entre movimentos autônomos de mulheres. Elas atuaram conjuntamente e apresentaram propostas à Constituição em elaboração. Devido a presença massiva de camponesas, a Carta Magna finalmente passou a reconhecer a categoria profissional de Trabalhadora Rural.
A partir da junção de movimentos autônomos e de movimentos mistos do campo, surgiu a Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais (ANMTR). Essa Articulação ampliou a atuação das mulheres ao âmbito nacional. Por meio da realização dos acampamentos nacionais contra as políticas neoliberais dos anos 2000, o Movimento se popularizou. A articulação fortaleceu a compreensão sobre a necessidade da construção efetiva de um movimento autônomo.
Após essa e outras atividades nos grupos de base, foram decididos os rumos do movimento como também seu nome. Foram realizados diversos debates sobre a categoria “camponês/camponesa”. Esse conceito compreende, portanto, pequenas agricultoras, pescadoras artesanais, quebradeiras de coco, extrativistas, arrendatárias, ribeirinhas, posseiras, bóias-frias, diaristas, parceiras, sem terra, acampadas e assentadas, assalariadas rurais e indígenas. A soma destas experiências constitui o MMC.
O MMC e Marcha das Margaridas
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A Marcha das Margaridas é considerada a maior ação política de mulheres da América Latina e acontece a cada quatro anos. Essa ação estratégica tem revelado a grande capacidade de mobilização e organização de mulheres de todo país. Segundo a cartilha “Tecendo a saúde das mulheres do campo, da floresta e das águas: direitos e participação social” publicada em 2015 pelo Ministério da Saúde, o caráter formativo, de denúncia, de proposição e de diálogo da Marcha tornou-a amplamente reconhecida como uma das maiores e mais efetivas ações de mulheres no Brasil. É a partir dos movimentos nos territórios que as pautas da Marcha são construídas. Alguns dos objetivos políticos que direcionam as ações das mulheres camponesas são:
- Reafirmar o protagonismo e dar visibilidade à contribuição econômica, política e social das mulheres do campo, da floresta e das águas;
- Denunciar e protestar contra todas as formas de violência, exploração e discriminação;
- Avançar na construção da igualdade para as mulheres;
- Fortalecer e ampliar a organização, a mobilização e a formação sindical e feminista das mulheres trabalhadoras rurais; e
- Protestar contra as causas estruturantes da insegurança alimentar e nutricional que precisam ser enfrentadas para garantir os direitos à alimentação adequada e à soberania alimentar.
A Marcha das Margaridas coloca milhares de mulheres do campo, da floresta e das águas em marcha. Como resultado dessa mobilização coletiva são produzidos instrumentos de diálogo como cartas políticas destinadas a políticos e candidatos. Também são produzidos materiais didáticos para formações de base, além de conteúdo audiovisual. O evento é coordenado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) junto a federações, sindicatos e 16 organizações parceiras, dentre elas o MMC.
A manifestação sempre acontece em Brasília, em agosto, para relembrar o mês em que foi assassinada Margarida Maria Alves, referência na ação política das mulheres campesinas. Ela foi a primeira mulher a assumir a presidência do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande/PB. Além disso, a primeira mulher a lutar pelos direitos trabalhistas na Paraíba durante a ditadura militar. Durante o período que assumiu o Sindicato, acionou a justiça por mais de cem vezes em defesa dos camponeses e camponesas.
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Margarida também colaborou ativamente na fundação de uma das primeiras organizações da América Latina composta exclusivamente por mulheres. Essa organização foi o Movimento de Mulheres do Brejo paraibano, que existe até hoje. Em razão de sua luta foi assassinada na porta de casa, ao lado do único filho e do marido. Trinta anos após sua morte, foi publicada a lei que registra Margarida Alves como a heroína das ligas camponesas e dos trabalhadores rurais do Brasil. O registro fica no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, também chamado Livro de Aço. Abrigado no Panteão da Pátria, o livro reúne, até 2023, 65 pessoas que dedicaram suas vidas às lutas por um país melhor.
A sétima edição da Marcha das Margaridas aconteceu nos dias 15 e 16 de agosto de 2023. O tema central mobilizador dos debater e formações foi: “Pela Reconstrução do Brasil e pelo bem viver”. A Marcha reuniu representantes de 33 países, além de mais de 100 mil mulheres brasileiras do campo, da floresta, das águas e das cidades. No segundo dia do evento, o governo federal publicou o Decreto nº 11.642/2023 que institui o Programa Quintais Produtivos para Mulheres Rurais. O programa pretende beneficiar milhares de mulheres através do acesso a insumos, equipamentos e utensílios necessários para estruturação e manejo de quintais.
Conquistas do MMC e de todas as camponesas
A Constituição Cidadã de 1988 garantiu a inclusão social previdenciária da mulher trabalhadora rural. Entretanto, somente três anos depois, a partir das Leis 8.212 e 8.213 foram efetivados os benefícios previdenciários. A sobrecarga de trabalho das mulheres camponesas é um dos desafios para a conquista da sua autonomia. Além do trabalho doméstico, elas se responsabilizam por diversaas atividades: cuidam das hortaliças, das crianças e participam ativamente das atividades agrícolas. Apesar disso, essas atividades não constituem a renda familiar e são consideradas mera extensão das atividades domésticas não remuneradas. Logo, não são consideradas trabalho.
Dentre os direitos já conquistados pelo MMC estão:
- a aposentadoria das mulheres camponesas aos 55 anos;
- o salário-maternidade;
- a obrigatoriedade da titulação conjunta.
Essa obrigatoriedade é requisito para que as familias acessem as políticas públicas da agricultura familiar. Além dessa obrigatoriedade, o reconhecimento das Mulheres Chefes de Família como beneficiárias da reforma agrária permite que as mulheres sejam vistas como sujeitos sociais. Assim, a permanência feminina no campo é estimulada e a igualdade entre mulheres e homens é fortalecida.
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O tema da saúde atravessa as preocupações do MMC desde o princípio, constituindo-se como uma importante frente de luta. O Movimento possui uma organização particular na área da saúde, com conhecimentos repassados por gerações. O reconhecimento e uso de plantas medicinais, a proteção das sementes crioulas e a produção de alimentos saudáveis são fundamentais para o fortalecimento da identidade e das práticas campesinas.
A bagagem histórica do MMC foi fundamental para sua participação na construção da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas. A PNSIPCFA surge da colaboração entre movimentos sociais, representantes governamentais, profissionais e gestores do SUS. A formulação dessa Política representa um salto de qualidade na garantia universal ao direito à saúde. Contudo, alguns desafios ainda estão presentes para a devida incorporação de políticas públicas rurais.
Programa estadual “Quintais Produtivos Agroecológicos” em SC
O projeto de lei nº 101/2023 da deputada estadual Luciane Carminatti (PT) institui o programa Quintais Produtivos Agroecológicos em Santa Catarina. Elaborado em parceria com o MMC, o PL tem como objetivo promover a segurança alimentar e nutricional; gerar de renda; preservar o meio ambiente; e resgatar os saberes tradicionais das comunidades rurais. Caso o projeto de lei seja aprovado na ALESC, o estado passará a integrar o programa federal instituído em agosto de 2023. Isso ampliaria as oportunidades e os benefícios para as famílias rurais catarinenses. O texto prevê, por exemplo, ações como distribuição de sementes e mudas e capacitação às famílias que aderirem aos quintais produtivos.
Já conhecia esse PL? Você pode acompanhar a tramitação do projeto de lei através do sítio eletrônico da Assembleia Legisltativa de Santa Catarina.
Dia estadual da mulher camponesa em RO
Por meio do Projeto de Lei 102/23, proposto pela deputada estadual Cláudia de Jesus (PT), ficou instituído em Rondônia o Dia Estadual da Mulher Camponesa, celebrado anualmente em 14 de julho. O marco visa reconhecer o trabalho e a contribuição dessas mulheres como líderes, defensoras de direitos e gestoras de suas lavouras.
Política estadual de valorização da mulher do campo no RJ
Foi sancionada pelo governador do RJ a Lei 10070/2023, que institui a Política estadual de valorização da mulher no campo. Ela tem por finalidade proteger a plenitude emocional, física e psíquica das camponesas. Também visa fomentar a atividade rural qualificada das mulheres, principalmente através de ações que respeitem suas potencialidades profissionais.
É uma longa jornada de organização social e luta política por direitos! A distribuição fundiária é uma questão histórica na nossa formação enquanto República. O MMC, junto a outros movimentos sociais, constrói caminhos mais justos social e economicamente, além de propor usos mais sustentáveis dos recursos naturais.
Você conhece alguma outra lei estadual que proteja e apoie as mulheres do campo, das florestas e das águas? Conhece outras mulheres camponesas que são inspiração na construção de movimentos sociais? Deixe aqui nos comentários!
Referências:
- Agência Brasil – Lei registra o nome de Margarida Alves como heroína da Pátria
- Assembleia Legislativa de Rondônia – Projeto da deputada Cláudia de Jesus institui o Dia Estadual da Mulher Camponesa
- ATAÍDES, Maria Clara Capel de. A Atuação do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC): uma perspectiva de suas estratégias e especificidades, 2018. Disponível em: <http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/8639>. Acesso em: 1 maio 2019.
- BONI, Valdete. Movimento de Mulheres Camponesas: um movimento camponês e feminista. Revista Grifos, N 34/34, 2013.
- Brasil de Fato – Política de valorização da mulher camponesa é aprovada na Alerj em primeira discussão
- CAMPAGNOLLA, Clayton; MACEDO, Manoel Moacir Costa. Revolução Verde: passado e desafios atuais, Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v. 39, n. 1, e26952, 2022.
- Catarinas – Marcha das Margaridas vai reunir 100 mil mulheres, em Brasília
- Gov.br – Marcha das Margaridas retorna a Brasília com expectativa de mais de 100 mil mulheres de todo o Brasil
- Luciane Carminatti – Quintais Produtivos para Mulheres Rurais: pauta comum da dep. Luciane e do Governo Lula
- Memorial da Democracia – Governo tenta reforma agrária negociada
- Memorial da Resistência – Margarida Maria Alves
- Movimento de Mulheres Camponesas – História
- Movimento de Mulheres Camponesas – Quem Somos e Nossa Missão
- PALMEIRA, Moacir. Modernização, Estado e questão agrária. 1989. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8532>.
- Politize! – Ditadura Militar no Brasil
- Transformatório das Margaridas | Políticas Públicas Para as Mulheres
- UNICAFES – Políticas públicas buscam promover igualdade de gênero no meio rural