A saúde na região Sudeste é o tema deste texto do projeto Muitos Brasis.
Você sabia que, apesar de concentrar a maior infraestrutura hospitalar do país, a região ainda enfrenta desafios no acesso equitativo aos serviços de saúde? Enquanto grandes centros urbanos oferecem atendimento de ponta, muitas cidades do interior lidam com a escassez de médicos e recursos básicos.
Compreender a saúde no Sudeste inclui analisar seus avanços, refletir sobre as desigualdades que persistem e como políticas públicas podem garantir um sistema mais acessível. Como equilibrar inovação, cobertura universal e sustentabilidade na saúde do Sudeste?
Descubra neste texto os desafios, conquistas e tendências que moldam o presente e o futuro da saúde na região mais populosa do Brasil.
Contexto histórico e social da saúde na região Sudeste
A saúde pública no Sudeste do Brasil, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, passou por transformações ao longo dos séculos XIX e XX que resultou em mudanças sociais, políticas e sanitárias da região.
Vamos entender o desenvolvimento da saúde nesta região ao longo da história.
São Paulo
Em São Paulo, a história da saúde pública começou em 1891 com a criação da Inspetoria Geral de Higiene, que se tornou o Serviço Sanitário do Estado em 1892. Sob a liderança de Emílio Ribas, nomeado inspetor sanitário em 1895 e diretor em 1898, o estado enfrentou epidemias de febre amarela e cólera. Dessa forma, em 1911, um novo Código Sanitário modernizou a estrutura de saúde.
O médico sanitarista Geraldo de Paula Souza impulsionou reformas na década de 1920, introduzindo centros de saúde e educação sanitária. Apesar de retrocessos, como a extinção dos centros de saúde em 1931, o estado avançou em campanhas de erradicação de doenças a partir de 1950, consolidando-se como referência nacional em saúde pública após reformas na Secretaria da Saúde na década de 1970.
Veja também: Surto, epidemia e pandemia: qual a diferença?
Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, a Santa Casa da Misericórdia, fundada no século XVI, foi uma das primeiras instituições de saúde, oferecendo assistência a doentes e desamparados.
No século XIX, a cidade enfrentou surtos de febre amarela, cólera e varíola, que revelaram as precárias condições sanitárias e impulsionaram reformas.
A criação da Junta de Higiene em 1850 e do primeiro serviço de estatísticas de saúde da América do Sul em 1851 foram marcos importantes. No início do século XX, as reformas urbanas de Pereira Passos e Rodrigues Alves, aliadas às campanhas de Oswaldo Cruz, combateram epidemias e modernizaram a infraestrutura da cidade.

Durante o governo Vargas (1930-1945), políticas públicas de saúde foram centralizadas, com a criação de órgãos como os Serviços Nacionais de Saúde em 1941. A implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1988 trouxe avanços, mas também desafios, como a falta de coordenação e a recentralização de recursos.
Minas Gerais
Em Minas Gerais, a saúde pública no período colonial e imperial era marcada por condições precárias. Instituições como a Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto e o Hospital São Vicente de Paulo de Mariana enfrentavam falta de infraestrutura e profissionais.
A transferência da capital para Belo Horizonte em 1897 impulsionou a modernização, com a criação de hospitais e sanatórios. No entanto, o estado continuou a enfrentar surtos de varíola, tuberculose e hanseníase.
A tuberculose, em particular, transformou Belo Horizonte em um centro de referência para o tratamento da doença, atraindo pacientes de todo o país e do exterior. O clima do estado era considerado benéfico, e a cidade ficou conhecida como “Suíça brasileira”.
Apesar dos avanços, Minas Gerais enfrentou epidemias periódicas de malária, cólera e febres infecciosas ao longo do século XIX, com respostas sanitárias muitas vezes reativas e dependentes de caridade e subscrições públicas.
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Espírito Santo
No Espírito Santo, a construção do primeiro hospital, a Santa Casa de Vitória, foi decretada por D. João VI em 1818 para enfrentar epidemias e desigualdades. Financiada por doações e subsídios governamentais, a instituição seguiu o modelo português de assistência cristã como ferramenta de controle social.
No século XIX, a Santa Casa enfrentou surtos de varíola, febre amarela e disenteria, com médicos como Philippe Pornin e Ernesto de Andrade promovendo campanhas de vacinação, apesar da resistência popular.
A epidemia de cólera de 1855, que atingiu o estado vindo da Bahia e do Rio de Janeiro, expôs a falta de médicos e infraestrutura, levando a população a recorrer a práticas religiosas e remédios caseiros. Em 1855, quando apareceu a epidemia de cólera, havia, na Província do Espírito Santo, dois médicos e dois boticários, para uma população de 49.092 habitantes.

Porto do Rio de Janeiro no fim do século 19, as doenças chegavam do exterior a bordo de navios (imagem/reprodução: Agência Senado).
Durante o governo Vargas (1930-1945), o Espírito Santo recebeu investimentos em saneamento e vacinação, com a criação de distritos sanitários, postos de higiene e hospitais especializados no tratamento de tuberculose e lepra. A proteção materno-infantil também foi ampliada, com campanhas de vacinação e educação sanitária.
Perfil epidemiológico da região Sudeste
Ao falar do Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil, deve-se trazer a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990) que estabelece os critérios de distribuição de recursos financeiros para estados, Distrito Federal e municípios. Um desses critérios é a análise do perfil epidemiológico.
O desenvolvimento socioeconômico da região reflete diretamente em seus indicadores de saúde, sobretudo nos dados de mortalidade, morbidade e prevenção de doenças.
A análise do perfil epidemiológico nos permite compreender os principais riscos à saúde da população e orientar políticas públicas. É isso que vamos apresentar neste capítulo.
Segundo pesquisas, entre os anos de 2008 e 2017, foram registrados 5.519.738 óbitos nos quatro estados do Sudeste, resultando em um coeficiente de mortalidade de 6,6 óbitos por 1.000 habitantes, um número próximo da média nacional do mesmo período.
A maior parte das mortes ocorreu em indivíduos com mais de 60 anos (66,25%), seguido pela faixa etária de 40 e 59 anos (20,49%).
As principais causas de mortalidade na região foram as doenças do aparelho circulatório (grupo de condições que acometem o coração e os vasos sanguíneos), responsáveis por 28,97% dos óbitos, seguidas pelas neoplasias (tumores), com 16,95% das mortes.
A predominância dessas doenças reflete desafios relacionados ao envelhecimento populacional, hábitos de vida e fatores ambientais.
A partir da coleta de dados no Sinasc, a região Sudeste registrou 11.475.957 nascidos vivos entre 2008 e 2017, com uma taxa de natalidade de 13,7 nascidos por mil habitantes, abaixo da média nacional. A maioria dos partos foi cesariana (58,97%), número muito acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que sugere um percentual ideal entre 10% e 15%.
Já a cobertura do pré-natal na região apresentou resultados positivos. 72,93% das gestantes realizaram mais de 7 consultas, superando a recomendação mínima de 6 consultas do Ministério da Saúde. A faixa etária materna predominante foi de 25 a 34 anos (46,11%), seguida por 15 a 24 anos (39,42%).
Por outro lado, em relação à mortalidade infantil, a principal causa de óbito foram afecções originadas no período perinatal, representando 58,2% das mortes entre 2008 e 2017, seguida por malformações congênitas e anomalias cromossômicas (21,2%). A maior incidência ocorreu nos primeiros seis dias de vida do bebê (50,7% dos óbitos infantis).
O Sudeste também concentra um alto número de casos de doenças crônicas não transmissíveis, como diabete e hipertensão, além de enfrentar surtos periódicos de doenças infecciosas. Em 2024, a região apresentou o maior coeficiente de incidência de dengue do país, com 4.739,8 casos por 100 mil habitantes, indicando a necessidade de ações preventivas contínuas.
Ainda entre 2008 e 2017, foram notificados 391.224 casos de tuberculose na região, com uma taxa de incidência de 46,55 casos por 100 mil habitantes. A doença afetou principalmente homens (69,6% dos casos) e a faixa etária entre 15 e 39 anos (52,47%).
A meningite também se destaca como um desafio de saúde pública, com 95.438 casos registrados no Sudeste no mesmo período. A taxa de incidência foi de 93,45 casos por 100 mil habitantes, sendo mais prevalente em crianças e adolescentes de 1 a 14 anos (44,03% dos casos).
Durante a pandemia de Covid-19, o Sudeste foi a região mais impactada do Brasil, concentrando 39,79% dos casos e 49% dos óbitos do país entre 2020 e 2022, segundo dados disponibilizados no Painel Coronavírus pelo Ministério da Saúde.
O estado de São Paulo, por exemplo, registrou o maior número de casos confirmados (6.315.333), seguido por Minas Gerais (4.079.422), Rio de Janeiro (2.701.378) e Espírito Santo (1.311.144).
O elevado número de casos no Sudeste pode ser explicado pelo tamanho populacional da região e pela intensa mobilidade entre os estados. Além disso, a adesão parcial ao isolamento social e a alta densidade urbana contribuíram para a disseminação do vírus.
A pandemia evidenciou desigualdades no acesso à saúde e a necessidade de fortalecer a estrutura hospitalar para futuras emergências sanitárias.
Acesso aos serviços de saúde na região Sudeste
O conceito de acesso à saúde envolve quatro elementos fundamentais:
- Disponibilidade;
- Acessibilidade;
- Aceitabilidade;
- Qualidade.
Apesar de possuir a maior rede hospitalar e a maior densidade de médicos por habitante, a desigualdade na distribuição de profissionais e infraestrutura impacta a oferta de serviços.
A desigualdade no acesso à saúde entre as grandes cidades e o interior é um dos principais desafios da região Sudeste. Enquanto capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte possuem ampla rede hospitalar, muitos municípios menores enfrentam escassez de recursos básicos, como médicos, insumos e equipamentos.
O Sudeste possui a maior concentração de unidades de saúde do país, com hospitais públicos e privados de alta complexidade e centros especializados. No entanto, a infraestrutura não está distribuída de maneira uniforme, resultando em filas de espera que podem durar meses, dificuldade de acesso a especialidades médicas e escassez de equipamentos em algumas localidades.
A região também apresenta a maior concentração de usuários de planos de saúde, o que reduz a pressão sobre o SUS em alguns centros urbanos. No entanto, a dependência do sistema público ainda é elevada, principalmente em áreas periféricas e no interior, onde muitas vezes os hospitais e unidades básicas de saúde (UBSs) são a única opção disponível.
Nas áreas rurais, a situação se agrava pela falta de transporte adequado, distâncias longas até os centros de atendimento e a ausência de hospitais de referência. Muitos pacientes precisam se deslocar para outras cidades para conseguir atendimento especializado.
De acordo com o Atlas da Demografia Médica no Brasil, a região Sudeste concentra 53,2% de todos os médicos do Brasil, totalizando 303.886 profissionais, com uma média de 3,39 médicos por mil habitantes (a maior entre todas as regiões do país).
No entanto, dentro dos estados, os profissionais se concentram nas capitais e em cidades economicamente mais desenvolvidas, deixando regiões do interior desassistidas. Confira a densidade de médicos por mil habitantes na região Sudeste:
- Rio de Janeiro: 3,77;
- São Paulo: 3,50;
- Espírito Santo: 3,00;
- Minas Gerais: 2,91.
Mesmo em grandes centros urbanos, há dificuldades para encontrar profissionais que atuem no serviço público. Uma pesquisa do Ipec revelou que o Sudeste é a região onde a população mais sente falta de médicos no SUS, 22% dos entrevistados apontaram esse problema como a principal deficiência do sistema de saúde.
Esse paradoxo (alta densidade de médicos, mas dificuldade de acesso) está relacionado a dois fatores principais:
- Má distribuição dos profissionais: preferência por atuar em cidades com melhor infraestrutura e remuneração;
- Falta de incentivo para carreira pública: a baixa remuneração e as más condições de trabalho no SUS afastam muitos médicos do setor público.
Políticas públicas na região Sudeste
Um estudo da consultoria Macroplan revelou que as regiões Sul e Sudeste apresentaram os melhores indicadores nesses setores entre 2010 e 2023, evidenciando a relevância das políticas públicas na promoção do bem-estar social.
O Plano Estadual de Saúde (PES) 2024-2027 do estado de São Paulo apresenta uma série de programas, iniciativas e metas voltadas para o aprimoramento das políticas públicas de saúde. O plano busca aprimorar a governança regional, ampliar o acesso aos serviços de saúde, promover a equidade no atendimento e fortalecer a atenção especializada.
Na área materno-infantil, o plano visa reduzir a mortalidade materna, de 39,88 para 35,88 por 100 mil nascidos vivos até 2027, e a mortalidade infantil, de 11,25 para 9,56 por mil nascidos vivos.
No campo da saúde mental, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) será ampliada, com a criação de 320 novos leitos psiquiátricos em hospitais gerais, elevando o total de 950 para 1.270. Além disso, o plano pretende reduzir o número de moradores de hospitais psiquiátricos de 600 para 400 e garantir cobertura de saúde mental em 47 regiões de saúde.
A assistência farmacêutica será aprimorada, com investimentos na modernização da distribuição de medicamentos.
As políticas de equidade terão foco na ampliação do acesso à saúde para populações indígenas, quilombolas, negras, pessoas privadas de liberdade, população em situação de rua e pessoas trans.
O atendimento à população em situação de rua será fortalecido por meio da expansão do programa Consultório na Rua. Já o cuidado com a população carcerária será aprimorado com a ampliação de equipes de saúde prisional.
O Plano Estadual de Saúde (PES) 2024-2027 de Minas Gerais é o principal instrumento de planejamento e execução das políticas públicas de saúde no estado, alinhado aos princípios do SUS.
O PES reforça o compromisso com a universalidade, integralidade e equidade, priorizando a Atenção Primária à Saúde (APS) como eixo estruturante do sistema.
Em julho de 2023, a cobertura da APS em Minas Gerais atingiu 89,74%, com 6.144 equipes de Saúde da Família (eSF) e 267 equipes de Atenção Primária (eAP) financiadas pelo Ministério da Saúde.
Para ampliar o acesso à saúde, o Programa Saúde na Hora foi implementado, estendendo o horário de funcionamento das Unidades Básicas de Saúde (UBS) em 132 municípios.
A equidade é um dos pilares centrais do PES 2024-2027, com políticas específicas voltadas a grupos vulneráveis, como a população LGBTQIA+, negra, quilombola, indígena e privada de liberdade. Comitês e grupos técnicos foram instituídos para garantir a implementação dessas políticas e melhorar o acesso aos serviços.
Entre as principais políticas, destacam-se a Política Estadual de Saúde Integral LGBT+ e a Política Estadual de Saúde Integral da População Negra e Quilombola.
No contexto prisional, Minas Gerais possui 108 equipes de Atenção Primária Prisional (eAPP) para atender a população carcerária de 61.077 pessoas, consolidando sua posição de destaque nacional na implementação dessa política. Além disso, o estado mantém 21 equipes de Consultório na Rua (eCR) em 19 municípios, voltadas para o atendimento de pessoas em situação de rua.
Minas Gerais se destaca no campo da pesquisa e desenvolvimento em saúde, com instituições de referência como a Fundação Ezequiel Dias (Funed), responsável pela produção de vacinas e soros para o SUS, e a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), que gerencia hospitais públicos especializados.
O Plano Estadual de Saúde do Rio de Janeiro 2024-2027 estabelece uma série de políticas públicas voltadas para a melhoria da saúde da população.
O plano reconhece a necessidade de ações específicas para grupos em situação de vulnerabilidade. Para a população negra, propõe a implementação de políticas transversais para combater o racismo estrutural e melhorar o acesso aos serviços de saúde, além da coleta de dados desagregados por raça/cor para embasar decisões.
Para indígenas e quilombolas, o foco está no fortalecimento da atenção à saúde, com ações voltadas para doenças infectoparasitárias, crônicas e transtornos mentais, além da valorização da medicina tradicional.
A população LGBTI+ terá acesso a ambulatórios especializados em municípios como Cabo Frio, Petrópolis, Belford Roxo e Niterói, além de serviços de hormonização no Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (IEDE). Profissionais de saúde serão capacitados para oferecer atendimento humanizado e livre de preconceitos.
Para imigrantes e refugiados, o plano garante acesso ao SUS, com capacitação de profissionais e criação de comitês municipais de saúde.
A população privada de liberdade será atendida por meio da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade (PNAISP), com cobertura de 100% das equipes de Atenção Primária Prisional (e-APP) e cofinanciamento estadual.
A população em situação de rua contará com a expansão das Equipes de Consultório na Rua (eCR) e cofinanciamento estadual para fortalecer esses serviços.
Na vigilância ambiental, o programa VIGIAGUA monitorará a qualidade da água, e ações de prevenção a desastres socioambientais, como deslizamentos e inundações, serão implementadas.
O Espírito Santo tem como meta ampliar a cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) para 96% até 2027. Para isso, o estado está investindo na construção de 111 novas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e na qualificação dos profissionais que atuam na APS, incluindo médicos, enfermeiros, agentes comunitários de saúde e técnicos de enfermagem. O objetivo é garantir que a APS seja a porta de entrada preferencial do SUS, resolvendo até 85% das necessidades de saúde da população.
Além disso, o estado está implementando o Plano Decenal APS+10, que visa fortalecer a infraestrutura da rede de APS e expandir a cobertura populacional. O plano inclui a formação de profissionais por meio do Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde (ICEPi), que oferece cursos e capacitações para os trabalhadores da saúde.
Além disso, o estado está ampliando a oferta de serviços de saúde para pessoas em situação de rua por meio do Consultório na Rua, uma estratégia que integra a APS e oferece cuidados de saúde de forma humanizada e próxima ao território onde essas pessoas vivem.
O estado está investindo na modernização da rede hospitalar, com a construção de novos hospitais e a ampliação da capacidade instalada de leitos. O Complexo de Saúde do Norte e o Hospital Geral de Cariacica são exemplos de projetos prioritários que visam melhorar o acesso aos serviços de saúde em regiões com maior demanda.
Desafios e avanços na saúde da região Sudeste
Um estudo com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998 e 2003 revelou que, em ambos os anos, as pessoas residentes nas regiões Sul e Sudeste tiveram maiores chances de utilizar serviços de saúde em comparação com outras regiões do país.
As melhorias observadas são atribuídas à combinação de políticas sociais e econômicas, associadas a estratégias regionais de desenvolvimento.
A região apresenta avanços notáveis na expansão da Atenção Primária, inovação digital, promoção da equidade e integração das Redes de Atenção à Saúde, consolidando-se como referência nacional em saúde pública.
No entanto, apesar dos avanços, a região Sudeste enfrenta desafios como desigualdades regionais, alta prevalência de doenças crônicas, problemas na vigilância epidemiológica e dificuldades na gestão e financiamento da saúde, por exemplo.
Confira abaixo, como cada estado tem se saído nos últimos anos.
Entenda mais: Saúde Pública no Brasil e o SUS: práticas e desafios
São Paulo
São Paulo é um dos estados mais avançados do Brasil em termos de infraestrutura e oferta de serviços de saúde. Um dos principais avanços foi a redução da mortalidade infantil, que caiu para menos de 10%, índice comparável ao de países desenvolvidos.
Esse sucesso é atribuído ao trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), que atuam diretamente nas comunidades, acompanhando gestantes e crianças. O estado também ampliou a cobertura das Equipes de Estratégia Saúde da Família (ESF), atendendo 60% das famílias paulistanas no SUS, com a criação de 1,8 milhão de vagas a mais por ano na Atenção Básica.
São Paulo foi reconhecido com o prêmio Inova SUS pela reorganização do processo de trabalho na Atenção Básica e implementou a unificação de 22 AMA/UBS. Projetos comunitários como o “Futebol da Saúde” (UBS Belenzinho) e o “Cuidado ao Idoso Acamado” (UBS Jardim Seckler) destacam-se pela promoção da qualidade de vida e integração social.
Apesar dos avanços, a terceirização da força de trabalho, com 76,1% dos profissionais contratados por Organizações Sociais de Saúde (OSS), gera precarização das condições laborais e fragmentação do sistema.
Além disso, o envelhecimento populacional e o aumento das doenças crônicas demandam investimentos em prevenção e cuidados de longo prazo. A modernização da infraestrutura hospitalar é fato determinante para lidar com as crescentes demandas, especialmente em crises como a pandemia de Covid-19.
Minas Gerais
Minas Gerais destaca-se pela regionalização da saúde, promovendo a descentralização da gestão e a equidade no acesso aos serviços. O estado estruturou Redes de Atenção à Saúde (RAS) que respeitam as especificidades regionais, promovendo uma gestão integrada entre municípios, estado e União. O foco está na atenção integral à saúde, com investimentos na Atenção Primária à Saúde (APS) para garantir acesso equitativo.
Outro destaque é o Projeto HubMG GOV, o maior projeto de inovação para o setor público na América Latina. A iniciativa conecta startups e empresas aos desafios do setor público, utilizando inteligência artificial e machine learning para melhorar a regulação de acesso, a assistência farmacêutica e a vigilância epidemiológica. A modernização inclui a automação de processos e a integração digital dos serviços de saúde.
Apesar dos avanços, Minas Gerais enfrenta desafios na oferta de serviços. Mais da metade dos municípios têm menos de 15.000 habitantes, o que limita a oferta de serviços especializados.
Rio de Janeiro
O Rio de Janeiro tem investido na expansão da Atenção Primária à Saúde (APS), que atualmente cobre cerca de 60% da população. O plano estadual visa ampliar essa cobertura para 80% até 2027, priorizando comunidades periféricas e rurais. As Redes de Atenção à Saúde (RAS) foram estruturadas em 10 regiões, promovendo a integração sistêmica e regionalizada. A Rede Cegonha é um destaque, com foco na redução da mortalidade materna e infantil.
Apesar dos avanços, o Rio de Janeiro enfrenta desafios na vigilância epidemiológica e no controle de doenças emergentes e reemergentes, como dengue, chikungunya e zika. A baixa cobertura vacinal também é um problema crítico, exigindo políticas mais eficazes de imunização.
Espírito Santo
O Espírito Santo é um dos estados mais avançados na Atenção Primária à Saúde (APS), com 96% de cobertura pela Estratégia Saúde da Família (ESF), superando a média nacional de 92,5%. O estado é referência em Saúde Preventiva, com programas como Saúde na Escola e Práticas Integrativas e Complementares.
Apesar dos avanços, o Espírito Santo enfrenta desafios no controle de doenças crônicas e na vigilância epidemiológica, com alta incidência de doenças cardiovasculares, câncer e diabete. A mortalidade infantil permanece alta, e a cobertura vacinal está abaixo das metas preconizadas.
O estado também enfrenta desafios no financiamento da saúde, com dependência de transferências federais e limitações na arrecadação estadual. Além disso, o envelhecimento populacional aumenta a demanda por cuidados prolongados, exigindo novas políticas públicas.
Saúde e qualidade de vida na região Sudeste
A relação entre saúde e qualidade de vida na região Sudeste é marcada por contrastes. Apesar de abrigar as cidades mais desenvolvidas do Brasil, a região enfrenta desafios relacionados a estilos de vida, impactos ambientais e desigualdades sociais. A análise desses fatores revela como o cotidiano da população influencia os indicadores de saúde e bem-estar.
A saúde mental também é um aspecto relevante. Estresse, ansiedade e depressão têm crescido significativamente na população urbana, principalmente devido à sobrecarga de trabalho, insegurança nas grandes cidades e falta de suporte social. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é um dos países com maior prevalência de depressão na América Latina, e o Sudeste concentra a maior parte dos casos.
Por outro lado, a região possui acesso relativamente melhor a serviços de saúde mental em comparação com outras regiões do país, principalmente devido à concentração de profissionais especializados e clínicas particulares. No entanto, a falta de suporte adequado no Sistema Único de Saúde (SUS) e o preconceito ainda presente na sociedade dificultam o tratamento eficaz de transtornos mentais.
O ambiente urbano no Sudeste exerce um impacto significativo na saúde da população. Poluição do ar, desmatamento, saneamento básico precário e mudanças climáticas são fatores críticos que influenciam a qualidade de vida na região.
A intensa urbanização e a frota crescente de veículos contribuem para elevados níveis de poluição do ar, especialmente em metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro, onde a concentração de material particulado (PM10 e PM2,5) excede frequentemente os limites recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
A poluição atmosférica tem relação direta com o aumento de doenças respiratórias, como asma, bronquite e doenças pulmonares obstrutivas crônicas (DPOC). Crianças e idosos são os grupos mais vulneráveis, com aumento nas taxas de internação por problemas respiratórios em dias de alta poluição.
Apesar de ser a região economicamente mais desenvolvida do país, o Sudeste ainda apresenta déficits significativos em saneamento básico, impactando diretamente a saúde pública. Cerca de 79,2% da população tem coleta de esgoto, mas somente 50,1% desse esgoto é tratado.
A ausência de saneamento adequado resulta em doenças de veiculação hídrica, como diarreia, hepatite A e leptospirose, além de contribuir para a proliferação de vetores como o Aedes aegypti, transmissor de dengue, zika e chikungunya.
Em 2018, ocorreram 40 mil internações por doenças associadas à falta de saneamento básico no Sudeste, resultando em um gasto de R$ 20 milhões com tratamentos médicos. Além disso, 793 óbitos foram registrados na região devido a essas doenças.
Confira abaixo um panorama do saneamento dos quatro estados da região Sudeste do país:
Espírito Santo | Minas Gerais | Rio de Janeiro | São Paulo | |
População com acesso à água (%) | 81,2% | 82,1% | 90,5% | 96,2% |
População com acesso à coleta de esgoto (%) | 54,4% | 72,1% | 65,4% | 89,8% |
Esgoto tratado sobre água consumida (%) | 46,3% | 39% | 31,3% | 64,5% |
Perdas na distribuição (%) | 39,6% | 36,4% | 32,8% | 34,1% |
Internações por doenças associadas a falta de saneamento | 4.301 | 14.923 | 4.164 | 16.335 |
A região Sudeste é formada por três biomas: Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga. Embora o desmatamento seja relativamente menor em comparação com outras regiões do país (o Sudeste responde por somente quase 2% dos desmatamentos que ocorreram em todo o país), o impacto ambiental é significativo, principalmente em áreas de Minas Gerais e Espírito Santo, onde houve aumento de 48% nos alertas de desmatamento em 2020.
A degradação ambiental contribui para a erosão do solo, mudanças climáticas locais e crises hídricas, que afetam diretamente a saúde da população. A seca severa de 2014–2015 na região Sudeste, por exemplo, levou ao racionamento de água e ao aumento de doenças relacionadas ao consumo de água contaminada.
A poluição hídrica é outro problema crítico. A contaminação de rios e reservatórios, principalmente em áreas metropolitanas, prejudica a qualidade da água utilizada para consumo humano e atividades agrícolas. Doenças como gastroenterites e hepatites virais são comuns em comunidades com acesso precário a água potável.
Apesar dos desafios ambientais e dos problemas de saúde pública, a região Sudeste se destaca em longevidade e qualidade de vida. Segundo o Índice de Desenvolvimento Urbano para Longevidade (IDL), São Paulo é o estado com melhor desempenho tanto em grandes quanto em pequenas cidades, indicando um maior acesso a serviços de saúde, educação e infraestrutura urbana.
A integração multissetorial entre saúde, educação, infraestrutura, meio ambiente e economia é um dos principais fatores para a promoção da qualidade de vida na região. Programas de promoção à saúde e prevenção de doenças, especialmente aqueles que incentivam a atividade física e a alimentação saudável, têm se mostrado eficazes na melhoria dos indicadores de longevidade.
Saúde na região Sudeste hoje e no futuro
A região Sudeste se destaca pela ampla infraestrutura de saúde, programas bem estruturados e inovação tecnológica. A expansão da Atenção Primária, fortalecimento da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e investimentos em telemedicina melhoram o acesso à saúde. Políticas de equidade e a regionalização da gestão pública garantem avanços na assistência a populações vulneráveis.
No entanto, desigualdade no acesso aos serviços, concentração de médicos e hospitais em grandes centros e precarização do trabalho na saúde pública são desafios persistentes e impactam negativamente os indicadores de saúde.
É possível observar que os estados planejam ampliar a infraestrutura hospitalar, investir na modernização dos sistemas de regulação e expandir a telemedicina. O fortalecimento da vigilância epidemiológica e políticas voltadas para grupos vulneráveis visam reduzir desigualdades, e o uso de inteligência artificial e automação na gestão da saúde pode aumentar a eficiência do SUS.
Continue acompanhando outros eixos e regiões do Muitos Brasis e descubra como as diferenças do Brasil tornam este um país só.
Referências:
- Acervo mais – Perfil epidemiológico da COVID-19 na região sudeste do Brasil de 2020 a 2022
- AGÊNCIA BRASIL – Dengue: maior preocupação do governo é com a região Sudeste;
- Brasil 61 – Estudo aponta que regiões Sul e Sudeste cuidam melhor do envelhecimento da população
- BVSALUTZ – FIOCRUZ – Histórico das doenças no Brasil. Biblioteca Virtual em Saúde;
- COREN-ES – Enfermagem no Espírito Santo supera média nacional de cobertura da Atenção Primária à Saúde;
- FOLHA VITÓRIA – Data Business: maior expectativa de vida no ES é desafio para a saúde;
- FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ) – O Estado do Rio de Janeiro e o Complexo Industrial da Saúde: desafios e potencialidades;
- Gov.br – Cerca de 37% do Sudeste está com nível de degradação entre moderado ou crítico
- GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS – Políticas de promoção da equidade em saúde;
- GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO – Saúde pública no governo do estado de São Paulo: desafios e avanços;
- GRAZZIOTTI, M. S – História da saúde no Espírito Santo – Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória;
- INSTITUTO DE ESTUDOS PARA POLÍTICAS DE SAÚDE (IEPS) – Capitais do Centro-Oeste, Sul e Sudeste gastaram mais com saúde em 2023
- INSTITUTO TRATA BRASIL – As regiões Sul e Sudeste somaram mais de R$ 17 milhões em despesas por doenças atreladas à falta de saneamento básico
- MapBiomas – Região Sudeste tem leve redução no desmatamento em 2020
- MASCARENHAS, G – História da saúde pública em São Paulo – São Paulo, 1973;
- Revista esfera saú de- Perfil epidemiológico da população da região sudeste do brasil no periodo de 2008 a 2017
- Ministério da Saúde – Boletim Epidemiológico
- Saúde digital news – Sudeste tem maior média de médicos, mas disparidade entre estados persiste
- O Globo – Moradores do Sudeste são os que mais afirmam sentir falta de médicos na saúde pública
- PIVA, I – História da saúde pública no Espírito Santo. Revista Agora;
- SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS – Open-access Fatores associados ao acesso precário aos serviços de saúde no Brasil
- SCIELO – Os grupamentos com maiores níveis de desenvolvimento socioeconômico e de oferta de serviços estavam localizados predominantemente nas macrorregiões Sul e Sudeste;
- SCIELO – São Paulo é a maior metrópole do Brasil, com uma população que supera a de muitos países. No entanto, o desenvolvimento econômico não se traduziu em desenvolvimento social;
- SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DO ESPÍRITO SANTO – Conferência da ADESG em Linhares aborda desafios na gestão da saúde no Espírito Santo;
- SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DO ESPÍRITO SANTO – Plano Estadual de Saúde 2024-2027;
- SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE MINAS GERAIS (SES-MG) – Secretaria de Saúde apresenta os desafios de inovação do SUS e busca soluções tecnológicas por meio do HubMG GOV;
- Trata Brasil – Saneamento e Saúde na Região Sudeste
- SCIELO – Epidemias e políticas públicas. Revista Española de Salud Pública;
- SCIELO. Epidemias e saúde pública em Minas Gerais;
- SCIELO – Epidemias no Espírito Santo;
- SCIELO – História das epidemias na América Latina;
- SCIELO – Reformas sanitárias e políticas públicas no Brasil;
- SCIELO – Saúde pública e políticas no Brasil;
- SCIELO. Trajetória das doenças no Brasil;
- UFPR – Reformas sanitárias no Brasil. História: Questões & Debates.