No Brasil, ao mesmo tempo em que presenciamos uma sociedade diversa e culturalmente rica, observamos em seu tecido social uma das maiores marcas da desigualdade. Mas o que explica o fato de um país com tantas riquezas naturais e culturais ser, ao mesmo tempo, tão desigual? Quais são os fatores históricos, econômicos e sociais que contribuem para essa realidade?
Nesta etapa do projeto Muitos Brasis, vamos explorar alguns dados sobre as origens e os impactos das desigualdades brasileiras, revelando as diversas camadas desse fenômeno complexo.
O que é desigualdade?
Ao longo da nossa história, a desigualdade social no Brasil tem sido um reflexo de processos cujas origens nos levam ao período colonial, à escravidão e às disputas de terras e poder. Como veremos, esses desafios se multiplicam, gerando novos Brasis dentro de um mesmo território. Você já pensou como essa desigualdade impacta sua vida?
Antes de tudo, vamos entender o que estamos definindo como desigualdade social.
A desigualdade social é a diferenciação de classes sociais por questões de renda, cultura, política, localização geográfica e outros atributos que marcam a distinção entre grupos sociais.
Segundo o sociólogo François Dubet, a desigualdade social é um fenômeno que se manifesta em várias dimensões e é influenciada por fatores estruturais e individuais. Nesse sentido, podemos entender que não se trata apenas de uma diferença das condições de vida, mas como um conjunto de processos sociais que envolvem a distribuição desigual de recursos, oportunidades e reconhecimento entre os indivíduos de uma sociedade.
Calma, vamos explicar como isto pode ser observado, na prática:
Conforme o levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a pandemia da Covid-19 causou um pico de desigualdade. No entanto, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2023, o índice de Gini — cálculo realizado para medir o nível de desigualdade dos países, que vai de 0 a 1 e, quanto mais próximo de zero, melhor para o país — estava em 0,518.
Esse resultado nos mostra que ainda há um longo caminho para o Brasil solucionar essa questão. No entanto, há algumas formas de explicar as causas da desigualdade social.
Nem sempre isto foi caracterizado como um problema. Alexis de Tocqueville identificou três fases históricas da desigualdade, que marca a transformação da desigualdade que: no primeiro momento, era natural e, portanto, não afetava a distribuição de recursos; no segundo momento, o surgimento da propriedade passou a distinguir os grupos sociais e determinar suas relações; no terceiro momento, as classes sociais estão mais definidas e passa a existir uma relação de dependência entre quem possui mais e os que possuem menos.
Trazendo esta análise para o contexto brasileiro, podemos analisar do seguinte modo:
Do ponto de vista histórico, esta é uma herança do período colonial, marcado pelo domínio ibérico, a escravidão e a economia latifundiária, pois o interesse na exploração em recursos naturais e a exploração da mão de obra escrava, por exemplo, geraram um sistema desigual de distribuição de renda, recursos e oportunidades.
Do ponto de vista sociológico, algumas raízes são a má distribuição de riquezas, problemas relativos à corrupção, má administração dos recursos públicos, dificuldade de acesso a recursos e direitos, ausência de políticas públicas e, além disso, as mais diversas discriminações (de gênero, raça, sexo, etc.) agravam ainda mais a desigualdade do Brasil.
A demografia do Brasil
O Censo Demográfico de 2022 registrou um total de 203.080.756 de cidadãos brasileiros. A população estimada em 2024 foi de 212.583.750 de pessoas. Com uma população predominantemente jovem, estamos vivendo no período que os estudos demográficos chamam de bônus demográfico, resultado da redução da taxa de fecundidade (as famílias têm menos filhos) e da diminuição da mortalidade em uma população (a população passa a viver mais).
No geral, isso contribui para o aumento da População Economicamente Ativa (PEA), ou seja, a fração de pessoas em idade de trabalhar (entre 15 e 64 anos) em relação à população dependente, como crianças e idosos.
Outros dados interessantes da população brasileira é a distribuição por raça, que revelou ser um país com maioria se autodeclarando pardos (45,3%), seguido de brancos (43,5%), pretos (10,2%), indígenas 0,6% e amarelos 0,4%. Em termos de gênero, as mulheres são maioria, representando 51,5% da população.
Mas afinal, para que servem estes números? Ao formular políticas públicas, a composição populacional evidencia a realidade presente nos diferentes espaços, como o mercado de trabalho e o acesso a serviços públicos.
Esses dados respondem perguntas como: quem são as pessoas com maior nível de desemprego? Todos os grupos acessam igualmente os serviços públicos? Quem são os 7% da população que ainda não é alfabetizada?
Desigualdades sociais do Brasil
O contraste das regiões brasileiras se revelam tanto nos cenários urbanos, quanto nas áreas rurais. Isso ficou evidente a partir do Censo de 2022, pois os dados sobre as condições dos domicílios brasileiros mostraram um país onde a modernização e as desigualdades convivem lado a lado. Vamos ver isso?
A maioria das residências brasileiras, cerca de 64,69%, está conectada à rede de esgoto, um avanço quando comparado a décadas passadas, mas ainda é um sinal de que mais de um terço da população vive sem esse serviço básico. No entanto, 83,88% dos domicílios já são abastecidos pela rede geral de água, mostrando que o acesso à água tem se tornado mais comum em diversas regiões.
A realidade populacional brasileira, com uma taxa de fecundidade de 1,76 filhos por mulher em 2021, reflete a transição demográfica que o país enfrenta, na qual as famílias são menores e a taxa de mortalidade infantil, apesar de ter caído, ainda registra 12,59 óbitos por mil nascidos vivos.
Em termos de tecnologia, 90% dos domicílios já têm acesso à internet, e 96,3% possuem telefone celular, mostrando como a inclusão digital tem sido acelerada nos últimos anos, apesar de apenas 42,6% das residências possuírem um microcomputador ou tablet. Quase todas as casas, 95,5%, possuem televisão, o que demonstra o papel central desse meio de comunicação no cotidiano brasileiro.
No campo econômico, os desafios também são evidentes. O PIB per capita em 2020 foi de R$ 35.935,74 e, além disso, a inflação, medida pelo IPCA, manteve-se relativamente baixa em julho de 2024, com 0,38%, mas os preços dos produtores aumentaram 1,58%, sinalizando pressão nos custos de produção.
A taxa de desocupação no segundo trimestre de 2024 foi de 6,9%, um dado que sugere um avanço no mercado de trabalho quando comparado aos anos anteriores. No entanto, o setor industrial, ainda se recuperando de crises passadas, viu uma retração de 7,2% na produção em janeiro de 2022.
Na educação, o Brasil enfrenta um cenário de progresso misturado a desafios. Com uma taxa de analfabetismo de 5,4% entre pessoas com 15 anos ou mais, o país ainda precisa avançar para erradicar esse problema, mas a taxa de escolarização de 6 a 14 anos é bastante elevada, atingindo 99,4%. Os índices de desenvolvimento da educação básica (IDEB) mostram que os anos iniciais do ensino fundamental na rede pública alcançaram uma nota de 5,5 em 2021, enquanto os anos finais registraram 4,9. Mais de 26 milhões de matrículas foram registradas no ensino fundamental em 2023, e quase 7,7 milhões no ensino médio, com um corpo docente numeroso para atender a essa demanda.
Esses números mostram que o Brasil avança, mas ainda tem muito a caminhar. Os contrastes nas condições de vida, na educação e na economia revelam um país em busca de soluções para garantir que o progresso seja para todos. As estatísticas, por trás de cada ponto percentual, representam vidas, histórias e desafios que, juntos, constroem o retrato de uma nação diversa e complexa.
Conclusão
Viu como é complexo o quadro brasileiro em relação às diferentes desigualdades? Entender as origens e as consequências disso pode ser um tanto quanto complexo. Além disso, falar sobre esse tema é essencial, pois a desigualdade social impacta a todos, pois gera instabilidade econômica e social.
Foi por este motivo que a Politize! desenvolveu o Muitos Brasis. Para saber como a desigualdade afeta de forma diferente cada região do país, acesse os textos do projeto e saiba mais!
Referências:
- Oxfam – Entenda as causas da desigualdade social e como afeta a população
- IBGE – Síntese de Indicadores Sociais
- Ipea – Retrato dos rendimentos do trabalho – resultados da PNAD Contínua do primeiro trimestre de 2024
- IBGE – ISM – Indicadores Sociais Mínimos
- François Dubet – As desigualdades multiplicadas
- Cesaltina Abreu – Desigualdade social e pobreza: ontem, hoje e (que) amanhã
- IBGE – Panorama do Censo 2022