Você já ouviu falar do feminismo islâmico e a luta das mulheres afegãs?
Com a volta do Talibã ao poder no Afeganistão no dia 15 de agosto de 2021, os olhos do mundo se voltaram ao país para discutir o retrocesso dos direitos humanos e a violação de direitos das mulheres.
Desde o início do século XX, as mulheres afegãs lutam por mais liberdade e igualdade de gênero. Quando o Talibã assumiu o poder pela primeira vez no país, em 1996, os direitos e liberdades foram severamente restringidos.
Em uma entrevista coletiva realizada em 17 agosto de 2021, Zabihullah Mujahid, porta-voz do Talibã, afirmou que as mulheres poderão trabalhar. Ele também afirmou que o Grupo não é o mesmo de 20 anos atrás e prometeu ação mais moderada.
Ainda, diante das recentes atuações deste grupo, os casos de islamofobia — preconceito e ataques contra muçulmanos — cresceram ao redor do mundo. Entretanto, é preciso ressaltar que grupos terroristas com teor religioso, como o Talibã, não são a mesma coisa que a religião do Islã.
Assim, neste conteúdo, você vai entender como a Islamofobia atinge as mulheres afegãs, os direitos que elas possuem de acordo com os preceitos do Islã, a luta do feminismo islâmico, e porque é importante distinguir o que diz a religião de como a cultura do patriarcado transformou a vida dessas mulheres.
O que é o Islã e o que diz sobre os direitos das mulheres?
O Islã é uma religião monoteísta articulada pelo Alcorão, um texto considerado pelos fiéis como a palavra de Deus e que se guia pelos exemplos de Maomé, o último profeta de Deus. A palavra Islã significa ‘paz’, enquanto muçulmano significa ‘quem se entrega a Deus de corpo e alma’.
“Ser muçulmano significa adorar a um Deus único, fazer jejum, fazer cinco orações diárias, pagar o zakat (contribuição anual) e fazer o Haj (peregrinação a Meca que é feita pelo menos uma vez na vida, se tiver condições físicas). Esses são os pilares da fé.”
Francirosy Campos Barbosa, professora da Universidade de São Paulo, antropóloga com pós-doutorado na Universidade de Oxford, em entrevista ao Politize!
O Islã também é claro em relação ao direito das mulheres. Desde o século 7, a religião prega o direito ao voto, direito à herança, direito ao divórcio, direito de escolher o marido, direito ao prazer sexual e ao conhecimento.
“Muitas vezes as pessoas acham que o fato das mulheres estarem cobertas significa que elas não têm desejo e que elas não devem ser atendidas. A religião ensina sobre o respeito aos direitos e a vida das mulheres. Um exemplo disso é que o Islã pauta claramente que o marido não pode deixar a relação sexual sem que a mulher tenha sentido prazer.”
Francirosy Campos Barbosa
Ainda, como é explicado no artigo ‘As Mulheres Muçulmanas precisam mesmo de salvação?’, escrito pela antropóloga Lila Abu-Lughod, para analisar sobre a atual situação de vida das mulheres afegãs, é necessário fazer um desdobramento histórico mais profundado para entender o direito das mulheres no Islã.
Isso porque muitas vezes, os debates sobre os direitos das mulheres se resumem a análises generalistas sobre a cultura religiosa islâmica. Um exemplo disso é mostrar as mulheres como oprimidas por conta das suas vestimentas, como a burca.
Leia também: Islamismo: como é a religião muçulmana?
O Talibã e a intervenção dos EUA no Afeganistão
O Talibã é um grupo extremista que reprime direitos fundamentais e, por conta disso, estima-se que 80% das pessoas que estão tentando refúgio desde maio de 2021, quando o Talibã já estava avançando nos territórios, são mulheres, meninas e crianças. Mas como dito anteriormente, as vestimentas das mulheres estão ligadas à sua religiosidade, portanto essas mulheres devem ter a sua liberdade religiosa respeitada.
A antropóloga Francirosy Campos Barbosa ressalta que é preciso pensar também nos desdobramentos da História e da Política para que chegasse ao atual estopim. O maior exemplo disso foi a intervenção dos Estados Unidos ao Afeganistão após os ataques às Torres Gêmeas, do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001.
Segundo Barbosa, os estadunidenses invadiram o território com a justificativa da “Guerra Contra Ao Terrorismo”. No entanto, esse fenômeno também ocorreu porque existe um grande interesse econômico naquela região, bem como existe um interesse em colonizar a região, os corpos, a estrutura social e a própria religião.
Leia também: Talibã e sua atuação no mundo do terrorismo
As consequências da intervenção dos Estados Unidos no Afeganistão
A invasão dos Estados Unidos no Afeganistão teve início em 7 de outubro de 2001, à revelia das Nações Unidas, que não autorizaram uma ação militar no território afegão.
A princípio, a invasão tinha como objetivo encontrar Osama bin Laden e outros líderes da Al-Qaeda, destruir toda essa organização e remover do poder o regime Talibã, que dera apoio a Bin Laden.
Com a morte de Bin Laden em 2 de maio de 2011, os Estados Unidos permaneceram no território. Uma década depois, os Estados Unidos deixaram o Afeganistão e a os fundamentalistas do Talibã retomaram ao poder em 2021.
Segundo Abu-Lughod, que é professora de Ciências Sociais no Departamento de Antropologia da Universidade de Columbia, em Nova York (EUA), essa argumentação de ‘opressão da vida das mulheres muçulmanas’ justifica as diversas ações realizadas pelos Estados Unidos.
Em seu artigo, a especialista reflete que as análises também deveriam mostrar sobre como a violência dos Estados Unidos destruiu o Afeganistão por conta de interesses econômicos. Inclusive, diversos grupos chegaram ao poder através de ações reacionárias que foram financiadas, em sua maioria, pelos próprios Estados Unidos.
Movimentos das mulheres afegãs
Os movimentos sociais a favor dos direitos das mulheres no Afeganistão já estão organizados e um exemplo disso foi a passeata em Cabul em defesa dos direitos conquistados nos últimos 20 anos, que ocorreu em 3 setembro de 2021.
É válido ressaltar que a maioria das historiadoras feministas ocidentais defendem que todos os movimentos que trabalham pela obtenção dos direitos da mulher devem ser considerados movimentos feministas, mesmo que eles não usem ou tenham usado o termo para se identificarem.
Segundo o estudo à tese de doutorado Feminismo Islâmico: mediações discursivas e limites práticos, da pesquisadora Cila Lima, existem três principais movimentos sociais de mulheres muçulmanas:
- o secular, de caráter político-social, que usa uma narrativa feminista universalista, dirigida a todas as mulheres de sua localidade;
- o islamista, que rejeita o feminismo e atua de acordo com leituras literais e de raízes fundamentalistas das fontes religiosas islâmicas;
- e o islâmico, que surge do encontro dos dois primeiros.
Leia também: Vertentes do feminismo: conheça as principais ondas e correntes!
Como é possível apoiar a luta das mulheres afegãs?
A antropóloga Francirosy aponta que, para ajudar as mulheres muçulmanas, é necessário fazer uma escuta ativa, compreender a realidade delas e entender o que querem. Mesmo que as agendas e pautas sejam diferentes, é preciso dar protagonismo para que essas mulheres decidam o que é melhor para as suas vidas.
“Muitas pessoas utilizam frases da Simone de Beauvoir, que é uma grande referência feminista, e as relaciona com as mulheres afegãs. Mas não se pode subutilizar as falas dela para responder questões específicas de determinados grupos. Estamos falando de uma sociedade que tem concepções e realidades diferentes. Quem somos nós para dizer para essas mulheres que tem uma história muito mais longa que a nossa sobre o que elas têm que fazer?”
Francirosy Campos Barbosa
A especialista reforça que já existe um movimento de mulheres afegãs que estudam o Alcorão e estão realizando uma reforma na leitura para mostrar que alguns princípios estão sendo pregados de maneira errada pelos homens.
Para a especialista, é necessário abrir rodas de debate para combater a ideia de que o terrorismo, violência e opressão estão relacionados ao Islã.
“As pessoas começam a enxergar as mulheres muçulmanas de lenço como mulheres. O lenço representa a sua devoção, sua religião, sua forma de se prostrar diante de Deus. A melhor forma dos não-muçulmanos pararem com o preconceito é conhecer o Islã. Não precisa aceitar, mas é preciso procurar conhecer para não fazer julgamentos”, conclui.
Francirosy Campos Barbosa
E aí, deu para compreender a realidade do feminismo islâmico das mulheres afegãs? Deixe sua opinião ou dúvida nos comentários!
REFERÊNCIAS:
- BBC Brasil – Islamofobia: o que oprime muçulmanas no Brasil não é o lenço
- Jornal USP – Feminismo islâmico transforma a vida da mulher muçulmana
- UOL – ‘Falam pelas mulheres do Afeganistão como se elas não tivessem o próprio feminismo’
Você já conhece o nosso canal do YouTube?
2 comentários em “Feminismo Islâmico: A luta das mulheres no Afeganistão”
Tolices. Todos os movimentos islâmicos modernos só diminuiram o direito das mulheres a serem libres e dispor da própria sexualidade sem o controle masculino.
No direito romano, as mulheres tinham direito à mesma parte da heranças que os homens. No mundo islâmico, só a metade. As priemiras santas católicas rejeitaram o casamento com homens que elas não tinham escolhido.
A mulher do Maomé. Khadija, era uma mulher libre, uma viuva rica. A última mulher dele, Aícha, foi uma criança. Essa foi a evolução do Islã: de mulheres libres a mulheres casadas com menos de 12 anos. Todo o mundo sabe que uma criança não deveria casar e não pode escolher casar com um cara velho.
Judeus, budistas, yazidis e católicos só aceitam o matrimonio entre um homem e uma mulher. Os muçulmanos são polígamos e aceitam a escravidão.
Mulher muçulmana não tem direito a casar com um não muçulmano mas um homem muçulmano pode casar com uma mulher não muçulmana, o com várias.
Tem sim uma visão monogâmica e feminista do Islã, que é a da Seyran Ates, dos Alevis, os Alauitas, os Bektachis, e de outros grupos minoritários. Todos eles rejeitam o veu islâmico e o típico ódio contra todo o que não é muçulmano dos novos grupos islâmicos.
A antropóloga Francirosy Campos Barbosa faz a promoção da Arábia Saudita como se fosse um país feminista, mas lá as mulheres não podem sair de casa sem homens e só podem dirigir um carro se conseguem uma mulher que dé um curso para elas.
O que tem esses países é muito dinheiro, e mesmo assim vão acabar com dívidas porque não sabem trabalhar. Todo o trabalho é faito por estrangeiros sem direitos e quase escravos. Por isso poucos querem ir para lá e preferem emigrar para a Europa o para os Estados Unidos.
Primeiramente, o conceito de liberdade é relativo. E parece que a Paula não entendeu a proposta do artigo supracitado, que é o de justamente instigar no leitor o interesse de conhecer a perspectiva da mulher muçulmana como um sujeito livre de direito para escolher e praticar os preceitos da sua religião. E ao praticar esses preceitos, anula esses falsos argumentos apresentados pela Paula. O véu é ato de adoração para a mulher muçulmana, assim como é para o homem o recato do olhar diante de mulheres ilícitas. Ser a quarta esposa do marido é um ato deliberado da mulher muçulmana. Analisar de modo preconceituoso a instituição familiar muçulmana inferiorizando ela diante da instituição familiar de outras culturas é típico ato islamofóbico. O muçulmano é aquele que se submete voluntariamente as leis de Deus, contidas no Alcorão Sagrado, seja homem ou mulher. E Deus permite ao homem casar-se com até quatro esposas, desde que seja equânime com todas, do contrário que se case só com uma. A mulher está assegurado o direito de escolher com quem deseja casar, assim como o direito ao divórcio. O homem pode se casar com mulheres do “povo do livro” – cristãs e judias. Mas é melhor se casar com uma “escrava crente” do que com uma mulher do povo do livro. De modo algum Deus incentiva a escravidão. A sociedade pré-islâmica sim incentivava tal prática, mas com o Islam a libertação dos escravos passou a ter caráter de ato de adoração. Por isso, é leviana a colocação da Paula de que o muçulmano é polígono que aceita a escravidão.
A Paula inicia sua crítica dizendo que na modernidade o Islam diminui o direito das mulheres, mas em seguida critica fundamentos religiosos que são verdadeiramente expressos no Alcorão Sagrado – portanto sua crítica é ao Islam, não aos movimentos modernos islâmicos. E a Paula não poderia deixar de citar o assunto preferido dos islamofóbicos – o casamento do profeta com Aisha, pois da maneira como ela e seus colegas apresentam esse acontecimento formam uma opinião de ódio contra os muçulmanos. O casamento na Arábia do século VIII era baseado no direito consuetudinário tribal, no qual faziam desta instituição um meio de vincular tribos e aumentar o poder econômico e bélico. O pai de Aisha, Abu Bakar, era amigo íntimo do profeta e de sua esposa Khadija antes da revelação do Alcorão. Quando o profeta pediu a “mão de Aisha” em casamento Abu Bakar não concedeu de pronto, pois já havia prometido a filha para outro pretendente – que afinal se desinteressou do casamento. Só após conversar com tal pretendente é que concedeu sua filha em casamento ao profeta. Os inimigos do profeta – judeus e coraixitas – estavam sempre a difamá-lo inventando mentiras acerca dele – o chamavam de louco, feiticeiro, traidor da família, … – , mas jamais falaram mal do casamento do profeta com Aisha – o que comprova que era uma prática aceita naquele período histórico. Ademais, a versão que afirma que Aisha tinha menos de 12 anos quando casou com o profeta é embasada nas histórias contadas por um homem após a morte do profeta chamado Hisham Ibn Urwa. Mas há uma série de evidências que provam que Aisha teria cerca de dezenove anos quando se casou com o profeta.
A Paula volta a ser leviana, reducionista e preconceituosa ao comparar seitas inovadoras do Islam como uma referência positiva em termos humanitários, por seres monogâmicos e feministas. Saiba que o muçulmano ou muçulmana deve seguir as leis de Deus, e não as leis do ser humano. Feminismo é um movimento burguês que só se preocupa com aspectos materiais. Esse movimento não faz o menor sentido quando se fala da realidades dos trabalhadores pobres, pois nessa classe social todos recebem a mesma miséria e são explorados do mesmo jeito. O que Deus orienta é o homem ir em busca do sustento através do trabalho e a mulher cuidar da casa e dos filhos. Dessa forma a família é estruturada e os filhos são de fato cuidados pela mãe. Ademais a lógica do consumo faz com que as crianças passem mais tempo com as professoras da creche e mesmo do ensino fundamental e menos com os próprios pais. Para os muçulmanos o mais importante é a qualidade da formação dos filhos, pois a convivência gera vínculos, o dinheiro não. Como a antropóloga Francirosy Campos Barbosa bem disse, respeitar o “feminismo islâmico” é aceitar que a mulher muçulmana faça suas escolhas sem tachá-la de vítima do patriarcado ou machismo do marido ou dos familiares homens. Afinal de contas, como está expresso no Alcorão, “não há imposição na religião”. Há uma passagem do Alcorão, inclusive, que as esposas do profeta lhe reivindicaram melhores condições materiais – em referência aos espólios de guerra que os muçulmanos ganhavam, exceto a família do profeta. A essa reivindicação o profeta disse que não lhes concederia e que aquela que estivesse insatisfeita e desejasse ir embora após se divorciar dele que o fizesse.
Falta a Paula e a todos os islamofóbicos algo essencial a quem quer produzir uma crítica fundamentada: o estudo. E o pior: além de não estudarem esses críticos islamofóbicos medíocres criticam levianamente pessoas que se esforçam justamente em ir em busca desse conhecimento aprofundado – como foi o caso da Paula criticando uma antropóloga que estudou sobre o assunto. Leia Paula: a Arábia Saudita é a pior inimiga dos muçulmanos na atualidade. O que eles fazem é manchar a imagem do Islam com atos desumanos e se associar ao segundo pior inimigo dos muçulmanos na atualidade: o governo norte-americano.