Qual cenário você enxerga no que se refere à representatividade das mulheres nas eleições brasileiras? Considerando a história da política brasileira, é evidente a luta constante das mulheres pelos direitos à autonomia e participação em tomadas de decisões políticas.
Apesar dos movimentos feministas da época lutarem pela reivindicação do direito ao voto, pelo poder de se candidatar a cargos políticos e pela igualdade de gênero, de maneira a conquistar voz ativa nos espaços de influência, esse cenário ainda é limitado e hostil.
Embora os direitos das mulheres tenham sido reconhecidos com o tempo, a esfera política ainda se encontra restrita aos homens, reflexo da exclusão histórica das mulheres na política e da desigualdade de gênero que se perpetua até os dias atuais, em função de uma cultura patriarcal.
Nessa perspectiva, a Politize! busca esclarecer essa questão e fornecer as razões por trás dos dados sobre a participação feminina nas eleições brasileiras. Vamos lá?
Mulheres nas eleições: representatividade feminina na política brasileira
Em 1932, as mulheres conquistaram o direito de votar e se candidatar às eleições brasileiras. Em 1933, foi eleita a primeira deputada federal do país, Carlota Pereira de Queirós. Em 1979, tivemos a nossa primeira senadora, Eunice Michiles.
E, somente no século seguinte à entrada das mulheres no cenário político, Dilma Rousseff (Partidos dos Trabalhadores) foi eleita a primeira presidente do Brasil em 2010.
A luta incessante das mulheres por espaço na esfera política foi marcada por grande resistência e, no que tange à linha do tempo do país, por resultados insuficientes.
Não é sem razão que, segundo a Inter-Parliamentary Union, no ranking que viabiliza as classificações dos 193 países internacionalmente reconhecidos, o Brasil é um dos países com menor representação feminina em câmaras parlamentares, com as mulheres ocupando uma porcentagem de 17,3% dos assentos, dados de março de 2022.
O gráfico abaixo apresenta o número de candidatos homens e candidatas mulheres nas eleições brasileiras de 2000 a 2020, em todas as esferas do poder do Estado.
Entre os respectivos anos, compreendemos um aumento de 8% no número de candidatos homens e um crescimento notório de 135% no número de candidaturas femininas.
De acordo com dados levantados pela área de estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral, as eleições de 2020 foram aclamadas com o maior percentual (33,5%) de candidatas mulheres desde 1932, quando conquistaram o direito a se candidatar a cargos políticos.
Porém, não é difícil perceber a grande diferença entre a quantidade de candidatos homens e candidatas mulheres, em todos esses anos.
E devemos também interpretar que o número de candidaturas femininas não reflete o número de candidatas eleitas, o que gera uma queda ainda maior nos resultados.
Maioria da população, mas minoria eleita
Embora representem mais de 51,8% da população e mais de 52% dos eleitores brasileiros, as mulheres ainda permanecem como minoria na política do país.
Em análise, foram eleitas 651 prefeitas (12,1%) contra 4.750 prefeitos homens (87.9%), nas eleições de 2020.
Já para as câmaras municipais, o número de vereadoras eleitas aumentou desde a última eleição de 2016, com 9.196 vereadoras eleitas, mas ainda de apenas 16% contra 84% (48.265) de vereadores homens.
Em 2019, a Politize!, em parceria com o grupo Mulheres do Brasil, publicou uma série de entrevistas com candidatas e deputadas estaduais de Santa Catarina sobre suas histórias e as dificuldades que enfrentam no meio político. Na nossa plataforma do Youtube, você acompanha todos os episódios.
Veja também nosso vídeo sobre machismo estrutural e representatividade feminina na política!
Leis de incentivo e os desafios enfrentados pelas candidatas mulheres nas eleições do Brasil
Ao longo dos anos, vem se intensificando uma pressão da população brasileira para que mulheres, e outros diferentes perfis de candidatos, tenham mais representatividade na política, considerando ainda que o Brasil não possui uma democracia plena, de acordo com o Índice de Democracia coordenado pela revista The Economist, onde é analisado o funcionamento do governo, cultura política e participação política.
A partir disso, novos avanços se manifestaram no cenário eleitoral, tendo em foco leis de incentivo que fortalecem a igualdade de gênero.
As cotas, previstas na Lei Eleitoral 9504/1997, em conformidade com o artigo 10, parágrafo 3º, implica na retenção de, no mínimo, 30% das candidaturas dos partidos políticos ou coligações para homens e mulheres igualmente em eleições proporcionais, ou seja, se um partido lançar 10 (dez) candidatos, no mínimo 3 (três) deles devem ser obrigatoriamente mulheres. No entanto, a palavra utilizada na legislação era a de “reservar” vagas.
À vista disso, os partidos poderiam alegar que havia a reserva de vagas, mas não encontraram candidatas suficientes para ocupá-las. Em 2009, a palavra “reservar” foi substituída por “preencher”, resultado de uma minirreforma eleitoral.
Ainda assim, nas eleições seguintes, de 2010 e 2014, poucas mudanças puderam ser notadas no número de deputadas federais eleitas no país. Foi quando o Supremo Tribunal Federal decidiu sancionar um retorno de no mínimo 30% da verba partidária para as candidatas femininas, em 2018.
E, nas eleições deste mesmo ano, houve um aumento de 50% de mulheres eleitas para deputadas federais em relação à eleição anterior, salientando que a ausência de recursos está associada à baixa competitividade das candidaturas, e sem meios que façam as mulheres serem reconhecidas, o eleitorado não consegue enxergá-las como candidatas fortes.
Uma pesquisa realizada em 2018, pelas pesquisadoras Débora Thomé e Karine Belarmino, analisa indicativos para a baixa representação política das mulheres no país a partir de um questionário distribuído às 531 mulheres participantes dos “Seminários Mulheres na Política” e interessadas em se candidatar nas eleições municipais.
Em uma das questões sobre motivos principais que dificultam que mulheres sejam candidatas e eleitas no país, 89,4% responderam o alto custo da campanha, 84,21% evidenciaram a falta de apoio dos líderes dos partidos e 57,9% citaram a violência contra a mulher na política.
Essas causas têm sido algumas das muitas portas de impedimento para as mulheres na política. A sua presença de baixa representatividade nos cargos de poder público reflete, assim, o seu não reconhecimento como candidatas aptas, tendo em vista traços históricos de um patriarcado que legitima as desigualdades, violência e a exclusão das mulheres nos espaços de decisão.
Desde 1997, a legislação sugere cotas de gênero em decorrência de uma necessidade para ampliar a participação feminina nas eleições e o número de eleitas para cargos públicos.
Claro que todo avanço nessa direção é encarado como uma conquista. Porém, se analisarmos a evolução dos dados desde aquela época até os dias atuais, percebemos que as cotas não vêm sendo uma medida eficaz para esse fim.
Há muitas barreiras que dificultam a efetividade da lei de cotas, incluindo “brechas” que possibilitam contornar o que diz a legislação.
Um exemplo seria a utilização de candidatas laranjas, palavra usada para designar um candidato que participa das eleições sem a verdadeira intenção de pleitear, para burlar a lei de cotas e cumprir o coeficiente determinado para o seguimento do processo eleitoral.
As pesquisadoras Malu Gatto, da University College London, e Kristin Wyllie, da James Madison University também discutem sobre um eventual cenário de manipulação dessas candidatas para conseguir os recursos do fundo de campanha e repassá-los a candidatos homens, uma vez que a política é, segundo elas, desde o princípio, moldada por e para eles.
Avanços para o aumento da participação feminina nas eleições de 2022
Para contribuir ainda mais com o aumento da bancada feminina, no ano de 2021, o Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/2021, a qual estende o percentual mínimo da divisão de recursos às eleições majoritárias (prefeito, governador, senador e presidente), além de distribuir 30% da propaganda gratuita no rádio e na televisão às candidatas e estabelecer um mínimo de 30% dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para as candidaturas femininas, proporcionais e majoritárias.
No entanto, uma questão que surge ameaça o efeito dessa nova emenda: essa medida será aplicada genuinamente ou veremos mais aberturas admitidas pelos partidos?
Assim, em resposta a essas perguntas, é preciso reconhecer como as leis de incentivos acontecem na prática e articular sobre possíveis reparações em prol de candidaturas femininas mais competitivas, com recursos e visibilidade.
A importância de ter mulheres em posição de liderança
Além de se proceder como uma questão de justiça de gênero, o aumento da participação política das mulheres no Brasil deve ser incentivada atentando para a importância de ter perspectivas diferentes nos espaços públicos e de influência.
Segundo o ministro e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luís Roberto Barroso, acredita-se que as mulheres trazem à frente questões fundamentais como saúde e segurança pública.
Ainda, o presidente da IPU (Inter-Parliamentary Union), Duarte Pacheco, complementa com a afirmação de que países que tiveram mulheres na liderança, como Nova Zelândia e Dinamarca, foram os que melhor se saíram na pandemia do Covid-19.
Assim, uma conquista referente a mulheres nos espaços de influência no Brasil seria a iniciativa apresentada por deputadas federais com o objetivo de responder às necessidades das mulheres na pandemia do Covid-19.
Resultados da mobilização das parlamentares
Dessa mobilização das parlamentares foi criado o Projeto de Lei 1291/2020, o qual sugere medidas de combate e prevenção à violência doméstica durante o estado de emergência de saúde pública, tendo em vista crescentes denúncias nesse período.
Para casos de violência doméstica, o Ligue 180 é um serviço de utilidade pública fundamental para o enfrentamento à violência contra a mulher.
Além do telefone, é possível realizar denúncias pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil, site da Ouvidoria/ONDH, Whatsapp no número (61) 99656-5008 e pelo aplicativo do Telegram, digitando na busca “Direitoshumanosbrasilbot”. Todas as denúncias são gratuitas e anônimas, e os serviços funcionam 24h por dia.
Dessa forma, a presença das mulheres em tomadas de decisão traz à superfície pautas relevantes e precisas para o coletivo que se vê privado de uma base representativa.
Um exemplo de liderança na política foi a vereadora brasileira Marielle Franco, vítima da violência política do país.
Sua luta e legado em defesa das minorias mostra que, independente de ideologias, é indispensável mulheres nos espaços de influência onde irão dar voz aos interesses que, mesmo nos dias atuais, não encontram espaço nas inúmeras esferas políticas existentes.
Como ampliar a participação de mulheres nas eleições brasileiras?
Como comentado anteriormente, a decisão do Senado na aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/2021 contribuiu com o propósito de dar visibilidade para às candidaturas femininas.
Além disso, para uma resolução transparente, faz-se necessário o monitoramento da duração do tempo proporcional de homens e mulheres no rádio e na televisão, assim como reforçar a fiscalização da prestação de contas na utilização dos recursos públicos por parte dos partidos políticos.
Outra forma possível para ampliar as candidaturas femininas, seria por meio dos movimentos sociais.
Em entrevistas com candidatas nas eleições de 2020, os movimentos de renovação na política são percebidos como incentivos para o aumento da participação feminina no cenário político, sendo até mais importantes do que recursos financeiros.
Nessa perspectiva, entende-se que o apoio é a forma de alcançar o engajamento preciso, não somente moral, mas um suporte na forma de educação política que permite entregar valores informativos sobre os direitos respectivos e as razões para acreditar.
Por meio dessas bases, se manifesta um interesse maior pelo debate político e pela participação em benefício do bem-estar coletivo.
Contudo, na medida em que as mulheres questionam os princípios da democracia e as desigualdades, como nos ensinou o legado de Marielle Franco, deixa em evidência um amplo campo de ação e incentiva vozes de reparação.
Cada mulher que é eleita aproxima as câmaras parlamentares de se tornarem mais inclusivas e representativas, contemplando uma democracia plena e inspirando outras mulheres a liderar.
E aí, o que achou dos dados apresentados? Comente aqui embaixo se você conhece uma ou mais mulheres que seriam ótimas candidatas às próximas eleições brasileiras!
Referências:
- Agência Câmara de Notícias – Congresso promulga cota de 30% do Fundo Eleitoral para candidaturas femininas
- Biblioteca Digital da Justiça Eleitoral – Candidatas a candidatas – em busca de novas evidências para a baixa representação política das mulheres no Brasil
- Coletânea de Pesquisa Cientifica. Volume 2. MAIS INCLUSÃO COM CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Coleção: FAPEMA de 2015 a 2018. [livro eletrônico] / Organizado pelo Núcleo de Planejamento Fapema. – São Luís: FAPEMA, 2020.
- EcoDebate – Mulheres são mais de 30% das candidaturas das eleições 2020
- Exame – Eleições 2020: mulheres batem recorde em número de candidaturas
- Gênero e Número – O que são as cotas para mulheres na política e qual é sua importância?
- IPU Parline – Monthly ranking of women in national parliaments
- IPU – New IPU report: more women in parliament and more countries with gender parity
- Justiça de Saia – Por que temos tão poucas mulheres na política e por que isso importa?
- TSE – Mulheres representam apenas 12% dos prefeitos eleitos no 1º turno das Eleições 2020