Você com certeza sabe que o Brasil foi colonizado pelos portugueses e a maior parte da América Latina, pelos espanhóis. Tanto Portugal quanto a Espanha praticaram o chamado colonialismo. Mas já ouviu falar em neocolonialismo? Qual a diferença entre os dois? Em que período ocorreu o segundo?
Neste texto, a Politize! explicará os principais aspectos desse processo histórico, como causas, consequências e países envolvidos. Se você quer saber mais sobre o tema, siga conosco!
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Conceito de neocolonialismo
O neocolonialismo foi um processo de dominação política e econômica de nações e povos da África e da Ásia por potências capitalistas, em geral europeias, como Reino Unido, França e Bélgica. Ele teve início durante a Segunda Revolução Industrial e seu auge se deu entre a segunda metade do século XIX e meados do século XX.
Muitos o chamam também de imperialismo, embora o termo em questão possa ser empregado, de maneira mais ampla, para referir-se a quaisquer práticas de expansão territorial, econômica e/ou cultural de um país.
Assim, pode-se dizer que o neocolonialismo foi um conjunto de atos imperialistas praticados por determinadas nações em um período específico, mas não foi a única forma de imperialismo existente na história.
Causas do neocolonialismo
Na leitura de muitos historiadores, o neocolonialismo foi motivado pela busca de novos mercados consumidores e de matérias-primas.
O mercado europeu estava saturado e alguns insumos básicos, como ferro, carvão e petróleo, eram essenciais para as inovações tecnológicas da segunda fase da Revolução Industrial, que se iniciou entre 1850 e 1870 e teve fim com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Diante da necessidade de seguir abastecendo e escoando a crescente produção dos países capitalistas centrais, suas elites econômicas e políticas enxergaram na dominação africana e asiática uma oportunidade de manter, ou até mesmo de expandir seu poderio.
Vários fatores explicam a escolha da África e da Ásia para a empreitada. Em primeiro lugar, já havia alguma presença europeia em ambos os continentes desde o período colonial (séculos XV-XVIII), geralmente, a partir do controle de pequenos territórios e entrepostos comerciais. Além disso, sua superioridade bélica e tecnológica facilitaria a dominação dos povos nativos.
Por fim, a recolonização da América seria difícil àquela altura, pois a maioria dos países da região havia conquistado a independência no início do século XIX e os Estados Unidos, que já despontavam como potência industrial, não estavam interessados na reversão dessa situação.
À época, almejando expandir sua influência no continente, a nação norte-americana praticava a chamada Doutrina Monroe, cujo lema era “América para os americanos”.
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Outra visão das causas do neocolonialismo
É importante perceber que a História, enquanto ramo do conhecimento, não é feita a partir da simples descrição dos fatos. Por si só, eles não revelam muito e, por isso, precisam ser interpretados. Essa tarefa pode gerar discordâncias entre historiadores, devido a diferenças entre os pressupostos e os métodos de investigação adotados.
A visão apresentada a seguir vem da História Econômica e não é abordada na maior parte dos livros didáticos brasileiros. No entanto, ela é baseada em dados sólidos coletados pelo já falecido historiador econômico Paul Bairoch, professor da Universidade de Genebra.
Como mostra o intelectual suíço de origem belga, entre 1800 e 1938, só 17% das exportações do Primeiro Mundo (EUA, Europa e Japão) destinavam-se ao Terceiro Mundo (África, Ásia e América Latina), metade das quais advinha de uma relação direta entre metrópole e colônia. Em termos de PIB, isso representava apenas 1,7% e 0,8%, respectivamente.
O fato de, nesse período, 83% das exportações – e uma porcentagem ainda maior, se considerados os preços dos produtos – terem sido realizadas entre os países centrais do capitalismo permite questionar a tese da procura de outros mercados consumidores como principal causa do neocolonialismo.
A explicação da busca por matérias-primas também pode ser contestada, pois, segundo uma estimativa conservadora, a autossuficiência dos países industrializados em relação a esses bens era da ordem de 96% durante o século XIX.
Então o que explicaria o novo colonialismo nos continentes africano e asiático? Podem ser apontadas diversas razões, a exemplo do surgimento de sentimentos nacionalistas na Europa do século XIX, da luta das nações pela afirmação como potências, da obtenção de vantagens geopolíticas e das teorias supostamente científicas que então ganhavam prestígio.
Este último fator é especialmente relevante e será detalhado a seguir.
A ideologia por trás do neocolonialismo
Mesmo historiadores de vertente materialista, que tendem a discordar em parte da visão exposta acima e a enfatizar os objetivos econômicos do imperialismo nos séculos XIX e XX, consideram que as ideias cultivadas por intelectuais do velho continente no período tiveram um papel significativo nesse contexto de dominação da África e da Ásia.
Portanto, ainda que sejam consideradas por muitos justificativas ideológicas, e não causas centrais do neocolonialismo, é importante conhecer algumas dessas teorias.
O chamado racismo científico consistia na crença pseudocientífica de que haveria como dividir as “raças” em inferiores e superiores. Mais adiante, com o avanço da ciência, sobretudo na área da genética, compreendeu-se que essa ideia está equivocada.
O darwinismo social, por sua vez, defendia a existência de estágios de desenvolvimento da sociedade humana. A sociedade europeia representaria o ápice da civilização, enquanto os povos africanos e asiáticos estariam ainda em um estágio primitivo.
Baseado nessa ideia, o escritor britânico Rudyard Kipling cunhou a expressão “fardo do homem branco”. Para ele, transmitir a cultura da Europa às populações consideradas atrasadas era um peso que os homens “desenvolvidos” e “civilizados” deveriam carregar. Essa visão também foi superada posteriormente, a partir de novos estudos em áreas como a antropologia.
Consolidação dos impérios neocoloniais
Diversas estratégias eram utilizadas pelas potências capitalistas para consolidar sua dominação. Na maioria dos casos, os territórios das nações africanas e asiáticas eram efetivamente conquistados pelas nações da Europa Ocidental.
A Argélia, por exemplo, foi conquistada pela França entre 1830 e 1857. A Índia, que já era ocupada pelos ingleses, foi incorporada oficialmente ao Império Britânico em 1858, após dura repressão a uma grande revolta da população local contra a administração da Companhia Britânica das índias Orientais.
Entretanto, a imposição de poder não se resumia ao uso da força militar. O caso da China, que foi forçada a abrir sua economia e se tornou economicamente dependente dos britânicos após ser derrotada na Guerra do Ópio, ilustra bem esse fato.
O neocolonialismo também foi marcado por inúmeras atrocidades contra os povos nativos subjugados. Um dos locais onde elas ocorreram com maior intensidade foi o Congo Belga. Sob o domínio do Rei Leopoldo II, a população congolesa era vítima frequente de trabalhos forçados, amputações, açoitamentos, estupros e assassinatos.
Conferência de Berlim e divisão territorial da África
Em 1885, representantes de países europeus reuniram-se na Conferência de Berlim para decidir sobre questões ligadas à ocupação territorial no continente, bem como à navegação e ao comércio em suas bacias hidrográficas.
Ficou muito conhecida a associação entre esse evento histórico e o termo “partilha da África”, que designa o crescente número de reivindicações territoriais conflitantes das nações da Europa no continente africano durante o período.
Há historiadores, no entanto, que chamam atenção à possibilidade de que essa expressão leve a uma visão simplista ou até mesmo equivocada a respeito do que ocorreu na conferência.
De qualquer forma, é inegável que, entre o final do século XIX e início do século XX, a dominação política das potências imperialistas se consolidou sobre a maior parte da área africana.
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Consequências do neocolonialismo
O neocolonialismo impactou profundamente o mundo e alguns de seus efeitos permanecem até os dias atuais. Veja quais foram suas principais consequências.
Consequência Imediata
O imperialismo europeu na África e na Ásia gerou tensões e disputas entre as potências industriais, o que contribuiu para a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). O primeiro conflito em escala global da história opôs a Tríplice Entente (França, Reino Unido e Rússia, até 1917) à Tríplice Aliança (Áustria-Hungria, Alemanha e Itália, até 1915).
Os países do segundo bloco, em especial a Alemanha, altamente industrializada, sentiam-se prejudicados pela divisão colonial. Até mesmo a mudança de lado da Itália em 1915 está relacionada ao neocolonialismo.
Após firmarem um acordo com o Reino Unido e a França, os italianos passaram a lutar ao lado da Tríplice Entente, em troca da promessa de ganhos territoriais ao fim da guerra, incluindo colônias na África.
Consequências de longo prazo
O subdesenvolvimento de muitas nações africanas e asiáticas se deve, em boa parte, ao neocolonialismo. A dominação europeia sobre essas regiões contribuiu para a adoção de instituições políticas e econômicas extrativistas, isto é, aquelas que enriquecem e empoderam um seleto grupo da sociedade às custas dos demais.
Mesmo após os países colonizados obterem a independência, esse arranjo institucional nocivo foi mantido em muitos deles. Por isso, essas nações seguem convivendo com elevados índices de corrupção, insegurança jurídica e uma série de outros problemas que os impedem de deixar a pobreza.
Novamente, o exemplo do Congo ilustra isso muito bem. Enquanto ainda era colônia, não havia em suas leis direitos humanos que protegessem os congoleses da violência praticada pelas autoridades. Os nativos tampouco tinham assegurado o direito à propriedade, o que os impedia de prosperar economicamente.
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Assim, os únicos beneficiados pelo empreendimento colonial eram os poucos colonizadores belgas. Mesmo após a independência (1960), a situação não apresentou melhora significativa para a população.
O país foi governado entre 1965 e 1997 por Mobutu, ditador que utilizava o Estado para enriquecimento próprio. A despeito de ter readotado o nome República Democrática do Congo (RDC) após a queda do líder autoritário, a nação segue entre as piores nos índices de democracia e de percepção da corrupção, além de conviver com elevada instabilidade política.
Outra característica do imperialismo europeu que teve resultados negativos foi a negligência quanto às divisões étnicas existentes anteriormente à colonização, principalmente na África. Isso fez com que grupos rivais muitas vezes ficassem sob um mesmo território, o que acarretou guerras civis em diversos países após a descolonização.
Um exemplo é o genocídio em Ruanda no ano de 1994. Assim como a RDC, o país havia sido colônia dos belgas, que privilegiavam a minoria étnica tutsi, em detrimento da maioria hutu. A diferença entre os grupos era mínima, mas foi artificialmente demarcada pelos colonizadores para controlar a região utilizando um sistema de divisão social, o que provocou um acirramento das tensões.
Com a independência, os hutus tomaram o poder e passaram a marginalizar os tutsis. Em 1993, após uma grave crise econômica e um conflito dela decorrente, instalou-se um governo de transição mediado pela ONU e composto por membros das duas etnias.
Insatisfeitos, representantes de facções hutus mais radicais insuflaram a população contra os tutsis, por meio de uma rádio local e distribuíram armas brancas, como facões, enxadas e machados.
O estopim do genocídio ocorreu no dia 6 de abril de 1994, quando o avião onde estava o presidente Habyarimana – um hutu – foi abatido. Sem provas, os hutus extremistas acusaram os tutsis pelo atentado e iniciaram a matança de membros da etnia minoritária. Entre abril e julho do ano em curso, estima-se que tenham sido mortos de 500 a 800 mil tutsis.
O episódio é retratado no filme Hotel Ruanda, de 2004. Ele conta a história real de Paul Rusesabagina, hutu que atuava como gerente de um hotel de luxo e utilizou a estrutura do local para abrigar refugiados tutsis, salvando centenas deles.
Diferenças entre colonialismo e neocolonialismo
Agora que conhecemos o neocolonialismo, podemos responder à pergunta feita no início do texto. Afinal, quais são as diferenças entre o colonialismo e o neocolonialismo? Confira na tabela abaixo.
E aí, conseguiu entender a diferença entre os dois? Restou alguma dúvida sobre o neocolonialismo? Se sim, deixe-a nos comentários!
Referências:
- ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James A. Why Nations Fail. Nova York: Currency, 2012.
- BAIROCH, Paul. Economics and world history: myths and paradoxes. Chicago: University of Chicago Press, 1993.
- HOBSBAWM, Eric J. A era dos impérios: 1875 – 1914. Tradução de Sieni Maria Campos e Yolanda Steidel de Toledo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
- VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo; VICENTINO, José. História – Projeto Múltiplo (parte 3). São Paulo: Scipione, 2017.