Quando pensamos ou apoiamos discursos de que pessoas que infringiram leis deveriam ter penas mais duras e rigorosas ou de que a prisão é a melhor forma de punir essas pessoas e fazer com que outras aprendam essa lição, estamos propagando um discurso punitivista.
A cultura do punitivismo tem crescido consideravelmente nos últimos anos, devido ao anseio social por penas mais severas. Mas você sabe de realmente de que se trata esse assunto e quais os impactos sociais desse ideal? Aqui a gente te explica tudo!
O que é o punitivismo?
Não há um contexto histórico delimitado para explicar a existência do ideal punitivista. Podemos entendê-lo como o uso do direito penal, mais específico, do poder estatal de punir — o jus puniendi – para aplicar naqueles que infringem tais regras sociais, punições além do previsto nas leis vigentes.
O jus puniendi etimologicamente significa direito de punir, e, é, na verdade, um poder e um dever do Estado de punir quem violar uma norma penal. Tal questão está assegurada no art. 14 da Constituição Federal, vejamos:
“está previsto em seu caput, que a segurança pública é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, sendo assim, o Estado tem o direito, dever e o poder de punir o infrator ou quem cometeu um crime”
Mas, esse poder/dever não é ilimitado. Ele encontra limitação principalmente no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, também assegurado no art. 1º, Inciso III da Constituição e em vários ordenamentos jurídicos internacionais.
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Tal princípio não possui um conceito de fato, no entanto, ele trata de um atributo que todo ser humano possui independentemente de nacionalidade, sexo, religião, posição social: a vida. Assim, podemos dizer que o princípio da dignidade humana se refere à garantia das necessidades vitais de cada indivíduo e, por isso, limita o direito de punir.
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Como o punitivismo ganha força?
Vale salientar aqui, que a Mídia – por rádio, TV, escrita ou via internet – tem um papel importante no campo político, social e econômico de todas as sociedades.
O instituto contribui diretamente para a formação da consciência, da cultura, da forma de agir e de pensar da coletividade. É quase sempre através dessas ferramentas que nos atualizamos sobre economia, política, saúde, segurança pública, governos nacional e internacional, costumes, moda, padrões, etc.
Com a globalização, passamos a viver uma sensação ainda maior de insegurança, pois temos acesso as mais diversas informações sobre guerras, guerrilhas, confrontos, homicídios, sequestros, assaltos, tráfico de drogas, acidentes de trânsito que acontecem em todos os lugares do globo e, inclusive, perto de nós.
Assim, naturalmente os temas segurança pública, criminalidade e violência ganharam cada vez mais notoriedade nos programas jornalísticos da televisão brasileira e no mundo. E, devido a esse fluxo intenso de informações sentimentos de medo, impunidade e vontade de revanche, podem ganhar força.
Esses sentimentos, podem despertar o clamor por uma justiça que atue com práticas mais rígidas, ações mais incisivas da polícia e de condenações mais rápidas e inflexíveis pela justiça a fim de solucionar todos os problemas sociais vividos.
Cria-se da mesma forma no imaginário social a ideia de que a aplicação de penas extremamente severas servirão de exemplo e desencorajarão indivíduos a cometerem novos crimes.
Quais os impactos do ideal punitivista?
É preciso entender que a ideia de punir de forma cada vez mais severa desencadeia impactos que devem ser analisados, vejamos:
1. O interesse maior é lidar com as consequências do problema ao invés de realmente evitá-lo em sua origem.
Na tentativa de resolver (mediante punição) problemas sociais, em especial, a criminalidade, cria-se a ideologia de que é necessário mais rigor punitivo.
Mas essa pode não ser a única saída. Segundo a ONU, as políticas públicas afirmativas são fundamentais para a redução da desigualdade. Do mesmo modo, a inclusão, o investimento na educação e outras ações sociais devem ser consideradas imprescindíveis no combate aos problemas quais enfrentamos e, todos nós precisamos compreender como essas questões são urgentes.
2. Vai contra à premissa social da punição judicial.
Ao contrário do imaginário social, a Justiça não serve somente para punir o indivíduo que comete atos ilícitos. Pelo contrário, é dever do Estado assegurar que os réus recebam tratamentos adequados, sejam reeducados e reinseridos dentro da sociedade para que não voltem à criminalidade conforme art. 10 da Lei de Execução Penal (LEP), qual explicita que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade“.
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3. Contribui para um ciclo vicioso e perigoso de punição.
A Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) consiste em garantir que o Estado respeite os direitos e deveres dos detentos e condenados, como por exemplo, direito à alimentação e a vestimentas adequadas, acesso a saúde e educação, direito de contato com o mundo exterior por meio de correspondências e vários outros, mas essa nem sempre é a realidade nos presídios brasileiros.
Há um alto nível de descaso social, superlotações e cenários extremamente nocivos para a saúde física, mental e integridade moral dos encarcerados. Para saber mais sobre as questões carcerárias, acesse nosso conteúdo Sistema prisional brasileiro.
Esse sistema dificilmente cumpre a sua função de reeducação e reinserção de indivíduos na sociedade e, pode da mesma forma, aprofundar injustiças, desigualdades e marginalização de pessoas.
4. Pode desrespeitar ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais.
O artigo 5º, inciso XLIX da Constituição Federal de 1988 assegura aos condenados o direito à vida, integridade física e moral, proteção contra a tortura, tratamento cruel ou degradante, direitos estes, também são assegurados internacionalmente pelo Pacto de San José da Costa Rica.
Pensando nisso, as penas devem estar sempre em consonância com a lei e aos procedimentos jurídicos vigentes para garantir uma aplicação correta e justa.
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5. Corrói as bases do próprio Estado de Direito.
A marca de um Estado de Direito é o respeito à lei. Ocorre que, diante à ondas justiceiras, o clamor público pode acabar influenciando discursos e ações daqueles responsáveis pela aplicação da lei, afastando-os dos limites que eles mesmos deveriam resguardar.
De fato, é preciso considerar que vivemos, principalmente no Brasil, diante de altos índices de criminalidade, e, esta é uma preocupação constante em nossa realidade. No entanto, precisamos compreender que os fins não justificam os meios. Defender penas extremamente severas que muitas vezes vão contra os ordenamentos jurídicos brasileiros dificilmente resolverá a situação.
Criticar esse ideal punitivista também não significa defender a impunidade. Lutar pela aplicação correta da lei e, pelo respeito a garantias fundamentais é um dever de todos enquanto sociedade.
Da mesma forma, é preciso nos conscientizarmos que esses problemas são estruturais e que podem ser resolvidos através da criação de políticas sociais e de inclusão, de investimento na educação e na redução da desigualdade social bem pensadas e adequadas a solução dos problemas.
E você, o que pensa sobre o punitivismo penal? Comenta aqui!
REFERÊNCIAS
Ruth Stein Silva; Paulo Giovani Moreira de Cunha: a quem atinge o punitivismo penal? Revista do Pet Economia – Ufes, 2020.
Mídia e Segurança Pública: a influência da mídia na percepção da violência.
3 comentários em “O que é punitivismo?”
Pode-se ver claramente que a autora é contra a punição, inclusive quer reforçar uma narrativa que justificaria o seu ponto de vista.
Quem concorda com o punitivismo não está simplesmente querendo “punições cada vez mais severas”, na verdade a sociedade quer que haja alguma punição. Mesmo as punições já previstas em lei não estão sendo aplicadas.
Enquanto o sistema jurídico for tão furreca como é, hoje, no Brasil, exemplificando com o desempenho vexatório das polícias estaduais e municipais, não adianta afirmar que ele visa promover a garantia dos direitos humanos e manter a criminalidade sob controle. Na prática, não é isso o que ele defende, nem o que faz. O punitismo está institucionalizado nas práticas ilícitas de seus próprios órgãos e funcionários, acobertadas por omissão pelo Estado. Fazer de conta que faz o seu dever e criticar o povo por se sentir injustiçado e querer qualquer tipo de compensação a fim de não se sentir tão ferido e impotente é simplesmente tripudiar da precariedade alheia.
O discurso antipunitivista sempre parte da falácia que o que a mídia mostra sobre a violencia é mero sensacionalismo, como se fosse uma mentira em vez de ser a viva realidade. Outra falácia é como se devêssemos aceitar o que está na constituição, as ideias que órgãos internacionais impõem, etc. como o certo e tudo o mais é “populismo”. Ou seja, a “voz do povo” só serve quando votamos em candidatos progressistas, quando não, é populismo, fascismo, etc.