A partir da década de 1940, com o medo do crescimento de movimentos comunistas e com a ascensão do capitalismo, um novo modelo de controle é empregado nos Estados Unidos. Os países do ocidente, assim como o Brasil, começam a se preocupar com a “ameaça comunista” e com a segurança do país.
Em 1964, fruto dessa narrativa, o Brasil sofre um golpe em que se instaura uma Ditadura Militar, por cerca de 21 anos. O regime implantou medidas violentas e desumanas na vida de várias pessoas; ele se utilizou de mecanismos através do Estado para criar o medo e o terror na busca do controle e da segurança nacional.
Assim, nos 21 da ditadura, tivemos inúmeros casos de torturas, violências e assassinatos. O Estado decretou e criou órgãos para legitimar o controle da população, desenvolveu métodos e elaborou dispositivos para efetivar os seus atos e suas condutas arbitrárias, criou uma falsa concepção de segurança nacional com a finalidade de defender interesses próprios e manter a soberania de pessoas e da classe dominante no poder, ou seja, se utilizou do Terrorismo de Estado para perpetuar seu domínio e seus privilégios.
O que é Terrorismo de Estado?
Após a Guerra Fria e a ascensão do capitalismo no Ocidente, o cenário mundial começou a mudar. Para tentar manter a ordem e o entendimento entre a população e o Estado, procurando barrar ao máximo motivos que poderiam ocasionar em embates coletivos e também no desenvolvimento de ideologias comunistas na esfera das classes mais pobres, surge um modelo de controle e limitações, a partir da propagação dos Estados Unidos, conhecido como Doutrina de Segurança Nacional (DSN).
Basicamente, a ideia principal da Doutrina era que o Estado poderia optar pelo uso da força, em nome da defesa da nação, para atingir os fins desejados. Como a Doutrina de Segurança Nacional não estabelecia quem seriam os opositores do governo de um modo específico, qualquer indivíduo que tivesse ou não comprometido com a organização do governo poderia ser considerado como adversário do Estado. Essa ideia de segurança nacional e a garantia de um sistema que permitia o uso da força e da violência como forma de proteção estatal possibilitou ao Estado agir de forma autoritária, invadindo os direitos e liberdades da população.
Assim, o Terrorismo de Estado é utilizado como forma de imposição do terror através de ferramentas do Estado combinado com recursos da coletividade para eliminar qualquer indivíduo considerado como inimigo. Essas medidas de obtenção da ordem por meio do terror podem ser dadas através da Lei ou fora da Lei, mas sempre serão firmadas pelo Estado com a justificativa de controle de um regulamento vigente.
Terrorismo de Estado no Brasil: a Ditadura Militar
Diante das inquietações sobre a possível ameaça comunista dada pela Guerra Fria, a preocupação das potências mundiais, assim como do Brasil, se tornou cada vez mais forte. A ideia de restauração do poder, da disciplina e da segurança contra qualquer tipo de oposição por parte de grupos e movimentos revolucionários transformou-se em um deslocamento das tropas militares na busca pelo restabelecimento da ordem ocasionando, no dia 31 de março de 1964, em um golpe militar no Brasil.
O golpe de Estado instaurou um regime totalmente autoritário, seguindo a Doutrina de Segurança Nacional (DSN) dos Estados Unidos. Assim, o regime implantado no Brasil é um exemplo de Terrorismo de Estado. Isso porque, em diversas ocasiões, o Estado se utilizou da violência e da força física para tentar “implantar” a ordem. Essas técnicas violentas serviam como método político de governo contra a população com a suposta finalidade de desenvolvimento da nação.
Naquela época, foram produzidas e editadas normas que pretendiam garantir a continuação dos militares no poder. Realizaram-se 17 Atos Institucionais que se tornaram parte do novo governo. Essa implementação de normas era anunciada como um meio para a restauração do país no campo governamental, financeiro e cultural, contudo o estabelecimento desses atos colocou o Poder Executivo em um patamar mais alto para poder conduzir o Estado aos seus próprios interesses, possibilitando a eliminação de direitos dos indivíduos, como o direito à liberdade, à livre manifestação de pensamento e direitos políticos.
O Ato Institucional mais repressor foi o de número 5 (AI 5), utilizado como aparelho essencial para causar o terror e pavor na população. Contendo 12 artigos, ele estabeleceu:
- a amplificação dos poderes para o presidente;
- o poder de fechamento do Congresso ao presidente;
- autorizou a cassação de parlamentares e de todos aqueles que não fossem associados ao governo;
- permitiu a suspensão dos direitos políticos por 10 anos para os sujeitos que cometessem crimes contra o governo;
- possibilitou a intervenção dos presidentes nos estados e municípios;
- suspendeu o habeas corpus;
- determinou a censura.
O livro “Incidente em Arantes”, do escritor brasileiro Érico Veríssimo, por exemplo, traz em forma de história a maneira violenta na qual o regime militar operava, apresentando a década de 60 como uma das mais violentas na história do Brasil. De forma que as opressões e arbitrariedades, os abusos, torturas e assassinatos foram legitimados pelo Estado. Na matéria Oito Descobertas da Comissão Nacional da Verdade da BBC NEWS, inclusive, foram apresentadas as confissões de torturas, atestados de óbitos, laudos periciais e ocultação de corpos descobertos pela Comissão.
Vamos ver alguns momentos da Ditatura Militar brasileira para compreender melhor a noção de terrorismo de Estado!
1. Guerrilha do Araguaia
O assentamento da Guerrilha do Araguaia foi feito pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). A Guerrilha do Araguaia ocorreu entre a década de 1960 e 1970, ao redor do rio Araguaia, no sul do Pará, tendo participado mais estados vizinhos na ocupação dos apoios militares e no abastecimento de suprimentos.
A chegada dos primeiros militares ao Araguaia foi entre 1966 e 1967, sendo o primeiro conflito das tropas no ano de 1972 e o último conflito em 1975. O movimento na Guerrilha era formado em maior parte por jovens universitário, ex- universitários, trabalhadores e políticos que pretendiam criar e estabelecer um regime político que fosse contrário ao instaurado na época, queriam uma revolução social e democrática. Os guerrilheiros buscavam a formação de um grande exército popular, mas não conseguiram atingir seus objetivos.
Com a saída de alguns membros do Araguaia e com a volta desses membros para as cidades, o movimento acabou sendo descoberto pela Central de Inteligência do Exército (CIE), entre os anos de 1971 e 1972. A partir da descoberta do movimento, os militares estabeleceram operações na área, ocasionando na aniquilação da maioria de seus membros.
A guerrilha conseguiu suportar o combate pelas atividades por cerca de dois anos e meio, mas pela grande diferença na quantidade de homens (cerca de 69 membros para 1000 militares) e pela falta de suprimentos e equipamentos acabaram sendo derrotados de maneira violenta.
2. O caso Guilherme Lund
Guilherme Gomes Lund era um jovem membro da Guerrilha do Araguaia que estava no acampamento da Comissão Militar em 1973, no ataque das Forças Armadas. Foi nesse ataque que Guilherme desapareceu e nunca mais foi encontrado.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil pelo desaparecimento e pela tortura dos membros da Guerrilha do Araguaia, abrangendo o caso de Guilherme. A corte também estabeleceu a responsabilidade de investigação e punição do Estado para designar o que ocorreu com os indivíduos desaparecidos.
3. O caso Herzog
Vladimir Herzog, nascido em junho de 1937 na cidade de Osijek (antiga lugoslávia), mudou-se para o Brasil ainda criança e seguiu sua vida aqui. Herzog era jornalista e professor – e foi outra vítima do regime militar brasileiro. A partir de seu início na gestão da TV Cultura, passou a ser vigiado pelos agentes militares como suspeito de fazer parte do Partido Comunista Brasileiro.
Herzog foi chamado para se apresentar ao Destacamento de Operação de Defesa Interna (DOI – CODI) no qual compareceu no dia 25 de outubro de 1975, o dia de sua morte, sendo torturado e assassinado pelos militares.
Naquela época, a versão do governo era de que o jornalista tinha se suicidado. Em março de 2013, levando em conta a solicitação da Comissão Nacional da Verdade, o Tribunal de Justiça de São Paulo divulgou um novo atestado de óbito que apresentava como causas da morte de Herzog lesões e maus-tratos. Herzog, assim como outros que morreram na Ditadura Militar, acreditava em um movimento progressista e revolucionário.
A Organização do Estado, a Burguesia e o Monopólio da Violência
A forte e crescente industrialização mexeu com toda a economia brasileira, assim os interesses do capital passaram a ser controlados pela burguesia. Por conta disso, como apresenta o sociólogo e professor brasileiro Octavio Ianni em seu livro “A Ditadura do Grande Capital”, a burguesia brasileira foi uma importante base no período militar. Ianni explica como o Estado favoreceu essa classe durante o regime e como a burguesia se utilizou do Estado para defender interesses próprios e buscar a soberania econômica e política do país, por isso, eles não estavam interessados nos ideais democráticos.
Para além da burguesia, a Ditadura Militar se sustentou pela violência dos órgãos opressores. Esses órgãos ficaram famosos pelo uso da violência na restauração da ordem do país e pela alteração de fatos ocorridos. Vamos entender mais alguns mecanismos que foram a base de sustentação para os 21 anos de ditadura militar.
1. A Burguesia no Regime Militar
Com a amplificação mundial do capitalismo, a burguesia brasileira passou a se preocupar com a sua reorganização econômica. O impulso político que sustentava um desenvolvimento do capital se tornou cada vez mais forte e a concentração política nas mãos do governo dos militares criou circunstâncias para a ascensão do novo modelo de economia.
A Ditadura Militar tinha como objetivo aumentar e fortalecer o capital interno, impulsionando o avanço da população dentro de um modelo capitalista. Como traz Octavio Ianni,
“A crescente subordinação das distintas formas de organização social da produção às exigências da acumulação monopolista estava impulsionando a expansão e o fortalecimento do poder estatal. Esse movimento do Estado expressava o crescente domínio do capital sobre o trabalho, da burguesia sobre as classes assalariadas, em particular o proletariado urbano e rural.” (IANNI, 1981, p 24).
Com os interesses no avanço do capital, o regime militar passou a ser um instrumento de preservação e perpetuação do poder das classes dominantes no controle da estrutura e organização do país. Por isso, considera-se que a burguesia foi favorecida durante o período, já que que obteve grande lucro e o amparo do Estado.
2. Os Órgãos Repressivos
O Terrorismo de Estado foi praticado com legitimidade e utilizado como forma de controle social. A Escola da Guerra (ESG), por exemplo, ajudou o regime militar no campo intelectual e justificou a tortura e violência ao legitimar a capacidade de atuação do Estado. O papel da ESG era refletir e montar um método ou uma técnica para a segurança e desenvolvimento do Brasil, baseado na Doutrina de Segurança Nacional. Assim, ela foi projetada pelo comando das Forças Armadas para buscar o desenvolvimento e maior segurança nacional.
Vale destacar que a ESG buscou a ajuda de empresários para a criação de aparelhos militares e ferramentas de combate. Na época, foram criados órgãos repressores que visavam o combate ao inimigo interno, alguns deles foram:
- Departamento de Ordem Pública (DOPS), responsável por censurar e proibir os movimentos sociais;
- Centro de informação do Exército (CIE), participou das investigações de áreas consideradas perigosas;
- Operação Bandeirantes (OBAN), foi um centro de informações, criado para torturar organizações de esquerda.
- Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI – CODI), o CODI foi um órgão responsável pelo planejamento de métodos de combate à oposição. O DOI era responsável pela análise e investigação das atividades organizadas pelo CODI.
- Serviço Nacional e Informações (SNI), tinha como objetivo supervisionar e organizar a atuação de movimentos de informações e contrainformações, dentro e fora do país.
3. Operação Condor
Advinda das ideais de combate ao comunismo no mundo, a Operação Condor foi a aliança estabelecida entre os regimes militares da América do Sul (Brasil, Chile, Uruguai, Argentina, Bolívia e Paraguai) nas décadas de 1970 e 1980. Essa aliança visava combater e perseguir os cidadãos que se mostrassem opostos ao governo vigente sob os locais da aliança. Auxiliada pelo governo dos Estados Unidos com a finalidade de implantar a Doutrina de Segurança Nacional nos procedimentos e na capacitação, a operação mostrou diversas formas de violência e arbitrariedade do Estado na busca de um inimigo comum.
O terror da Operação Condor, instalado no Cone Sul (região composta pela parte sul do continente sul- Americano), mudou completamente a vida das pessoas que moravam nesse local. De acordo com documentos da Comissão Nacional da Verdade sobre a operação, diversas pessoas foram perseguidas e ficaram desaparecidas.
Em 1975, aconteceu o primeiro encontro secreto com o intuito de reunir os principais líderes políticos dos países membros. O coronel Manuel Contreras (chefe da Direção de Inteligência Nacional) buscava um encontro entre os futuros países membros em razão de um projeto que visava a eliminação do comunismo por meio de um projeto junto com os chefes dos serviços secretos. O encontro ocorreu em Santiago do Chile, no segundo semestre de 1975, e foi nessa reunião que ficou estabelecida a “Operação Condor”.
A Operação Condor foi responsável por torturar, vigiar e assassinar inúmeras pessoas. A captura pelo inimigo na ação contra o comunismo reconheceu o uso da violência e da força física como característica de prevenção e de controle social por parte do governo.
REFERÊNCIAS
Caroline Bauer: Terrorismo de Estado e repressão política na ditadura cívico – militar de segurança nacional brasileira (1964-1988)
Alice Nascimento; Sabrina Schultz; Yasmin Ipince; Manuela Diamico; Leonardo Dagostim. Terrorismo de estado.
ATO INSTITUCIONAL Nº 5, DE 13 DE DEZEMBRO DE 1968. Planalto.
Érico Veríssimo. Incidente em Arantes
Maurício Monteiro. Guerrilha do Araguaia: uma epopéia pela liberdade
Romualdo Campo. Guerrilha do Araguaia A Esquerda Em Armas
GUILHERME GOMES LUND. Memórias da Ditadura
Mortos e desparecidos políticos. Brasília: CNV, 2014. 1996 p. (Relatório da Comissão da Verdade; volume 3).
Octavio Ianni. A Ditadura do Grande Capital
Mariana Schreiber. Oito descobertas da Comissão da Verdade. BBC NEWS, 2014
Leonardo Braga. Operação Condor: A internacionalização do terror.
João Chaves; João Miranda. Terror de Estado e Soberania: Um Relato sobre a Operação Condor
Luis Felipe Seixas Corrêa. A política externa de José Sarney
José Pedro Macarini. A política econômica do Governo Sarney: os Planos Cruzados (1986) e Bresser (1987)