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A política de drogas contemporânea é consequência de todas essas influências históricas que vimos nos posts anteriores. Mas e na atualidade? Quais são os efeitos da adoção do modelo proibicionista? Como funciona esse mercado das drogas? Como o mundo vem se comportando? Certamente não virão todas as respostas, mas prepare-se para receber uma chuva de informações.
Produção e mercado do atacado
A história da produção de drogas se repete ao redor do mundo, especialmente as naturais. Camponeses pobres plantam em terras baratas e vendem sua produção para traficantes locais, que subsidiam a produção e revendem a mercadoria a traficantes internacionais. É assim nas montanhas andinas de Peru, Bolívia e Colômbia, produtoras exclusivas de toda a cocaína consumida no mundo. Na Bolívia, por exemplo, as cidades que plantam coca são as que têm menos acesso a saneamento básico, água potável e eletricidade. Na penúria esses camponeses são muito mais suscetíveis aos cultivos ilegais e acabam se tornando dependentes deles. Em Rif, principal região produtora de haxixe no Marrocos, nada menos que 800 mil pessoas dependem das plantações de maconha. Nas áreas rurais do sul do Afeganistão e do norte de Myanmar estão concentradas mais de 90% da produção mundial de ópio. Dados explicam o alto crescimento do cultivo de ópio no Afeganistão. Enquanto plantar trigo rende U$ 770, plantar ópio rende U$ 4.900, ou seja, 630% mais que o principal cultivo lícito do país.
A produção de maconha é mais dispersa e obedece a uma lógica diferente. Por crescer ao ar livre em qualquer região entre os trópicos, a droga está largamente disponível, logo, torna-se barata e pouco atraente para os traficantes internacionais. Entretanto, igualmente há casos em que o cultivo da planta compensa. Em Amambay, no Paraguai, um hectare de maconha – área pouco maior que um campo de futebol – produz cerca de 3 toneladas da droga pronta para o consumo por 90 milhões de guaranis. Plantada com algodão, a mesma área rende 3 milhões de guaranis. Como a maconha ainda produz três safras por ano, e o algodão apenas uma, a maconha é cerca de 90 vezes mais lucrativa que a commodity legal.
A migração das plantações de maconha do Nordeste brasileiro para o Paraguai também é um fenômeno que se repete globalmente. Quando o tráfico de cocaína floresceu no pós-guerra, quase toda folha de coca era produzida no Peru. A demanda dos cartéis colombianos, que refinavam a droga para exportá-la para os EUA, fez a produção se deslocar para o país, até desbancar o vizinho no fim da década de 90. A partir daí, a ofensiva americana forçou parte das plantações a migrar para a Bolívia e de volta para o Peru. O ópio usado para fabricação de heroína, por sua vez, era produzido na Turquia até meados dos anos 1970. A descoberta de uma conexão para exportá-lo para os EUA, via França, extinguiu as plantações lícitas de onde os agricultores desviavam a droga para o mercado negro. Quem assumiu a produção foram os grupos paramilitares do “triângulo dourado” (Vietnã, Laos e Myanmar), interessados em fundos para financiar suas guerrilhas. No fim da década de 1980, a repressão no Sudeste Asiático aumentou e foi a vez dos guerrilheiros afegãos plantarem papoulas para financiar suas guerras. Nos anos 1990, os religiosos do Talibã incorporaram a produção entre suas fontes de receita.
As táticas destinadas a reduzir a oferta no atacado tiveram um impacto muito limitado – as ações em países produtores têm sido caras e complicadas e têm servido apenas para conduzir o cultivo e a produção para novas áreas – esse fenômeno é conhecido como “efeito bexiga”: aperta de um lado que enche do outro.
México e Los Cárteles
Don Eladio, chefe de um cartel mexicano na série de televisão Breaking Bad.
O México é o caso mais caótico da atualidade. Apesar de ter descriminalizado (lembra que é diferente de legalização?) o uso de drogas em 2011 – permitindo a posse de pequenas quantidades – o país ainda sofre muito com a atuação dos cartéis.
Com o grande lucro do tráfico, os cartéis mexicanos passaram a ter o poder de atuar globalmente. Os grupos tomam conta da produção de cocaína nos países andinos. Equador, Venezuela e países da América Central (Honduras, Guatemala, Nicarágua) por sua vez, são usados como países de trânsito, enquanto Chile e Argentina servem de portas de saída para exportação da droga para África e Europa. O Brasil, além de ser o maior consumidor na América Latina, é também o maior fornecedor de insumos químicos para o refino de cocaína.
Os cartéis mexicanos têm causado um verdadeiro estrago por onde passam. Desde 2006, quando o governo passou a atuar com mão de ferro sobre os criminosos, quase 50 mil pessoas foram assassinadas, muitas delas brutalmente, pela necessidade dos cartéis de marcarem presença em seus territórios. Na América Central, o resultado não é muito diferente, onde os filhos de imigrantes compõem as gangues organizadas conhecidas como “maras” (gangues juvenis), que voltam ao país de origem, Honduras e Guatemala, após serem deportados dos Estados Unidos. Um dos lados mais perversos é o envolvimento da juventude: mais de um terço das vítimas de mortes violentas tem entre 15 e 24 anos.
Devido ao endurecimento do combate na fronteira dos EUA, os cartéis têm voltado seus olhos cada vez mais para o mercado europeu, e quem vem sofrendo com isso são as nações africanas, feitos de pontos de distribuição do tráfico. Fracos institucionalmente, os governos desses países são facilmente subornáveis e incluídos na rota do tráfico. Mais uma demonstração do “efeito bexiga”. De qualquer forma, esse controle nas fronteiras americanas é tarefa praticamente impossível. São usados desde túneis, buggys para as dunas, aviões, trens, barcos de pesca e até submarinos.
O Plano Colômbia
Wagner Moura como Pablo Escobar na série Narcos.
Tido como o maior fracasso da política antidrogas americana, o Plano Colômbia nasce em 2000 com a pretensão de erradicar as plantações de coca e enfraquecer o poderio econômico dos narcotraficantes. Mesmo após um investimento de mais de U$ 6 bilhões – apenas do lado americano – o plano não conseguiu atingir seus objetivos. Após cair temporariamente, a área sob plantio de coca voltou aos níveis pré-erradicação. E apesar do crescimento econômico do país, estima-se que quase a metade da população rural ainda viva na linha de pobreza.
Para muitos camponeses, o cultivo de coca continua sendo a única oportunidade de avanço social ou até mesmo de sobrevivência. O conflito ainda resultou em quase 50 mil mortes durante 15 anos. Mesmo com todos os recursos e esforços empreendidos no combate, os atuais preços da cocaína nos EUA estão entre os mais baixos de todos os tempos, indicando que o fornecimento não diminuiu. A coca tem significantes vantagens econômicas sobre outros cultivos. Além dos altos preços e da praticidade do plantio, a produção não precisa ser transportada, já que os traficantes a buscam nas fazendas. Ao final dos anos 80, traficantes colombianos acumularam algo em torno de U$ 50 bilhões, o que era equivalente a todo o setor privado do país naquela época, alçando os chefões ao estrelato (quem não conhece a história de Pablo Escobar, recentemente retratado na série Narcos?).
A estratégia americana de erradicação de plantações de coca criou um ressentimento generalizado na população campesina, particularmente pela falta de programas eficientes que criassem alternativas de meios de vida àqueles que dependiam da coca. Essa revolta popular colaborou muito para o crescimento das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). O movimento defende os agricultores contra os exércitos de erradicação comandados pelo governo colombiano e pelos EUA, fortalecendo enormemente seu capital político na região. Estima-se que 50% dos recursos das FARC venham do comercio ilegal de cocaína. Atualmente, o presidente colombiano tenta um acordo com as FARC para por fim ao conflito e reintegrá-los à legalidade.
OK, mas diz aí: qual é o resultado, afinal?
A resposta para isso você confere neste infográfico sensacional:
Que tal baixar esse infográfico em alta resolução?
Dessa vez trouxemos um panorama geral do mundo das drogas e ficou claro que a questão envolve muito mais do que assuntos ligados a polícia ou saúde. No próximo post será a vez do Brasil. Não perca, o momento de falar sobre isso é agora!
Referências:
Global Comission on Drugs Policy
Global Comission on Drugs Policy
UNODC – World Drug Report 2012
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