Foto: Beto Barata/ PR
Ministros do governo provisório de Michel Temer anunciaram na última sexta-feira, 20/05, que a nova meta fiscal do governo para o ano de 2016 será um déficit de R$ 170,5 bilhões. Essa meta refere-se apenas ao orçamento do governo federal: os estados precisam alcançar uma meta de superávit de R$ 7 bilhões. De todo modo, é um déficit muito maior do que o apresentado pelo governo de Dilma no mês de abril, que pretendia colocar como meta um déficit de R$ 96 bilhões.
Como o governo chegou a esse número? A explicação dada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é que a previsão do governo afastado para a arrecadação de receitas estava superestimada. O governo deve arrecadar neste ano muito menos do que estava sendo projetado. Para ser mais exato, a expectativa é que as receitas cheguem a R$ 1,077 trilhão. Pode parecer muito dinheiro, mas isso equivale a uma queda real (descontada a inflação) de 4% em relação a 2015.
E por que está havendo essa queda na arrecadação? Porque as receitas do governo dependem diretamente do desempenho da atividade econômica. Como o país enfrenta uma dura recessão, os investimentos têm diminuído, o que por sua vez diminui o nível emprego. O resultado é que menos tributos são arrecadados.
O ministro também anunciou que a nova meta fiscal, que chamou de “realista”, servirá como um teto e que o governo pretende trabalhar para encerrar o ano com um déficit menor do que esses R$ 170 bilhões. Para isso, foram anunciadas nesta terça-feira (24/05) medidas como o controle de gastos com saúde e educação, contenção de subsídios e mudanças nas regras do pré-sal.
Mas essas e outras medidas que ainda devem ser apresentadas dependerão de muita coordenação política, já que novos impostos ou mudanças nas receitas para saúde e educação dependem de aprovação do Congresso. O governo também tem várias despesas obrigatórias que dificilmente podem ser mudadas. Vamos conhecer as limitações que o governo encontra para fazer o ajuste fiscal?
Como é elaborado o orçamento?
Em primeiro lugar, é importante entender como o governo planeja o uso de suas receitas. As propostas de orçamento são elaboradas todos os anos pelo Poder Executivo. Como já vimos em outro texto, a Constituição prevê a elaboração de três documentos orçamentários, com propósitos diferentes: o PPA (que faz previsões de médio prazo, estabelece grandes objetivos e prioridades do governo); a LDO (ajusta os grandes objetivos do PPA para a realidade do caixa do governo) e a LOA (fixa despesas e estima as receitas para um ano, estabelecendo a meta fiscal).
O Executivo envia a proposta de lei orçamentária para o Congresso Nacional (Câmara e Senado), que deve aprová-lo na Comissão Mista de Orçamento e depois em plenário. Depois de aprovada a lei, a fiscalização do cumprimento do orçamento e de suas metas é feita pelo Congresso, com ajuda do Tribunal de Contas da União.
Entendido como o orçamento é formulado, aprovado e fiscalizado, vamos explicar quais são os grandes “entraves” encontrados na gestão do orçamento federal. Como veremos, não é fácil nem controlar ou cortar despesas – a maioria delas obrigatória – nem gerar novas receitas.
1) Despesas obrigatórias são grandes e crescem cada vez mais
Na hora de definir o orçamento, o Poder Executivo encontra várias limitações. Não pense que é possível usar todo o dinheiro que tem à disposição para gastar como quiser. Na verdade, é justamente o contrário: a maior parte das receitas presentes no orçamento da União já têm seu destino selado. São as despesas obrigatórias.
Quase a totalidade dos gastos com Previdência, os gastos com a folha de pagamento dos servidores federais mais uma parte com despesas diversas (abono salarial, seguro-desemprego, entre outros) são despesas obrigatórias. Além disso, as áreas de saúde e educação devem recebem todos os anos a mesma fatia das receitas do governo, uma obrigação prevista na Constituição. A saúde recebe pelo menos 13,2% da receita líquida, enquanto a educação deve receber 18% da receita líquida. Dessa forma, segundo o Nexo Jornal, mais de 87% das despesas do governo federal são obrigatórias.
E existe um problema ainda maior: as despesas obrigatórias do governo devem continuar a crescer nos próximos anos, mesmo se não houver incremento nas receitas. Os gastos com a Previdência Social devem ficar maiores, assim como os gastos com educação e saúde. Como conciliar essas obrigações, tão importantes, com a realidade das contas públicas? Esse é um grande desafio que deverá ser encarado desde agora e ao longo dos próximos anos.
Além das despesas obrigatórias, existem também o caso das receitas vinculadas. São aqueles tributos em que a fonte da receita foi criada para financiar exclusivamente uma despesa específica. Assim, essas receitas não podem ser usadas para fins que não sejam exatamente aqueles estabelecidos em lei.
2) DRU ainda não foi aprovada em 2016
Com todas essas obrigações e vinculações, é comum ouvirmos falar que o orçamento do governo é bastante “engessado”. De fato, há pouco espaço para cortes de despesas. Até por isso o governo provisório de Temer tem falado sobre controlar gastos – ou seja, evitar que as despesas cresçam.
É por isso que existe um mecanismo chamado de Desvinculação de Receitas da União (DRU). Por meio desse mecanismo, o governo pode usar uma parte de algumas receitas do governo vindas de tributos federais que por lei seriam destinadas principalmente ao orçamento da seguridade social (saúde, previdência e assistência social), que é separado do orçamento fiscal (leia este texto para entender melhor essa questão). A DRU vem sendo adotada todos os anos desde o início do Plano Real.
A maior parte dos recursos da DRU vem de contribuições sociais – cerca de 90%. Já escrevemos sobre as contribuições aqui no Politize. São tributos que requerem um tipo de contrapartida por parte do Estado – eles devem ter uma finalidade específica bastante clara. Por exemplo: a CPMF foi uma contribuição social cujo único objetivo era financiar a saúde pública.
Com a desvinculação de receitas, parte dos recursos arrecadados pelas contribuições sociais – até o ano passado eram 20% – é destinada a outras áreas que não eram previstas incialmente. É assim que o governo usa essas receitas para gastar com despesas consideradas prioritárias ou urgentes. É assim que é viabilizado o superávit primário, que é considerado um dos pilares para a estabilidade da economia brasileira nas últimas décadas.
Ocorre que a DRU, que foi criada em 1994 e prorrogada diversas vezes, esteve em vigência apenas até 31 de dezembro do ano passado. O governo Dilma elaborou em julho de 2015 uma nova proposta de prorrogação da DRU até 2023, aumentando para 30% o percentual desvinculado. Essa proposta deveria ter sido aprovada pelo Congresso. Essa aprovação ainda não aconteceu até o momento e a liberdade de mexer no orçamento no início de 2016 foi ainda menor. A prorrogação desse instrumento deve entrar em pauta me breve no Congresso.
A DRU não é isenta de críticas, afinal é uma maneira de remover parte de recursos de áreas importantes, como a saúde.
3) Aumento de tributos dependem de aprovação do Congresso
O governo também não tem total liberdade para criar novas fontes de receita a qualquer momento. Essa ação depende de aprovação prévia do Congresso – ou seja, de apoio político, algo que está sendo colocado à prova nestas primeiras semanas de governo Temer. Assim, mesmo que se fale em possível recriação da CPMF, aumento da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, incidente sobre a importação e comercialização de combustíveis), ou mudanças em qualquer outro tributo, nada disso será levado adiante se o Poder Legislativo não consentir com essas mudanças.
Além disso, o aumento da carga tributária é altamente impopular, afinal ninguém gosta de pagar mais impostos. Até por isso, o governo interino tem evitado apresentar propostas dessa natureza por enquanto, preferindo focar no controle dos gastos.
E a impopularidade não é o único fator que dificulta ajustes nos tributos: um alto nível de tributação também é considerado danoso por muitos economistas, uma vez que pode tornar inviáveis aumentos de investimentos e do nível de emprego. Ou seja, aumentar demais a carga tributária pode ser um tiro no pé, já que pode ter o efeito inverso daquele pretendido pelo governo, acarretando perdas de receitas. Cabe ao governo avaliar se o nível da tributação no país já é muito alto ou se ainda é possível e necessário aumentar impostos.
4) Reformas encontrarão forte resistência
Outra importante frente de ação do governo interino de Temer – que ainda deve demorar um pouco para realmente ser levado adiante – é a realização de reformas estruturais que sanariam em parte a questão fiscal. Mas novamente não será fácil viabilizar as reformas anunciadas. Mudanças tanto na Previdência Social, quanto nas leis trabalhistas já enfrentam desde já grande resistência de vários setores da sociedade: centrais sindicais, aposentados e pensionistas e o próprio Congresso podem dificultar bastante a busca do governo em flexibilizar ou, acusa-se, diminuir direitos.
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