Quando falamos em organizações internacionais nem sempre compreendemos a influência que elas provocam na nossa realidade. Por vezes podem parecer tão distantes que é mais fácil agirmos com desinteresse do que entendermos o porquê de elas existirem. Aqui, seguiremos pelo caminho de observar um pouco mais uma dessas organizações: a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A OIT desempenhou um papel importante em algumas das principais conjunturas históricas do último século, dentre elas a Grande Depressão, a descolonização de alguns países e a vitória sobre o apartheid na África do Sul.
No texto de hoje você compreenderá o que é a OIT, sua influência na nossa legislação trabalhista e a participação do Brasil nessa instituição. Para começar, que tal conferir esse vídeo em formato de linha do tempo feito pela própria organização?
O que é a OIT e por que ela foi criada?
Imagine o seguinte cenário: mudanças socioculturais intensas entre o final do século XIX e o início do século XX, com uma industrialização crescente, revoluções e, por fim, a Primeira Guerra Mundial. É nesse panorama de virada de século que o mundo do trabalho estava mudando dramaticamente. O fluxo de trabalhadores da agricultura para a indústria estava se acelerando a um ritmo sem precedentes.
Na maioria dos casos as condições de trabalho eram ruins e a desigualdade e a exploração estavam cada vez maiores. Não existia uma estrutura forte de fiscalização da qualidade do local de trabalho, o que dificultava a responsabilização dos empregadores em tragédias industriais comuns na época.
Um exemplo desse tipo de fatalidade é o incêndio na fábrica Triangle Shirtwaist (em 1911, Nova York), onde mais de 140 pessoas morreram, na maioria mulheres. Esse episódio desencadeou uma série de protestos, não somente quanto as condições de trabalho, mas também reivindicando os direitos das mulheres. Você pode conferir um pouquinho mais da historia desse incidente aqui.
Desse modo, a ideia de uma organização mundial que estabelecesse regras para o meio do trabalho, a serem seguidas por todos os seus Estados membros, surgiu de considerações de segurança, humanitárias, políticas e econômicas. Os fundadores da OIT reconheceram a importância da justiça social para garantir a paz, tendo como pano de fundo a exploração dos trabalhadores nas nações industrializadas da época.
Em 1919, o International Labour Office – hoje International Labour Organization (ILO) – é criada como parte do Tratado de Versalhes (responsável pelo término oficial da Primeira Guerra Mundial) com o seguinte lema: a paz universal e duradoura só pode ser alcançada se for baseada na justiça social. Por mais utópico que pareça esse conceito, a organização o considera o guia de toda a sua formação, inclusive o diluindo nos seus princípios basilares.
Embora no mesmo tratado também tenha sido criada a Liga das Nações, popularmente conhecida como a antecessora da ONU, as organizações eram independentes entre si, ainda que conectadas pelo Tratado de Versalhes e pelos integrantes em comum. Os Estados Unidos, por exemplo, se tornou membro da OIT em 1934, permanecendo, no entanto, fora da Liga das Nações.
Somente em 1946, após a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945 e consequente extinção da Liga das Nações, é que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) se tornou a primeira agência especializada da ONU, passando a integrar, oficialmente, a sua estrutura.
Hoje contando com 187 Estados membros, o maior diferencial da OIT, no que compete a sua formação, é a organização Tripartida, que permite a participação de representantes de governos (1), empregadores (2) e trabalhadores (3) em seus órgãos executivos. Essas três classes atuam de forma igualitária dentro da organização, participando das Convenções Internacionais de Trabalho (já foram realizadas 188 convenções) e elaborando as Recomendações (que até o momento totalizam 200).
Em razão da formação Tripartida, os Estados membros da OIT são representados da seguinte forma na Conferência Internacional do Trabalho, realizada anualmente em Genebra, na Suíça: uma delegação composta por dois delegados governamentais, um delegado empregador e um delegado trabalhador, sendo autorizado o acompanhamento pelos seus assessores técnicos.
A seleção desses delegados é realizada de acordo com as instituições nacionais mais representativas de empregadores e trabalhadores de cada Estado membro, como sindicatos e associações, por exemplo. Quanto aos delegados governamentais, estes normalmente são ministros, chefes de estado ou de governo.
Todos os delegados desfrutam dos mesmos direitos e podem se expressar livremente e votar como bem entenderem, sendo que são diversos os temas abordados nas convenções, dentre eles: emprego, proteção social, recursos humanos, saúde e segurança no trabalho, trabalho marítimo, entre outros.
Os pilares da OIT
A Constituição da OIT foi redigida no início de 1919 pela Comissão do Trabalho, composta por representantes de nove países: Bélgica, Cuba, Tchecoslováquia, França, Itália, Japão, Polônia, Reino Unido e Estados Unidos. Em seu preâmbulo há a descrição do cenário da época que motivou a criação da organização:
- Considerando que a paz universal e duradoura só pode ser estabelecida se for baseada na justiça social;
- E considerando que existem condições de trabalho que envolvem tanta injustiça, sofrimento e privação para um grande número de pessoas que produzem inquietação tão grande que a paz e a harmonia do mundo estão em perigo; e é urgentemente necessário melhorar essas condições;
- Considerando que também o fracasso de qualquer nação em adotar condições humanas de trabalho é um obstáculo no caminho de outras nações que desejam melhorar as condições em seus próprios países.
As áreas de melhoria listadas no preâmbulo permanecem relevantes para a instituição, incluindo a regulamentação da carga horária e da oferta de trabalho, a prevenção do desemprego e um salário digno, a proteção social dos trabalhadores, crianças, jovens e mulheres. O preâmbulo também reconhece vários princípios-chave, como, por exemplo, a remuneração igual por trabalho de igual valor e a liberdade de associação , destacando, entre outros, a importância da educação profissional e técnica.
Em 1998, a Conferência Internacional do Trabalho (na sua 87ª Sessão) aderiu à Declaração dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, estabelecendo os seguintes direitos como pilares fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT):
- Liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;
- Eliminação de todas as formas de trabalho forçado;
- Abolição efetiva do trabalho infantil;
- Eliminação de todas as formas de discriminação no emprego ou na ocupação.
Além dos princípios fundamentais, existem projetos que abordam problemas específicos existentes no mercado de trabalho, tais como: Emprego Juvenil, Futuro do Trabalho, Gênero e Raça, Cooperação Sul-Sul e Triangular, Trabalho Doméstico, Trabalho Forçado e Trabalho Infantil. Aqui destacamos o projeto central nomeado Trabalho Decente, o qual foi formalizado em 1999 pela OIT, com o objetivo de:
[…] promover oportunidades para que homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.1
Esse projeto é a essência das estratégias mundiais, nacionais e locais para alcançar o progresso econômico e social, bem como erradicar a pobreza extrema. Desse modo, os países que se tornam Estados-membros da Organização Internacional do Trabalho (OIT) assumem o compromisso de aderir aos seus objetivos, concordando em adotar políticas internas que visam o seu alcance.
Em 2005, esse projeto foi expandido para os Estados membros das Nações Unidas, que firmaram compromisso com os objetivos do emprego pleno e produtivo e o trabalho decente para todos, traçando uma meta fundamental nas políticas nacionais e internacionais, incluindo os planos estratégicos de desenvolvimento. A partir de então, o apoio direto das Nações Unidas se ampliou, passando a financiar programas e esforços de geração de emprego produtivo e colaborar na implementação do trabalho decente para todos.
O Trabalho Decente é amplo e exige a colaboração de diferentes áreas para a sua implementação. Nesse sentido, a organização oferece assistência técnica a seus membros e parceiros na implementação das normas internacionais do trabalho, bem como aplica programas nas áreas de emprego, proteção e diálogo social.
Esse sistema de apoio também auxilia no controle e fiscalização da implementação dos compromissos internacionais assumidos pelos Estados membros. Além disso, há incentivo para o desenvolvimento de pesquisas e estudos, realizando-se a análise dos impactos provocados pelos projetos, sendo o Brasil um dos países pioneiros na área.
Organização Internacional do Trabalho no Brasil
O Brasil é membro fundador da OIT e, em 1950, abriu o primeiro escritório dessa organização internacional na América Latina. Até a redação deste texto, o país já ratificou 98 convenções internacionais do trabalho, as quais possuem força de tratado internacional. Isso significa que as regras previstas nas convenções ou protocolos que foram ratificados pelo Brasil são implementados no nosso sistema jurídico, legislativo e executivo. Logo, tanto a legislação trabalhista brasileira quanto as políticas públicas existentes no setor devem estar de acordo com as regras internacionais acatadas.
São vários os projetos executados em cooperação técnica com a OIT, dentre eles ressaltamos os que objetivam a eliminação do trabalho infantil e do trabalho escravo, o combate à discriminação e a promoção da igualdade de direitos. Os projetos funcionam como uma extensão dos mecanismos de proteção social aos trabalhadores da economia informal, reduzindo acidentes e doenças ocupacionais e fortalecendo os mecanismos e processos de diálogo social.
Durante a XVI Reunião Regional Americana, realizada em Brasília (2006), o Governo brasileiro lançou oficialmente a Agenda Nacional de Trabalho Decente (ANTD), elaborada em consulta com organizações de empregadores e de trabalhadores (diálogo social). Desde então, as áreas de atuação da OIT no Brasil têm se articulado em torno das três prioridades da Agenda, quais sejam:
- Gerar mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades e de tratamento;
- Erradicar o trabalho escravo e eliminar o trabalho infantil, em especial em suas piores formas;
- Fortalecer os atores tripartites e o diálogo social como um instrumento de governabilidade democrática.
O Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente foi lançado em 2010 como instrumento de operacionalização da ANTD, contribuindo para o progresso das políticas aplicadas. Em seguida (2012) foi realizada a I Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente, envolvendo 20 mil participantes em todo o país. Ademais, outras agendas subnacionais foram desenvolvidas e implementadas em estados como Bahia (pioneira em 2007), Mato Grosso e cidades como São Paulo.
Foram, em suma, anos de formulação e implementação de políticas e programas na esfera pública que, sem dúvida, fizeram o país avançar significativamente na direção do respeito aos direitos humanos e aos direitos no trabalho, da justiça e da inclusão social e da democracia. É fundamental ressaltar que para isso foi e continua sendo chave contar com a presença ativa e constante das organizações de empregadores e trabalhadores e da sociedade civil em geral, expressando suas demandas e perspectivas e dando vida aos mecanismos de controle social, que constituem um dos aspectos mais ricos e notáveis da experiência brasileira recente.2
OIT durante a pandemia COVID-19
É de conhecimento notório que os impactos da pandemia COVID-19 são de longo alcance no mercado de trabalho, tendo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) os resumido em três dimensões principais: (1) aumento substancial no desemprego e subemprego como resultado do surto do vírus; (2) amplos ajustes em termos de redução de salários e horas de trabalho; (3) queda estimada da renda do trabalho e aumento da pobreza extrema e moderada no trabalho.
Desse modo, a organização vem divulgando uma série de recomendações, as quais podem ser seguidas pelas três classes de representantes, quais sejam: governo, trabalhadores e empregadores, destacando que o diálogo social assume essencial importância para a minimização do impactos negativos.
Quanto às políticas de retorno ao trabalho, estas devem ser orientadas por uma abordagem com foco nas pessoas, de modo que os direitos e as Normais Internacionais do Trabalho permaneçam no centro das estratégias econômicas, sociais e ambientais, garantindo que a orientação das políticas seja incorporada nos sistemas nacionais de segurança e saúde no trabalho (SST).
Notas
1 BRASÍLIA, OIT. Temas: Trabalho Decente. Organização Internacional do Trabalho (OIT).
2 ABRAMO, Laís . Uma década de promoção do trabalho decente no Brasil: uma estratégia de ação baseada no diálogo social / Organização Internacional do Trabalho – Genebra: OIT; Escritório da OIT no Brasil, 2015. Pág. 181.
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Fontes.
BRASIL. Agenda Nacional de Trabalho Decente, 2006.
BRASÍLIA, OIT. Departamento de parcerias e apoio aos programas exteriores. A OIT no Brasil.
BRASÍLIA, OIT. Notícias: Como a COVID-19 afetará o mundo do trabalho?.
BRASÍLIA, OIT. Temas: Normas Internacionais do Trabalho.
ILO, International Labour Organization. Countries.
ILO, International Labour Organization About the ILO. History of the ILO.