Você sabe o que significa pan-africanismo? E sabia que as repercussões desse movimento se refletem até hoje no continente africano e em outras nações colonizadas pelos europeus?
O pan-africanismo, que teve início no final do século XIX, tem como ideia principal a valorização do negro em escala internacional. Nesse sentido, os objetivos do pan-africanismo podem ser resumidos em dois aspectos: liberdade e integração, ou seja, liberdade aos escravizados negros e integração dos países africanos após sua emancipação.
Nesse artigo, a Politize! vai te explicar os antecedentes do movimento pan-africanista, como foi a Primeira Conferência Pan-Africanista de 1919 e quem são os principais pensadores dessa corrente. Vamos lá?
O que foi o movimento pan-africanista do século XX?
Apesar de ser um movimento do século XX, as bases do ideário pan-africanista surgiram a partir da segunda metade do século XIX e foram criadas por intelectuais de tradição ocidental. Assim, os pensadores situavam-se entre dois eixos principais: na América (onde o ponto central era o cenário pós-abolição da escravatura e a preocupação com a subalternização do negro nas sociedades americanas) e na África (onde ainda persistia a luta contra o neocolonialismo).
Ainda no final do século XIX, entre os pensadores estadunidenses, havia uma clara preocupação com a inserção do negro em uma sociedade capitalista pós-escravista. Dessa forma, a economia era tida como a chave tanto para a organização da comunidade afro-americana quanto para o projeto de unidade pan-africana.
É importante destacar que o pan-africanismo foi impulsionado pelos resultados impostos pela Conferência de Berlim de 1885. Nela, o território africano foi desmembrado em benefício das potências europeias, que dividiram-no em zonas de influência. Foram, portanto, criadas novas fronteiras que não refletiam as sociedades que já viviam em solo africano.
Nesse sentido, um dos objetivos pan-africanistas era justamente a unificação dos povos africanos que ficaram divididos pela criação de Estados com fronteiras artificiais. Apesar de essa unificação ter sido uma meta capitaneada por vários líderes e pensadores pan-africanistas, houve considerável divergência política em torno do tema – razão pela qual a união africana em uma só federação é algo que não se concretizou.
Ao longo do século XX, esses objetivos foram se tornando mais complexos. A título de exemplo, em 1927, o ativista Marcus Garvey pregava a volta dos negros para a África (objetivo que ele ajudou, inclusive, a concretizar); e, mais além, em 1945, inspirado pelos ideais socialistas, George Padmore propagava seu manifesto com a fala “Resolvemos ser livres… Povos colonizados e subjugados do mundo, uni-vos”.
Uma das mais importantes consequências positivas do movimento pan-africanista foi a influência da geração que posteriormente constituiu os líderes africanos dos processos de independência de seus respectivos países. Aqui, é possível citar Jomo Kenyatta, do Quênia, e Kwame Nkrumah, de Gana. Além destes, África do Sul, Etiópia, Nigéria, Tanzânia e Zâmbia também tiveram líderes pan-africanistas!
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A primeira conferência pan-africanista
A primeira “conferência dos povos de cor”, também denominada Conferência de Londres, foi organizada por Silvester Williams e ocorreu em Londres no ano de 1900. Essa conferência foi importante por colocar em uso o termo pan-africanismo, além de ter como principal reivindicação a devolução das terras africanas invadidas por países europeus.
O I Congresso Pan-Africanista, propriamente, ocorreu em 19 de fevereiro de 1919, em Paris, e contou com a participação de 57 delegados africanos. Ao final de três dias, os participantes expuseram três reivindicações claras: a autoadministração gradual das colônias africanas, a criação de mecanismos de garantia da liberdade de expressão em território africano e o direito à terra e à educação dos povos africanos.
O congresso teve como resultado principal a adoção do chamado “Código de Proteção Internacional aos Indígenas da África”, a fim de garantir a este grupo o direito à terra, à educação e ao trabalho livre. Além disso, o congresso se desdobrou em mais encontros nas décadas seguintes, ampliando sua pauta e atores.
O evento foi um marco global para o movimento pan-africanista. Além dos resultados práticos obtidos, o encontro também foi importante para que ativistas, intelectuais e políticos africanos e afrodescendentes pudessem discutir as temáticas que envolviam o pan-africanismo. Assim, as gerações futuras foram influenciadas pelo tema, impactando diretamente os movimentos de independência da região.
Além disso, um segundo resultado advindo dos congressos pan-africanistas foi a criação da Organização da Unidade Africana (OUA) em 1963 – hoje denominada União Africana (UA). Atualmente, a UA conta com 55 Estados-membros e tem como objetivo promover o desenvolvimento e a integração da região, além de mediar eventuais conflitos.
Os pensadores pan-africanistas
Vamos conhecer alguns pensadores pan-africanistas? Vejamos abaixo alguns destes pensadores e seus importantes feitos:
Sylvester Williams
Sylvester Williams (1869-1911) foi um advogado, escritor e pensador pan-africanista. Original de Trinidad e Tobago, Williams cunhou o termo Pan-Africanismo e organizou a primeira conferência sobre o tema em 1900. Posteriormente, o intelectual foi reconhecido como o pai do Pan-Africanismo por importantes expoentes do movimento, como Du Bois, Marcus Garvey e Edward Wilmott Blyden.
W.E.B Du Bois
William Edward Burghardt Du Bois (1868-1963), mais conhecido como W.E.B Du Bois, foi um sociólogo, historiador, autor e ativista pelos direitos humanos e pela justiça racial. Um dos mais célebres pensadores pan-africanistas, Du Bois dedicou sua vida à luta por direitos iguais para brancos e negros nos EUA.
Segundo o autor, o negro possuía uma essência cultural que se contrapunha à logica materialista ocidental, e, nesse sentido, deveria se orgulhar de sua criatividade e originalidade. Muitas ideias de Du Bois foram incorporadas à Lei dos Direitos Civis um ano após a sua morte, em 1964.
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J Horton
James Africanus Beale Horton (1835-1883), ou J Horton, foi um cirurgião, soldado e nacionalista. Nascido em Serra Leoa, Horton iniciou seus estudos em Serra Leoa e depois se mudou para o Reino Unido, onde se tornou médico. Em 1959, Horton, já cirurgião, se juntou à força militar britânica e atuou nas guerras Anglo-Ashanti, ocasião em que passou a se interessar mais pelos temas políticos.
Horton foi um dos primeiros intelectuais a negar a ideia da degeneração da “raça negra”. Ainda, o intelectual defendia a capacidade de autogovernança dos povos africanos, partilhando, então, do ideal emancipatório. As suas ideias serviram de base para a independência das colônias africanas que ocorreram somente no século XX.
Marcus Garvey
Marcus Garvey (1887-1940) nasceu na Jamaica e radicou-se nos EUA, onde se tornou político, ativista e jornalista. Garvey foi o fundador e primeiro presidente da Associação Universal para o Progresso Negro (UNIA, em inglês).
O comunicador defendia o fim do colonialismo europeu e a unificação do continente africano em uma federação, chegando até a se autoproclamar presidente da África. A partir da notoriedade dada pela imprensa estadunidense, Garvey se projetou internacionalmente, ajudando a formar diversos grupos pan-africanistas ao redor do globo.
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As influências do pan-africanismo na atualidade
Uma clara influência do movimento pan-africanista na atualidade pode ser vista na cultura afro-estadunidense com o surgimento do sentimento de solidariedade presente, por exemplo, na cultura do rap e do hip-hop. Ainda, outro traço desta solidariedade é perceptível na própria linguagem, especialmente pelo fato de os negros dos Estados Unidos se tratarem por “irmãos” a partir da ideia de que têm uma mesma origem (a africana).
Academicamente, também foram várias as repercussões do pan-africanismo. Após a Segunda Guerra Mundial, o movimento foi repensado por uma nova geração de intelectuais africanos e caribenhos, os quais trouxeram como contribuição uma reflexão histórica menos eurocêntrica, além de novas formas de pensar o passado e projetar o futuro dos países colonizados por nações europeias.
Em termos políticos, é necessário notar que a União Africana permanece ativa. Um dos maiores projetos da organização, na atualidade, é a chamada Agenda 2063. Lançado em 2015, o plano objetiva tornar a região integrada, próspera e pacífica, além de se tornar “uma força dinâmica na arena global”.
Segundo a UA “a Agenda 2063, enraizada no Pan–africanismo e na Renascença Africana, constitui um quadro robusto para a resolução das injustiças passadas e a concretização do século XXI como o século da África”.
Diante de tudo que vimos, podemos concluir que o pan-africanismo definitivamente mudou a história do negro no contexto pós-colonial. Nas mãos dos intelectuais e políticos, o ideal pan-africano passou de reflexão filosófica para proposta factível, inspirando líderes e norteando projetos, como os da União Africana.
E aí, conseguiu entender o que é o pan-africanismo? E o que pensa de suas influências na atualidade? Deixe sua opinião nos comentários!
Referências:
- Black Past – James Africanus Beale Horton (1835-1883)
- Carta Internacional – Pan-africanismo e relações internacionais: uma herança (quase) esquecida
- DW – Congresso Pan-Africano foi há 100 anos em Paris
- Fundação Palmares – Du Bois e o Pan-africanismo
- Observatório de Crises Internacionais – União africana e atuação em conflitos
- PAIM, Márcio. Pan-africanismo: tendências políticas, nkrumah e a crítica do livro na casa de meu pai. Sankofa: Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana Ano, São Paulo, v. 7, n. 13, p. 88-112, jul. 2014.
- Portal Geledés – Pan-africanismo: o conceito que mudou a história do negro no mundo contemporâneo
- União Africana – Agenda 2063: A África que queremos
- Universidade de Brasília – O pensamento Pan-africano na contemporaneidade O caso da Agenda 2063