Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações
Art. 225 da Constituição de 1988
Está em tramitação no Senado a PEC 65, uma proposta que altera as regras de licenciamento ambiental de obras públicas. Ela tem sido muito criticada por diversas instituições e pela população. Vamos entender o que está em jogo?
O QUE É A PEC 65
A PEC 65 acrescenta um novo parágrafo ao artigo 225 da Constituição, que assegura que uma obra pública tenha continuidade. Basicamente, a apresentação de um estudo prévio de impacto ambiental já seria suficiente para autorizar a execução da obra, que não poderia mais ser cancelada por questões dessa natureza.
A PEC já foi aprovada na Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal, em abril deste ano.
Segundo o parecer do relator Blairo Maggi (atual Ministro da Agricultura), a PEC visa garantir segurança jurídica à execução das obras públicas. Ele justifica que hoje em dia, questões ligadas ao licenciamento ambiental causam interrupções de obras estratégicas para o desenvolvimento nacional.
Assim, a principal motivação seria a de “garantir a celeridade e a economia de recursos em obras públicas” sujeitas ao licenciamento.
Para você entender melhor o que está envolvido nesse debate, nós vamos explicar no infográfico abaixo como funciona o licenciamento ambiental hoje e o que a PEC 65 mudaria nesse processo.
Que tal baixar esse infográfico em alta resolução? Clique aqui.
QUAIS OS PRINCIPAIS PROBLEMAS IDENTIFICADOS NA PEC?
O Estudo de Impacto Ambiental
O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é um estudo técnico que leva em consideração o meio ambiente e aspectos socioeconômicos antes da realização de obras e da tomada de decisões. Serve como um instrumento de planejamento, uma vez que determina a melhor alternativa de localização da atividade e verifica a viabilidade ambiental, estabelecendo os principais impactos e suas respectivas medidas mitigadoras. No entanto, o estudo não equivale a uma licença ou autorização.
Descrédito às licenças subsequentes
A atividade só poderá entrar em funcionamento quando obtiver a última licença (LO). Do modo com que a proposta foi colocada, qualquer impacto que seja citado no EIA, independente de sua chance de ocorrência ou gravidade, não é visto como algo superveniente – e, portanto não será argumento para a suspensão da licença. Ou seja, as emissões da LP, LI e LO não estarão mais condicionadas a outros projetos [citados na tabela explicativa sobre o licenciamento], que não o EIA.
Princípio da Precaução
A PEC desrespeita um dos princípios do Direito Ambiental: o da precaução. Esse direito se refere à necessidade de agir com cautela quando existem incertezas sobre o dano causado por determinada atividade. Desse modo, os Poderes Judiciário e Público devem assumir postura de precaução, proibindo ou regulando a atividade com potencial de causar impactos.
O País sofre hoje com as consequências do rompimento das barragens em Mariana-MG por problemas no licenciamento ambiental, e por isso, mais do que nunca, a conduta preventiva dos poderes deve ser tratada com vigor.
Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição
Outro princípio constitucional desrespeitado pela PEC 65 é o da inafastabilidade, que garante a possibilidade de análise de atos do Poder Executivo pelo Poder Judiciário. Ou seja, o Poder Judiciário tem garantia para apreciar a legalidade da execução de obras, de modo a resolver conflitos quando da aplicação da lei.
A PEC 65, na prática, afastaria do Poder Judiciário atos relativos ao licenciamento ambiental e limitaria o poder do Ministério Público ao impedir o ajuizamento de ação civil pública.
COMO A PEC FICOU APÓS A EMENDA?
Com os problemas identificados na proposta inicial da PEC, o Relator Min. Blairo Maggi mudou o conteúdo da proposta, no mês de maio. Veja como ficou:
PEC proposta inicialmente | Após a Emenda |
Acrescenta o § 7º ao art. 225 da Constituição Federal para assegurar a continuidade de obra pública após a concessão da licença ambiental; dispõe que a apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente. | § 7º A apresentação e a aprovação do estudo de impacto ambiental importam autorização para a execução da obra, que não poderá ser administrativamente suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face do não atendimento de outros quesitos legais ou de fato superveniente. (NR) |
As principais diferenças após a inclusão da emenda é a necessidade da aprovação do EIA – e não simplesmente sua apresentação. Além disso, o processo não poderá ser suspenso apenas administrativamente, mas também judicialmente – de modo a não mais confrontar com as cláusulas pétreas da Constituição.
IMPOPULARIDADE DA PEC 65
Você pode participar da pesquisa neste link.
Diversas Câmaras Municipais também se colocaram contrárias à proposta, além de várias instituições públicas:
MPF | Ministério Público Federal | MP | Ministério Público Estadual (Estados do PA, AC, AM e MT) |
IPHAN | Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional | SAB | Sociedade de Arqueologia Brasileira |
ABEMA | Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente | IDPV | Instituto o Direito por um Planeta Verde |
ANAMMA | Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente | CAU | Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil |
SOS Mata Atlântica | Secretaria do Estado de Meio Ambiente de São Paulo |
COMO RESOLVER O PROBLEMA DA DEMORA NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Apesar dos problemas da PEC, sua essência indica uma dificuldade existente hoje no Brasil: a demora dos processos de licenciamento. Ocorrem diversos casos em que obras consideradas importantes para o desenvolvimento nacional não têm suas licenças emitidas em tempo ágil pelo órgão licenciador.
Existem legislações que determinam o tempo máximo para análise pelo órgão ambiental. No entanto, pela estrutura muitas vezes enxuta e pela falta de organização de vários órgãos de meio ambiente, tal prazo nem sempre é atingido.
Soluções têm sido implementadas no sentido de tornar o processo ágil, como a Lei Complementar nº 140/2011 – que dispõe, dentre outros temas, da descentralização do licenciamento ambiental.
Através dessa lei, os municípios – com órgãos ambientais capacitados – passam a ser responsáveis pelo licenciamento, fiscalização e monitoramento ambiental de algumas atividades classificadas como de impacto local e que atualmente são atendidas pelo órgão estadual.
Além disso, diversos órgãos ambientais estaduais e municipais têm trabalhado com sistemas on-line e formulários mais claros e simplificados, de modo a melhorar a praticidade do processo. O problema da morosidade para a emissão de licenças ambientais, no entanto, ainda persiste.
Para saber mais:
- Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº 65, de 2012 – Agenda Brasil 2015. Acompanhamento da tramitação. Disponível em: < http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/109736>
- Luis Enrique Sánchez (2006). Avaliação de impacto ambiental: conceitos e métodos. Editora Oficina de textos.
- Paulo Affonso Leme Machado (2015). Direito Ambiental Brasileiro.
- Brasil. Lei Complementar nº 140 de 8 de dezembro de 2011.
- MPF (2016). Nota Técnica sobre a PEC 65/2012 e as Cláusulas Pétreas
- Brasil. Resolução CONAMA nº 01. Dispõe sobre critérios básicos e diretrizes gerais para a avaliação de impacto ambiental. 23 de janeiro de 1986.
- Brasil. Resolução CONAMA nº 237. Dispões sobre a revisão e complementação dos procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental. 19 de dezembro de 1997.